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A minha economia: Joaquim Benite

Joaquim Benite diz que não existe economia. Diz também que ela, a economia, está em todo o lado, que tudo é economia, que tudo existe dentro de um sistema de trocas, desde o financiamento até ao amor.

A minha economia: Joaquim Benite
06 de Julho de 2012 às 12:00
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Fizemos mal as contas de deve e haver. Errámos na educação. Há universidades de lápis e carteira. A aprendizagem não é prazer. O conhecimento é sempre uma violência. E o teatro serve o pensamento, traça o encenador e director da Companhia de Teatro de Almada, que é também o homem do Festival de Almada. Até 18 de Julho, a 29ª edição do festival reflecte sobre muito. Debate a fé religiosa na peça "A véspera do dia final", da israelita Yael Ronen. Debate a condição da mulher no espectáculo "Nora", uma criação de Henrik Ibsen. E muito mais. Num total de 18 produções e 45 sessões, o festival, que se faz entre Almada e Lisboa, traz a Portugal mestres do teatro como Peter Stein e Christoph Marthaler, destaca Joaquim Benite, um "fazedor de teatro" há 41 anos.



Acho que não existe economia, que é uma ciência fantasma. Quando foi criado o Prémio Nobel de Economia, várias pessoas protestaram, achavam que a economia era uma ciência especulativa. Partilhando esta posição, tenho uma outra, ainda mais radical. Para mim, tudo é economia, tudo existe dentro de um sistema de trocas, desde o financiamento até ao amor e, portanto, a economia é o que nos permite estar em relação uns com os outros, é o que nos permite viver.

Economia teremos sempre. Não é preciso estudar muito para perceber uma conta de deve e haver; não é preciso estudar muito para perceber que as despesas têm de caber dentro das receitas. É o que faz muita dona de casa e chefe de família. E nós fizemos escolhas erradas. Podíamos não ter feito a Ponte Vasco da Gama. Que malefícios traria para o País? É ter mais olhos que barriga. Dizem-me que o centro Colombo é o maior da Europa... Os empreiteiros fartaram-se de ganhar dinheiro com os complexos de inferioridade.

Este ano, o Festival de Almada tem um orçamento mais reduzido (350 mil euros), tive de fazer escolhas e diminuir o número de espectáculos. Em vez de ficarmos a chorar, fizemos uma selecção muito criteriosa dos espectáculos. Tenho pena, claro. Há uma menor diversidade dos países representados. É a primeira vez que não temos um espectáculo da América Latina. Temos um festival só de grupos europeus, o que nunca aconteceu.

A mensagem subjacente ao festival é a do pensamento. "Pense". Temos a preocupação de ter peças que façam pensar. Já os gregos utilizavam o teatro para estudar problemas. Temos os grandes dramaturgos como Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, que ficaram até hoje. O teatro faz-nos reflectir sobre a actualidade. Não é apenas uma actividade artística, é também a única arte que se relaciona directamente com a sociedade do seu tempo, é a única arte que é contemporânea e efémera. Podemos guardar um filme durante vinte anos e reconhecer nele a actualidade que não vimos antes; podemos fazer isso com um quadro, com um livro, mas não com o teatro. Daí que os nomes que conhecemos do teatro são os dos autores, não dos encenadores. Um encenador é um técnico que põe em cena um texto de outro. Há esse "handicap" do teatro que, no fundo, não o é. Nós, encenadores, não temos a ambição da eternidade.

A Companhia de Teatro de Almada está a fazer uma nova versão de "O Mercador de Veneza" com encenação de Ricardo Pais, uma peça de Shakespeare de uma actualidade imensa pois destaca o problema das sociedades industrializadas que se desenvolvem matando as tradições antigas. O herói negativo é Shylock, um judeu que faz um empréstimo ao mercador António, tendo, como contrapartida, o direito de lhe tirar uma libra de carne; é uma peça de carácter tão enigmático que as leituras são sempre muito diferentes umas das outras. Ao contrário da generalidade dos encenadores, que fazem de Shylock o grande protagonista e, por isso, a peça é, por vezes, considerada anti-semita, Ricardo Pais faz incidir a sua atenção em António, o mercador antigo que se vê na ordem nova, a da especulação e do lucro.

