Notícia
Folha de assentos
António Costa passou no exame orçamental, ganhou confiança, exibiu-se nas perguntas de 59 cidadãos simpáticos, mas ainda não deixou a Caixa em paz. O tempo parece contrastar com o "mais belo e vencido dos poemas", a "Tabacaria" de Pessoa. Talvez não. Fidel partiu.
bodas. Este domingo, atenção a Viena e a Roma. Na Áustria decide-se a terceira volta (!) das presidenciais. Está na calha um homem de extrema-direita, Norbert Hofer, oriundo de um campo de nostalgia nazi, que tem olhado para Merkel como "criminosa". A culpa é da sua política migratória… Em Roma, o primeiro-ministro, Matteo Renzi, convocou um referendo constitucional, que se transformou num referendo à sua continuidade no governo. Pelo andar da campanha, os beneficiários da iniciativa poderão ser o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo e a Liga do Norte. Populistas e extrema-direita no encalço do poder numa das principais economias da zona euro seria motivo bastante para umas "bodas do caos", como escreveu o La Repubblica. Tudo conjugado, imagine-se uma Europa subjugada a extremistas e populistas. Será que a onda de Trump contagia a Europa?
turbilhão. A passagem de António Domingues pela administração da Caixa Geral de Depósitos foi um episódio estranho e incompreensível. Ainda mais quando se diz vítima do "turbilhão mediático". A mim só me suscita perguntas. Se o acordo a que chegou com o Governo foi negociado com a intervenção dos seus advogados, de que se queixa? Da incompetência deles e/ou dos legisladores que isentaram os administradores da Caixa do Estatuto do Gestor Público, mas não das declarações de rendimentos? Quando o Presidente da República lhe lançou um repto público para entregar a declaração no Tribunal Constitucional, de que ficou à espera? Havia mesmo outra solução que não apresentar a declaração de imediato ou a demissão? Ficou à espera de quê? De ser repetidamente invectivado? De um parecer "salvador"? Nunca lhe passou pela cabeça que a boa parte dos portugueses apenas ocorre uma pergunta: que tem o presidente da Caixa a esconder? Demasiadas perguntas para tanta falta de explicações quando, finalmente, Domingues acaba por se demitir no mesmo momento em que apresentou a sua declaração de rendimentos ao Tribunal. Pior, ou melhor, continuo a pensar que António Domingues é um homem sério e competente.
reforço. A aprovação do Orçamento do Estado foi para o primeiro-ministro "um momento de reforçada confiança". Foi mesmo um passeio. Quando entrou no Parlamento, já estava aprovado em Lisboa e Bruxelas. Nem precisou de entrar na despesa parlamentar. Negociou o que havia a negociar com os seus parceiros e deixou evidente que não há - como diria Marcelo - "centrismos artificiais" viáveis tão cedo. Há uma diferença abissal entre o primeiro e o segundo orçamentos socialistas. E ela tem que ver com confiança. Costa goza hoje de maior confiança. O arco da governação mudou. E isso é nítido. Passos Coelho atesta-o. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, cada um por si, ainda não sabem muito bem que fazer com a confiança de António Costa.
hasta. O comandante da revolução cubana tinha um remate permanente para os seus discursos: "Hasta la victoria. Siempre!" Mesmo no anúncio da sua morte, foi pronunciada pelo irmão. Fidel Castro não foi apenas um símbolo do sonho revolucionário, da rebelião universal, foi mesmo um revolucionário. Mudou a história de Cuba e da América Latina. Prosseguiu ideais de justiça, mas não fundou liberdades nem democracia. Libertou os cubanos do casino em que os americanos transformaram a ilha, mas deixou-os prisioneiros durante décadas de um modelo fechado e autoritário. Fez progredir o seu povo, reconheça-se, mas amputou-lhe o futuro. O Internacionalismo levou os militares cubanos a muitas paragens. Não esqueçamos Angola, onde participaram activamente na guerra civil e ajudaram à vitória do MPLA. Raras foram as frentes conquistadas, ficou a inspiração e a lenda. A memória de Fidel ultrapassa os seus actos. Fica nos gestos, nas palavras, na voz arrebatadora. Fará parte dos fluxos e refluxos do século XX, das personagens excessivas que moldaram o tempo. Que o "hasta la victoria" seja agora um "até a uma sociedade aberta". Sem bloqueios internos e externos.
exame. Havia umas provas de avaliação a que o professor sujeitava governos inteiros e tudo o que mexia. Dava notas e chamava ao seu exercício de análise política Exame, isso mesmo. Era um exame nos media. Catapultado para Belém, aqui e ali aflora um exame público sumário, aqui e ali reminiscência do velho hábito. Veio António Costa para o Governo da Nação e resolveu submeter-se, a si e aos seus ministros, a um exame anual das suas políticas. Nada mais óbvio e democrático. Para isso mesmo existe a Assembleia da República. Mas não. A ideia foi desafiar 59 cidadãos eleitores, pressupostos representantes da sociedade portuguesa, a fazer uma pergunta ao primeiro-ministro. Governantes respondem directamente aos governados. Sem mediação. Pura ilusão democrática. Generalidades, vácuo, nenhum contraditório, um chefe de governo transformado numa espécie de "compère", um acto falhado como o que vimos no último sábado a assinalar um ano de governação. Desde Reagan que todos tentam o mesmo. Falar por cima da comunicação social, discursar directamente aos eleitores. Nem os directos abundantes de tanta telecerimónia lhes bastam. Agora produzem sinais para as televisões emitirem. Os jornalistas só atrapalham… Ou atrapalham pouco. Se a ideia é o espectáculo, uma sugestão: convidem o professor Marcelo a um exame público ao elenco.
