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A longa caminhada de Daniel Ortega

O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, eliminou a oposição. O caminho está “livre” para concorrer a um terceiro mandato consecutivo nas eleições de Novembro. Ao lado, terá a sua mulher, Rosario Murillo. O país prepara-se para uma nova dinastia familiar com mão-de-ferro.

Oswaldo Rivas/Reuters
19 de Agosto de 2016 às 14:00
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Daniel Ortega quer manter-se no poder. O Presidente da Nicarágua, desde 2007 (já tinha ocupado o cargo entre 1985 e 1990), fez aprovar em 2014 uma reforma constitucional que ditou o fim do limite para o número de mandatos presidenciais, o que lhe permite submeter-se novamente a eleições em Novembro. O ex-guerrilheiro e líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), a avaliar pelas últimas sondagens, está bem posicionado na corrida. Um inquérito publicado a 8 de Agosto dá-lhe a vitória com 62,8% das intenções de voto. Na verdade, Ortega está praticamente isolado nestas eleições.

No final de Julho, foram destituídos 16 deputados da oposição no Congresso, por determinação do Tribunal Constitucional. Para o ex-Presidente do país, Sergio Ramírez, esta medida terá sido uma manobra de Ortega para anular a oposição e tornar-se um autocrata, agora que se aproxima mais um escrutínio. Numa entrevista ao jornal brasileiro Folha de São Paulo, Ramírez afirma que "Ortega crê no partido único, como já disse publicamente, mais do que uma vez". E acrescentou: "Para ele, as eleições são um mal necessário, por isso trata de rebaixar a sua relevância."

Esta destituição dos deputados fez com que "a oposição real e legítima" fosse eliminada, diz o agora escritor e professor universitário. Ramírez explica que os 19 partidos inscritos para as eleições "são de fachada". "Na Nicarágua, chamamos esses partidos de 'mosquitos', porque só procuram chupar o sangue do orçamento do país, uma vez que ganham benefícios para prestar-se ao trabalho de actuar como falsa oposição."

Além de eliminar a verdadeira oposição, o Presidente está também a garantir que o poder se mantém na família. No início de Agosto, Daniel Ortega anunciou que escolhera a sua esposa, Rosario Murillo, para ser sua vice-presidente, alegando que será um exemplo de igualdade entre sexos no país. Murillo é já uma figura proeminente na política nicaraguense. É conhecida a sua influência no Executivo. Actualmente, é porta-voz do Governo mas, na prática, funciona como uma chefe de gabinete. Tudo se conjuga para a Nicarágua ficar entregue a esta família. Algo que não é novo. Recuemos no tempo.

De guerrilheiro a ditador

A Frente Sandinista de Libertação Nacional, de Daniel Ortega, derrubou o regime do ditador Anastasio Somoza em Julho de 1979. Foi o último membro da família Somoza a liderar o país, fechando-se assim um ciclo de uma dinastia familiar, que governava a Nicarágua com mão de ferro desde 1936. Agora, Ortega, um guerrilheiro que lutou contra a ditadura de Somoza, parece querer repetir a História. Mas, desta vez, com ele e a sua família no poder, a todo o custo. A revista nicaraguense Semana chama ao casal presidencial os "Underwood" da Nicarágua, numa alusão à série norte-americana "House of Cards". A publicação afirma que os filhos do Presidente "ostentam um poder desmedido e hoje fazem parte da oligarquia". O mais velho, Rafael Ortega, controla a Distribuidora Nicaraguense de Petróleo, a empresa que administra o negócio de distribuição de petróleo que o país compra a preços mais baixos à Venezuela, através do programa Petrocaribe. Outro dos filhos, Laureano Ortega, gere a agência estatal que capta investimento, a ProNicaragua. Foi ele que contactou Wang Jin, o empresário chinês que vai construir um canal interoceânico para concorrer com o canal do Panamá. Os outros filhos, Manuel, Daniel Edmundo e Carlos Enrique estão no negócio da comunicação social. São donos de três canais de televisão privados, controlam o canal 6, que é público, e várias rádios.

Um país de pobres e milionários

Os agentes económicos estão apreensivos com o cenário político do país. Recentemente, a presidente da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento Económico (Funides), Aurora Gurdián, disse, na apresentação de um relatório sobre a conjuntura económica, que "infelizmente temos visto com grande preocupação como o processo eleitoral tem sido afectado por decisões que desvirtuam seriamente a sua legitimidade e confiabilidade". E, sublinhou, as eleições "quando são transparentes, limpas e competitivas são oportunidades excepcionais para conhecer a posição dos candidatos sobre os temas essenciais para a população". Aurora Gurdián afirma que a economia do país precisa de crescer a um ritmo de 7% a 8% ao ano (em 2015, cresceu 4,9%) para poder resolver os problemas de pobreza que afligem a população do país que ronda os seis milhões.


A revista nicaraguense Semana chama ao casal presidencial os "Underwood" da Nicarágua. 


Apesar de este ser um dos países da região com maior crescimento económico, Sergio Ramírez recorda, na sua entrevista à Folha de São Paulo, que "hoje, mais de 40% da população vive com menos de dois dólares por dia e 70% depende de algum trabalho informal". A Nicarágua é o país mais pobre da América Central, mas, de acordo com a revista Forbes, é também o país daquela região onde o número de milionários mais cresceu em 2015.

O consenso político é uma necessidade, afirma a líder da Funides, porque "a harmonia, o fortalecimento institucional e os mecanismos democráticos provaram ser os mais eficazes para promover a paz e a prosperidade sustentável". Tudo isto é essencial para a Nicarágua se tornar um país atractivo para o investimento, quer nacional quer estrangeiro. De acordo com um relatório apresentado pela Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (Cepal), em 2015, o investimento estrangeiro na Nicarágua foi de 835 milhões de dólares, o que significa uma redução de 6% face ao ano anterior. E as notícias recentes de um autoritarismo crescente no país podem afastar investidores. Sobretudo estrangeiros.

Quando anunciou a sua intenção de avançar para um terceiro mandato, Ortega deixou um aviso. Não serão permitidos observadores internacionais, nem organizações de direitos humanos internacionais a acompanhar a campanha eleitoral e o escrutínio de Novembro. E as relações diplomáticas com Washington azedaram. O Presidente Ortega expulsou do país funcionários com passaporte diplomático dos Estados Unidos, alegando que não comunicaram ou coordenaram as suas actividades no âmbito do combate ao terrorismo com as autoridades da Nicarágua. A Casa Branca reagiu através de um comunicado oficial, divulgado a 1 de Agosto, assinado pelo porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby. No documento, Kirby afirma que esta acção afectará as relações bilaterais. E assinala que "os Estados Unidos se encontram profundamente preocupados" com o cenário político do país, instando o Governo de Manágua a "criar um ambiente para eleições livres e justas, que permitam ao povo nicaraguense determinar o futuro do seu país". Curiosamente, apesar de tudo, os índices de popularidade de Ortega no país continuam altos e não há registo de manifestações nas ruas.

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