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O mundo está transformado num vespeiro disperso por várias partidas. Falta abrigo suficiente que nos defenda de autocratas e terroristas de calibres vários. Querem saber de nós, mas a tolerância rareia.

António José Teixeira 13 de Abril de 2017 às 13:00
soros. A Hungria, país da União Europeia, prossegue o seu caminho rumo a um "Estado iliberal", nas palavras do seu primeiro-ministro Viktor Orbán. Chamam-lhe uma "autocracia moderna": imprensa sem liberdade, liberdades individuais desvalorizadas. Há poucos dias, o Parlamento aprovou uma lei com um único destinatário. Obriga as universidades estrangeiras presentes na Hungria a deter um campus no seu país de origem. A visada é a Universidade Centro-Europeia, fundada em 1991 pelo financeiro de origem húngara George Soros, e que se tornou um símbolo de educação liberal que Orbán contesta. Em Fevereiro, considerou-o uma das cinco principais ameaças à Hungria, pois financia "a vinda de centenas de milhares de emigrantes para a Europa". O ministro dos Recursos Humanos diz que as organizações de Soros são "espias pseudocivis". No final dos anos 80, Viktor Orbán era um dos chefes de fila que se opunham ao regime comunista. Estudava Direito com uma bolsa da Fundação Soros…

camião. A marcha do medo vai longa. É de sempre. O que não é de sempre é a instantaneidade, a disseminação e a intensidade da comunicação. Os camiões do terror surgem onde menos se espera. Tão fácil como eficaz. Nice, Berlim, Londres e agora Estocolmo. Podia até não haver mortos e feridos, só a ideia de um veículo desgovernado ou direcionado aos transeuntes é em si própria um choque de terror. O terrorismo é afinal isso mesmo, a instilação do perigo sem aviso. Medo pulverizado por todos os dispositivos de comunicação. Medo generalizado. Se, por absurdo, fosse possível silenciar um atentado, o terror não se disseminava, neutralizava-se. Obviamente, não é possível. A sociedade da comunicação não o permite. Mas é possível não fazer a vontade aos terroristas. Resistir ao medo. Não abdicar da liberdade. Mesmo que com mais cautelas.

privacidade. A liberdade é decerto a questão fundamental que se coloca ao Homem. O ensaísta britânico Timothy Garton Ash ocupa-se dela há muito. No seu último livro, "A liberdade de expressão - Dez princípios para um mundo interligado", confronta-nos com o cerco e a vigilância da Internet. Refere-se aos motores de busca, como o Google, ou aos impérios da Apple e do Facebook. Todos, a seu modo, embarcam no mesmo modelo de negócio, afinal o negócio da Net: observar e vigiar os internautas em troca de serviços. Os nossos dados pessoais, a nossa privacidade, vendidos a terceiros, por serviços de comunicação. As possibilidades de vigilância, as capacidades dos algoritmos, são tais que ultrapassam a nossa imaginação. Política e negócios passam por aqui. Não há leis nem vontades que travem a marcha destes big brothers. Pelo contrário, há poucos dias, o Congresso dos EUA aprovou a possibilidade de venda a terceiros de dados pessoais. Morre a privacidade e triunfa a manipulação. A gratuitidade dos serviços tem preço: a privacidade, logo a liberdade.

abrigo. A civilização leva muitos séculos de progresso social, mas ainda permite que haja civilizados sem tecto, sem onde habitar. Chamam-lhes "sem-abrigo". Colocada assim a questão, a resposta parece óbvia. Mas não é. Marcelo Rebelo de Sousa tem andado numa luta sem quartel para acabar com os "sem-abrigo". Dias seguidos, anda pelas ruas, reúne-se com associações de voluntariado e interpela o Governo. Ministros prometem estratégia e a causa parece um desígnio nacional. Se houver tectos desaparecerão os "sem-abrigo". Não será assim. Os que conhecem bem o fenómeno, sabem que não se resume à ausência de meios para ter, ou conseguir manter, uma habitação. Muitas destas pessoas vêm de famílias desestruturadas, perderam referências, estão mentalmente doentes. Por isso, muitas vezes, apesar de terem conseguido uma casa, acabam por regressar à rua. Não quer isso dizer que esteja errada a preocupação do Presidente e do Governo. Quer dizer que é preciso fazer muito mais do que mobilizar assistência. A tal estratégia precisa de prevenção.

queixas. Pululam queixas e queixinhas pelos noticiários. Talvez as mais estridentes sejam as do futebol. Mas não apenas. Há lesados por todo o lado. Hoteleiros acusam finalistas de vandalismo. Finalistas queixam-se de falta de condições hoteleiras. Obrigacionistas querem litigar contra o Banco de Portugal por causa do Novo Banco. A litigância ultrapassa o domínio judicial, palco próprio para o dirimir do cumprimento da lei. Multiplicam-se instâncias reguladoras, fiscalizadoras e de arbitragem. Nem por isso suficientes ou eficazes. Prefere-se muitas vezes o palco mediático ou as fascinantes redes sociais. Justiça pelas próprias mãos é a grande tentação. A verdade é que o mundo ficou mais intolerante à medida que se conhece melhor. Eterno paradoxo.

vespa. É o título da nova obra de Rui Horta. Coreógrafo dos melhores, dos pouco portugueses com estatuto internacional, há mais de 30 anos que não era bailarino. Vai voltar a sê-lo. "Vespa" é uma criação sua, integral, um solo preparado para si próprio. É um trabalho do corpo, como é sempre o bailado, mas um trabalho onde irrompe uma voz, um discurso, político, preocupado com o nosso mundo. Um zumbido, uma inquietação, que podem picar-nos. O vespeiro anda por aí. Rui Horta está a ensaiar intensivamente em Montemor-o-Novo, onde instalou há 17 anos o seu Espaço do Tempo, um centro multidisciplinar de pesquisa e criação. Estreia no dia 20, em Guimarães.


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