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No registo da semana inscreve-se uma enorme interrogação: que Europa sairá das eleições francesas? Dúvida a somar ao futuro da nova face bélica de Donald Trump. Certos parecem estar retrocessos civilizacionais como os que sopram da Turquia.

António José Teixeira 21 de Abril de 2017 às 13:00
indecisos. É como se sentem os franceses em vésperas de eleição presidencial. Esta semana, o Libération expressava na sua primeira página a imagem da incerteza. Perante duas colunas com os nomes dos cincos principais candidatos a interrogação: «Que fazer?». Sondagens muito próximas, segunda volta imprevisível, estratégias múltiplas, uma tempestade cerebral num país indeciso. Somatório de desilusões acumuladas, desesperança, candidatos fracos (uns mais fracos do que outros), multiplica-se a dúvida. Macron, Hamon, Mélenchon, Fillon ou Le Pen, ninguém se destaca claramente. Ou seja, tudo parece possível para a chegada à segunda volta. Por aqui passa não apenas o futuro da França, mas o futuro da Europa. 

sultão. Recep Tayyip Erdoðan fez regredir a Turquia um século. A República continuará, mas arrisca-se a parecer mais um sultanato. O referendo, mesmo que viciado, permite a concentração de mais poderes no Presidente. Cuida mal da capa democrática, a sua prepotência autoritária é por demais evidente. Aproveitou uma duvidosa tentativa de golpe militar para fazer uma purga gigantesca: mais de uma centena de milhares de funcionários públicos demitidos, dezenas de milhares de prisões, milhares de escolas fechadas, milhares de juízes e procuradores demitidos, mais de uma centena de meios de comunicação social fechados, mais de uma centena de jornalistas presos… Inimigos internos e externos ajudaram a criar um ambiente de grande condicionamento e afirmação nacionalista. Os partidários do «não» no referendo foram insultados e silenciados. Ainda assim, mesmo validando o escrutínio oficial, o país dividiu-se ao meio. O suficiente para legitimar o novo sultão turco, que já ameaça com a instauração da pena de morte. E pensar que há 30 anos a Turquia pedia a adesão à CEE… A cegueira europeia tolheu a possibilidade de aproximar o antigo império otomano de padrões mais ocidentais. 

bombas. E Donald Trump soltou as bombas. Primeiro, mísseis. Depois, «a mãe de todas as bombas», a mais potente do arsenal norte-americano, à excepção do nuclear. O bastante para Trump se sentir orgulhoso e melhorar a sua popularidade. Poucos atestarão que os bombardeamentos dão seguimento a uma qualquer linha estratégica, como poucos são os que criticam os seus bombardeamentos cirúrgicos. Demasiado ignorante e fanfarrão, a surpresa dos gestos deu-lhe uma força inesperada. Que fará a seguir? Ninguém sabe. Talvez nem o próprio, o que torna a incerteza mais genuína. Quando às invasões injustificadas, como a do Iraque, se sucederam «não-ingerências» que permitiram o alastrar de massacres, como na Síria, as bombas de Trump quebraram pelo menos a indiferença. 

constrangimentos. Os malefícios da política não escapam ao Fundo Monetário Internacional. Os seus dirigentes não ficam pelas análises. Dedicam-se agora a fazer ensaios de economia política, a disciplina superior que, pelos vistos, ainda não constrange suficientemente o mundo. Paulo Pena assinalava esta semana, no Público, a questão nevrálgica dos ensaístas do FMI: «O que pode ser feito para reduzir a influência da política nas decisões orçamentais?» Afinal, a política, a ideologia, pesam nos orçamentos porque há eleições. Um problema. Mas que tem solução: «os constrangimentos orçamentais». Leia-se: imposições orçamentais. Os bem-intencionados economistas do FMI querem poupar os eleitores aos desmandos da política. Um número elevado de decisores na governação e uma oposição forte são factores de risco, dizem. Ou se traduzem em despesismo ou travam a redução da despesa. Em síntese, política e democracia ameaçam o orçamento, dizem os economistas políticos do FMI. Um deles é Vítor Gaspar. 

regressão. Olhando para o mundo, o diagnóstico é cada vez mais consensual. Estamos na idade da regressão. Regressam nacionalismos, radicalismos, políticas securitárias, xenofobia, medo e aversão ao outro. Tudo conjugado, o retrocesso civilizacional ganha evidência. Acaba de ser publicado um livro, que deverá ter edição portuguesa, intitulado «A Idade da Regressão». Reúne textos de 15 renomados intelectuais, de Zygmunt Bauman, entretanto falecido, a Nancy Fraser ou David Van Reybrouck. Os temas da regressão são os que nos têm inquietado: a pós-verdade, os novos muros, a fadiga democrática… A esperança num mundo mais civilizado e democrático renovou-se com a queda do Muro de Berlim. Caiu uns anos depois com o ataque impensável às Torres Gémeas de Nova Iorque. De então para cá somaram-se fluxos e refluxos da globalização financeira, acentuaram-se a incerteza e o medo. Gerações de frustração alimentam ressentimentos crescentes. Liberdade e democracia declinam. Só faltavam mesmo agitadores mentirosos. E não faltam. Abundam. Tanto como a vontade de lhes dar razão. 

cassetes. Tinha acontecido com o vinil, que ressuscitou os registos sonoros das 33 rotações. O revivalismo está a trazer de volta a cassete. Refiro-me àqueles objectos plásticos rectangulares, que envolviam uma fita magnética. Fáceis de transportar e de ler, tinham um som algo sujo, um certo arrastamento da fita. Ficaram famosos os walkman, que permitiam correr a ouvir música, antes dos MP3. Para continuarmos a ouvir cassetes, já se anuncia um novo gadget similar aos digitais. Nos EUA, as vendas de cassetes aumentaram 70% no ano passado. Na Europa, também estão a crescer. Lançamentos de «Beauty Behind the Madness», de The Weekend, e reedições de clássicos, como «Purple Rain», de Prince, passaram pelas velhas cassetes. Quem diria? Objectos de culto, nostalgia, produtos vintage, o que quer que seja. Um velho encanto trouxe de volta a cassete. 


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