Um festival com 28 anos num país como o nosso é um fenómeno de resistência. É o maior festival de teatro português. Desenvolveu-se muito nos anos em que (Manuel Maria) Carrilho foi ministro da Cultura. Lembro-me que o subsídio do festival era de 4.500 contos e o Carrilho aumentou-o para 43.500 contos. É uma pessoa de outra mentalidade, um homem de cultura, muito patriota. O País está agora cheio de teatros, mas ninguém diz que foi o Carrilho que fez tudo isso. Foi um ministro que não trabalhou só para o seu consulado, deixou uma obra que fez desenvolver o teatro dez anos depois de sair do ministério.

Usei expressões muito radicais nas críticas que fiz a Gabriela Canavilhas, não me sustinha. Mas quando eu disse que a (então) ministra era "terrorista", evidentemente que não me referia a alguém que ia pôr bombas, mas sim a uma pessoa que se introduziu numa organização e, sem perceber nada, resolveu transformar tudo, até ao ponto de nomear um director-geral das artes como o João Aidos. Já o actual director-geral, Samuel Rego, é um homem com uma grande ligação ao teatro, é uma escolha mais acertada. Podemos contestar a política mas não a qualidade da pessoa. E o próprio secretário de Estado da Cultura (Francisco José Viegas) tem uma preparação cultural forte.

A crise não é uma novidade, nós demos dados passos ao longo de 30 anos que implicavam consequências e acho que essas consequências não foram medidas. Por exemplo, quando Portugal entrou para a então CEE, não houve uma consulta ao povo, um referendo, ao contrário de muitos países, onde essa entrada foi garantida por votos populares. O mesmo aconteceu com o Acordo de Schengen ou com o Tratado de Lisboa. A União Europeia levou a um maior afastamento das populações face à política.

Por outro lado, os regimes ditos democráticos funcionam com muito pouca democracia. Veja-se a Grécia. Os partidos que estão no poder são aqueles que foram acusados de serem responsáveis pela crise... E em Portugal? Criou-se um sistema rotativista, tal como houve no século XIX, com o PS e o PSD a ocuparem sistematicamente o poder. Falta uma classe política verdadeiramente democrática e que não se deixe corromper pelo desejo de poder. E hoje quase não se distingue um político de um agente económico. Não existe verdadeira democracia.

Se a crise fosse só portuguesa, diria que um dos grandes motivos estaria na nossa educação. Vejo teses universitárias redigidas por pessoas que mais parecem jovens sem instrução; os próprios ministros dão erros gramaticais quando falam na televisão. Do ponto de vista da cultura geral, são uma desgraça. Muitas vezes, não fazem a menor ideia do que se passa no mundo da cultura, nem têm apetência para isso. Há o caso de um ministro em Portugal que disse a um director do São Carlos que nunca tinha visto uma ópera. O então director chegou a comentar: "o ministro até podia não ter visto, o que eu acho estranho é o gosto de o dizer".
Aparentemente, a actual geração é mais culta, há licenciados que nunca mais acabam, mas é tudo feito de uma forma leviana. E as universidades privadas que se criaram? Universidades de carteira e lápis...

Nos anos 60 e 70, foram introduzidas no sistema de ensino certas reformas inspiradas em Piaget, que defendiam que o ensino deveria ser um prazer e que a criança deveria estudar através de formas de divertimento. É completamente errado. O conhecimento é sempre uma violência. Não nascemos para ser cultos, não nascemos para ser inteligentes. Nós aprendemos isso para termos uma vida social diferente da que teríamos se fôssemos apenas animais ou se vivêssemos no tempo das cavernas.



Os empreiteiros fartaram-se de ganhar dinheiro com os complexos de inferioridade (dos portugueses).

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