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O mundo gira numa eterna busca de justiça. Há muitas perguntas sem resposta e demasiadas perplexidades. A procura de racionalidade esbarra não raras vezes em paradoxos desconcertantes…

António José Teixeira 02 de Junho de 2017 às 13:00
perguntas. Os magistrados Baltazar Gárzon, Antonio Di Pietro, Sérgio Moro e Carlos Alexandre estiveram nas Conferências do Estoril a dizer de sua justiça sobre o combate ao crime em democracia. Não divergiram. A corrupção tem sido consentida, disse Garzón. Há criminalística a mais e política a menos no combate às novas formas de criminalidade, considerou Carlos Alexandre, que defendeu também a liberalização de algum comércio de drogas. Informação livre, independente e transparente, reclamou Di Pietro. Por sua vez, o juiz da operação "Lava-Jato" diz que o Brasil está mais limpo. Muitas ideias nobres e justificações aceitáveis. Pena terem ficado sem resposta as perguntas que Nuno Garoupa colocou no painel. A classe política é hoje mais corrupta do que há 20 anos ou foram os juízes que mudaram? Está o poder judicial mais politizado? O que significa ser um juiz independente? Como lidar com a sanção judicial versus a absolvição eleitoral? O que acontece quando um juiz vai para a política?

destino. "O tempo em que podíamos depender completamente de outros acabou. Essa foi a experiência que tive nos últimos dias". A frase é de Angela Merkel e deixa uma marca forte por estes dias. A chanceler não teria muitas ilusões em relação a Donald Trump, mas as posições que ouviu ao Presidente americano na NATO e no G7 deixaram-lhe a convicção: "Os europeus têm de tomar o seu destino nas suas próprias mãos". A tirada será banal, mas poucas vezes fez mais sentido. Acossada pela sua decadência demográfica, a Europa gere com dificuldade o seu projecto político. Talvez agora Trump, na sua ignorância e no desprezo por muitos dos seus aliados, consiga convencer os europeus de que devem contar apenas consigo próprios. Para haver união é precisa muitas vezes ameaça. Pairam muitas ameaças sobre a Europa. A ameaça mortal é a sua inoperância. A Alemanha e a França perceberam que não podem ficar quietas. E perceberam também que são demasiado insuficientes para uma resposta efectiva. O destino do eixo franco-alemão é europeu e só poderá vingar se congregar os 27. É também uma lição para Merkel.

pequenez. O mais extraordinário em Donald Trump não é a verborreia e a petulância. É o paradoxo da sua revolução. O propagandista da grandeza da América é o activista da pequenez. O poder dos EUA é enorme. Vai muito além dos seus competidores, sobretudo em termos militares. Mas também no poderio das empresas, da inovação ou da cultura. Boa parte desta grandeza reside no designado poder brando, ou seja, na capacidade de influência e de liderança política. Ora, o que tem acontecido nos últimos meses é o puro desperdício de liderança. O desprezo votado aos aliados e a incapacidade de perceber que os interesses dos EUA vão além dos seus caprichos estão a desvalorizar o poderio americano. A irracionalidade e imprevisibilidade de Trump tornaram a presidência dos EUA uma caricatura.

apertos. A linguagem corporal fala por si e vale por muitas palavras. Os cumprimentos são gestos de cortesia, saudações. Um aperto de mão sela um compromisso, sublinha respeito mútuo, denota delicadeza e consideração. Nem sempre os apertos de mão ficam pelos modos protocolares. Há apertos de mão moles, sem convicção. Há apertos de mão fortes, afirmativos. Há quem os aproveite para demonstrar força e domínio e quem se deixe ir no movimento dos mais exuberantes. Trump costuma cumprimentar os seus interlocutores com um aperto de mão forte ao mesmo tempo que lhes puxa o braço. Demonstração de força e do poder de quem manda, o 'macho alfa', já se vê. Na cimeira da NATO, distinguiu o primeiro-ministro do Montenegro com um empurrão… Macron, o novo presidente francês, consciente do impacto da imagem, preparou-se para o cumprimento ao homólogo americano. Foi mais forte no aperto e controlou o tempo da pose: "O meu aperto de mãos não foi inocente, não foi o alfa e o ómega da política, mas foi um momento de verdade. Há que demonstrar que não se fazem pequenas concessões, incluindo as simbólicas". Macron sabe que a liturgia do poder é mais do que palavras.

descentralização. A competição partidária na proximidade das eleições autárquicas não ajuda a encontrar compromissos descentralizadores. Mas há trabalho feito, negociação partidária e com os municípios. Importa aproveitar a oportunidade. A gestão de proximidade tem vantagens evidentes e há muitas áreas em que os municípios podem ser mais eficazes do que o governo central. Depois das infraestruturas, as autarquias locais devem concentrar-se em campos fundamentais para o desenvolvimento dos seus concelhos, seja na gestão das escolas, das áreas protegidas, dos museus, no policiamento de proximidade, em zonas portuárias, nas praias ou nos portos de pesca. Descontados alguns excessos, os municípios têm vindo a demonstrar maior zelo no uso dos dinheiros públicos. Importa agora que o Estado saiba contratualizar a gestão de novas competências sem abdicar da garantia de aplicação nacional das políticas públicas. Se a discussão que falta não se resumir ao volume do envelope financeiro (há quem lhe chame mochila) e às vantagens eleitorais, há boas perspectivas descentralizadoras.

estagiários. A ironia não podia ser mais grave. O mesmo governo que prometeu combater a precariedade no emprego é também ele um criador inveterado de precários, ainda por cima ilegais. Um exemplo é a notícia de que o Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros abriu uma unidade destinada a avaliar o impacto das leis, constituída maioritariamente por estagiários não remunerados. A justificação do Governo é intrincada: trata-se de alunos de mestrado e de doutoramento, envolve créditos curriculares… Num ou noutro caso até haverá cobertura legal, mas o princípio está longe de ser exemplar. As críticas são muitas e devem fazer reflectir (e inflectir) quem decide, incluindo aqueles que ao longo de anos fragilizaram a administração pública. Há funções que o Estado não pode abdicar de realizar, como o controlo do impacto das leis, e esse trabalho não pode deixar de ser remunerado. Violar a lei quando se estuda o impacto da aplicação das leis é um paradoxo intolerável.



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