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A semana passou em costumeiro sobressalto. O terror espreita e pode matar a qualquer esquina. Habituemo-nos, mas não nos rendamos a ser iguais. O mal banaliza-se, talvez porque muitos se prendam a um nada, ao vazio. Terrível, diz Steiner.

António José Teixeira 09 de Junho de 2017 às 13:00
rendas. O regresso da polémica em torno das chamadas rendas da energia é compreensível e, ao mesmo tempo, inusitado. Compreensível porque nos coloca perante um dos cancros mais malignos da economia portuguesa. Opacos, duvidosos, suspeitos, penosos para a factura das famílias e das empresas, os chamados Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual da EDP são uma pesada herança de vários actores políticos e empresariais dados a bons negócios privados. Inusitado é o "timing" da investigação. Passaram muitos e muitos anos sobre este negócio e não pode deixar de estranhar-se que só agora se tenha dado conta da investigação do Ministério Público. A matéria é complexa e obedece a uma construção jurídica tida por inexpugnável. António Mexia, a face mais visível da chinesa EDP, justifica-se na lei e nos contratos. Parece inatacável. O que será mais difícil de entender são os critérios que justificaram tamanhos valores das rendas.

habituem-se. A multiplicação de atentados terroristas na Europa gera naturalmente grande comoção e repulsa. Muitos de nós se colocam no lugar de qualquer das vítimas. Os alvos são indiferenciados e o objectivo é incutir e propagar o medo. Três atentados em três meses no Reino Unido deixam marcas profundas. Ainda mais fortes se atendermos ao período eleitoral. O terrorismo - nunca é demais repeti-lo - é intolerável e exige um combate forte. Para ser eficaz, importa que seja inteligente e realista. Inteligente porque deve perceber que o fim último dos terroristas é que nos tornemos seus iguais. Se o quisermos evitar é necessária uma acção preventiva mais ampla. A solidariedade e a piedade devem ultrapassar os discursos de circunstância e traduzir-se numa partilha de informações entre polícias e entre países. Não tem sido suficiente. Mas o combate ao terrorismo tem de ser também realista, o que quer dizer que deve preparar os cidadãos para enfrentarem mais atentados. É a má notícia. Vivemos em sociedades de risco. E ninguém pode prometer segurança absoluta. Haverá mais atentados. Habituem-se. Não se rendam.

vazio. George Steiner é uma referência do pensamento contemporâneo. Há muito nos ajuda a ler a memória do mundo. Aos 89 anos, o homem que atravessou grandes guerras e perseguições foi entrevistado pelo Expresso. Dá muito que pensar. Afinal, o que aprendemos com a História? "Absolutamente nada", responde Steiner, "o anti-semitismo está a crescer, a multiplicar-se". Não são apenas os judeus. O outro, o diferente, o estrangeiro, o migrante, não deixaram para sempre de ser inimigos. Há fluxos e refluxos. Tão só. A pulsão nacionalista, afirma Steiner, é "um veneno absoluto". Está aí, cada vez mais viva. Se lhe juntarmos a banalização do mal, evidenciada em muitos momentos da condição humana, a esperança não é muita. Reinventa-se todos os dias, sobretudo quando há alguma coisa que nos prende. O lema de vida de George Steiner foi saber que "a força mais poderosa é estar interessado em alguma coisa", qualquer coisa. "O terrível é quando as pessoas se prendem a um nada, ao vazio." As crescentes desigualdades na distribuição da riqueza estão a criar demasiado vazio, medo e irracionalidade, campo propício a sementeiras cruéis.

juízo. Num estado de Direito democrático, em que vigora a separação de poderes, parece-me chocante que os magistrados judiciais façam greve. Nem sequer discuto a justificação da atitude. Por princípio, os primeiros e últimos responsáveis pela administração da justiça não deveriam comportar-se como meros funcionários. A independência do seu estatuto e a reserva de garantia do cumprimento da lei seriam razões suficientes para os juízes evitarem qualquer peleja laboral. Excepcionalmente, isto é, perante uma qualquer violação flagrante que o poder político fizesse do seu estatuto de independência, aí sim compreender-se-ia um protesto. Não parece ser o caso. A Associação Sindical dos Juízes não demonstrou razões que justifiquem a convocação de uma greve. Discorda da proposta do Governo de alteração do estatuto dos juízes, diz ter contrapropostas, mas antes de as apresentar aprova uma greve. Não é uma greve qualquer. Tem uma intenção deliberada de ocorrer "em períodos que possam abranger o próximo processo eleitoral autárquico". Afirma a presidente da Associação que os juízes não estão dispostos a "colaborar no processo eleitoral". É difícil entender tamanha falta de bom senso.

melhor. Já todos falaram de Cristiano Ronaldo e não podemos deixar de falar de Cristiano Ronaldo. O que tem conseguido ao longo de muitos anos é extraordinário. Não é preciso gostar de futebol para reconhecer uma capacidade ímpar de superação, uma ambição sustentada em trabalho continuado e uma pulverização sucessiva de recordes. Dizem que é um português atípico. Não se lamenta. Não exibe falsas modéstias. Vaidoso, orgulha-se dos seus feitos. Quer sempre mais. É metódico, persistente, focado e dono de uma grande autoconfiança. É decerto o português mais conhecido no mundo e o melhor no seu ofício. Não é coisa pouca. Muita foi a força de vontade com que, desde cedo, Ronaldo contrariou um destino sombrio.

monumentos. O Estado não tem dinheiro suficiente para conservar os seus monumentos, sejam conventos, castelos ou palácios. A manutenção é muito cara e os orçamentos escassos. A bilheteira não chega e aqui, como em outros países, procuram-se receitas complementares. A distinta Ópera de Viena, por exemplo, aluga espaços a empresas e isso não significa qualquer espécie de desvalorização do património. Por cá, nos últimos dias, tivemos notícia de algum desrespeito por monumentos públicos. Não é por albergarem festas ou servirem de cenário para filmes que os seus gestores merecem reparo. Merecem reparo por não cuidarem o suficiente da herança monumental e, não menos grave, pela gestão descuidada que pouco parece beneficiar da partilha privada de espaços históricos valiosos. Falta zelo.


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