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A recuperação da alma africana

Um jovem casal luso-moçambicano está a recuperar e a comercializar parte do vasto património tradicional africanos, num esforço heróico que merece ser cantado e apoiado.

18 de Agosto de 2018 às 09:00
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O processo do desaparecimento do património cultural material africano tradicional em Portugal tem sido silencioso, mas implacável. O vazio que tem sido criado, e que hoje é quase total, é provocado por uma cadeia interligada de causas, forjadas em Portugal, nos países africanos, e no mercado internacional.

Do lado português, a independência das nações africanas eliminou a maior parte dos canais comerciais, dos informais familiares aos profissionais, fazendo com que o património deixasse de ser conhecido, distribuído e comprado. Do lado africano, os conflitos armados internos, a deslocação das populações para as cidades e a procura de trabalhos mais rentáveis fizeram com que a transmissão do saber dos artesãos fosse interrompida, existindo hoje uma redução enorme das comunidades que continuam a praticar as artes.

Do lado do mercado internacional, instalou-se um fenómeno perverso, mas de grande amplitude, desenvolvido pelos industriais chineses. Por incrível que possa parecer ao primeiro olhar, o património africano parece ter um nicho considerável do mercado global, fazendo com que os chineses apostem na identificação dos materiais, padrões e formas e depois os produzam industrialmente, em séries gigantescas. Deste modo, é hoje possível comprar, em qualquer lado do mundo, artesanato africano sem qualquer valor, porque é feito na China.

Todas estas forças do mal contribuem para a destruição e inexistência do património tradicional africano, especialmente nas suas áreas mais fortes, que são os têxteis e os trabalhos em madeira e palha, nas suas várias dimensões e temas. Assim, quando surge uma lança de guerra contra esta frente dominante, há mais do que motivo para celebração e canto. A Alma Africana, criada por um jovem casal luso-moçambicano, e com centro em Maputo, é uma destas lanças de ouro, porque está, exactamente, a recuperar e a comercializar o património de um modo honesto e digno.

A Alma Africana começou por estudar a tradição, principalmente os materiais, as artes, as formas e os temas. Foi depois à procura das comunidades de artesãos, e, finalmente, começou a financiar a criação. A empresa tem hoje mais de mil artesãos a trabalhar para si, e ataca em todas as frentes. Uma das áreas de maior sucesso é a da cestaria tradicional, criando e comercializando objectos quase desaparecidos, como são as enormes sacas de transporte de objectos. Outra área de entusiasmo é o têxtil, com as peças a surgirem a partir do verdadeiro "batik" produzido ou certificado pela Holanda. A aposta na madeira tem sido mais tímida, mas também tem sido feita.

A Alma Africana tem duas lojas em Maputo, mas vende para todo o lado através do endereço www.almaafricana.com.

Espera-se com impaciência a sua chegada a Portugal.


Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.


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