tabacaria. Manuel S. Fonseca é o culpado de algumas das mais belas edições portuguesas. Há 10 anos que Pessoa tem sido corpo e alma para poesia de papel e tinta, de cartão e tipografia, de madeira e impressão. São vários os livros cosidos e cozinhados com artes tais que têm sabido elevar os sentidos de um Pessoa infinitamente múltiplo. O exercício mais recente da Guerra e Paz Editores traz-nos uma meia-caixa em madeira que acondiciona um livro com o poema "Tabacaria", que Fernando Pessoa fez escrever a Álvaro de Campos (como diz Fonseca), e que é publicado em cinco línguas, acompanhado por outros textos pessoanos e por 25 fotografias de Pedro Norton. "Tabacaria", diz o editor, "é o mais belo e vencido dos poemas". Outros chamaram-lhe "epopeia do fracasso absoluto". Começa assim: "Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
turbilhão. A passagem de António Domingues pela administração da Caixa Geral de Depósitos foi um episódio estranho e incompreensível. Ainda mais quando se diz vítima do "turbilhão mediático". A mim só me suscita perguntas. Se o acordo a que chegou com o Governo foi negociado com a intervenção dos seus advogados, de que se queixa? Da incompetência deles e/ou dos legisladores que isentaram os administradores da Caixa do Estatuto do Gestor Público, mas não das declarações de rendimentos? Quando o Presidente da República lhe lançou um repto público para entregar a declaração no Tribunal Constitucional, de que ficou à espera? Havia mesmo outra solução que não apresentar a declaração de imediato ou a demissão? Ficou à espera de quê? De ser repetidamente invectivado? De um parecer "salvador"? Nunca lhe passou pela cabeça que a boa parte dos portugueses apenas ocorre uma pergunta: que tem o presidente da Caixa a esconder? Demasiadas perguntas para tanta falta de explicações quando, finalmente, Domingues acaba por se demitir no mesmo momento em que apresentou a sua declaração de rendimentos ao Tribunal. Pior, ou melhor, continuo a pensar que António Domingues é um homem sério e competente.
hasta. O comandante da revolução cubana tinha um remate permanente para os seus discursos: "Hasta la victoria. Siempre!" Mesmo no anúncio da sua morte, foi pronunciada pelo irmão. Fidel Castro não foi apenas um símbolo do sonho revolucionário, da rebelião universal, foi mesmo um revolucionário. Mudou a história de Cuba e da América Latina. Prosseguiu ideais de justiça, mas não fundou liberdades nem democracia. Libertou os cubanos do casino em que os americanos transformaram a ilha, mas deixou-os prisioneiros durante décadas de um modelo fechado e autoritário. Fez progredir o seu povo, reconheça-se, mas amputou-lhe o futuro. O Internacionalismo levou os militares cubanos a muitas paragens. Não esqueçamos Angola, onde participaram activamente na guerra civil e ajudaram à vitória do MPLA. Raras foram as frentes conquistadas, ficou a inspiração e a lenda. A memória de Fidel ultrapassa os seus actos. Fica nos gestos, nas palavras, na voz arrebatadora. Fará parte dos fluxos e refluxos do século XX, das personagens excessivas que moldaram o tempo. Que o "hasta la victoria" seja agora um "até a uma sociedade aberta". Sem bloqueios internos e externos.
exame. Havia umas provas de avaliação a que o professor sujeitava governos inteiros e tudo o que mexia. Dava notas e chamava ao seu exercício de análise política Exame, isso mesmo. Era um exame nos media. Catapultado para Belém, aqui e ali aflora um exame público sumário, aqui e ali reminiscência do velho hábito. Veio António Costa para o Governo da Nação e resolveu submeter-se, a si e aos seus ministros, a um exame anual das suas políticas. Nada mais óbvio e democrático. Para isso mesmo existe a Assembleia da República. Mas não. A ideia foi desafiar 59 cidadãos eleitores, pressupostos representantes da sociedade portuguesa, a fazer uma pergunta ao primeiro-ministro. Governantes respondem directamente aos governados. Sem mediação. Pura ilusão democrática. Generalidades, vácuo, nenhum contraditório, um chefe de governo transformado numa espécie de "compère", um acto falhado como o que vimos no último sábado a assinalar um ano de governação. Desde Reagan que todos tentam o mesmo. Falar por cima da comunicação social, discursar directamente aos eleitores. Nem os directos abundantes de tanta telecerimónia lhes bastam. Agora produzem sinais para as televisões emitirem. Os jornalistas só atrapalham… Ou atrapalham pouco. Se a ideia é o espectáculo, uma sugestão: convidem o professor Marcelo a um exame público ao elenco.
tabacaria. Manuel S. Fonseca é o culpado de algumas das mais belas edições portuguesas. Há 10 anos que Pessoa tem sido corpo e alma para poesia de papel e tinta, de cartão e tipografia, de madeira e impressão. São vários os livros cosidos e cozinhados com artes tais que têm sabido elevar os sentidos de um Pessoa infinitamente múltiplo. O exercício mais recente da Guerra e Paz Editores traz-nos uma meia-caixa em madeira que acondiciona um livro com o poema "Tabacaria", que Fernando Pessoa fez escrever a Álvaro de Campos (como diz Fonseca), e que é publicado em cinco línguas, acompanhado por outros textos pessoanos e por 25 fotografias de Pedro Norton. "Tabacaria", diz o editor, "é o mais belo e vencido dos poemas". Outros chamaram-lhe "epopeia do fracasso absoluto". Começa assim: "Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."