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As novas casas terão de ter “mais espaço, zona exterior e maior generosidade nas partes comuns”, antecipa o arquiteto Gonçalo Byrne, que não tem dúvidas da necessidade de transformação da tipologia da habitação no futuro. Até porque a gestão do confinamento em Portugal a que a covid-19 obrigou revelou o problema da falta de casas a preço acessível, considerando, por isso, que a sustentabilidade neste setor passa por dar prioridade à promoção e construção da habitação a custo controlado. É que, frisa, a sustentabilidade tem no mínimo três dimensões: ambiental, social e económica.
Para a construção de casas sustentáveis, Gonçalo Byrne garante que o papel da arquitetura é fundamental. E a três níveis. “O primeiro tem a ver com a definição da forma dos edifícios, do espaço interior, da exposição solar, da orientação das janelas”, explicou, sublinhando que esta formatação dos edifícios “é o primeiro passo da construção e é arquitetura pura”. O segundo degrau da construção sustentável, aponta, está na qualidade dos materiais, como isolamentos térmicos. Já o terceiro nível é o da alta tecnologia, desde os sistemas de ar condicionado e aquecimento, até à domótica e à gestão inteligente. Um nível que, frisa, continua a ter necessidade da coordenação da arquitetura. Por isso, diz Gonçalo Byrne, gerir o processo de criação de edifícios sustentáveis sem a arquitetura “é dar um tiro no pé”.
Também ao nível dos materiais, o arquiteto defende mudanças de mentalidade já que “há uma pegada ecológica da construção”, que contribui em cerca de 40% para a libertação de CO2, até porque usa materiais, como aço ou cimento, que têm uma preparação prévia que já acarreta emissões. Ou seja, “quando um edifício começa a ser construído já pode haver uma carga de CO2 muito grande”.
Mais do que inovação nesta área, Gonçalo Byrne avisa que é “uma questão de escolha”, salientando que em muitos casos “em vez de betão, que não é renovável, é possível usar madeira, que é reciclável”. No entanto, “em Portugal não existe essa tradição”, reconhece, ao contrário do que acontece nos países nórdicos ou nos EUA. “Hoje a tecnologia de madeira permite até fazer torres”, mas “há um problema de custo”, refere.
Edifícios públicos devem ser o exemplo
Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), garante que é possível que a totalidade dos materiais utilizados nesta indústria sejam reutilizáveis. “A circularidade dos recursos é um objetivo que, tecnicamente, está ao nosso alcance, com as medidas certas, tanto ao nível das políticas de promoção da inovação, da investigação e desenvolvimento e da formação profissional, como da capacitação das empresas”, salienta.
Em seu entender, os edifícios públicos devem ser o exemplo e “todos os novos investimentos devem seguir um conjunto de ‘guidelines’ em prol da eficiência e sustentabilidade”. Mas o Estado pode também encorajar o investimento do setor privado, “através de incentivos e estímulos”. De acordo com o presidente da CPCI, alguns países da Europa estimulam o recurso a sistemas construtivos que respeitam estes princípios com incentivos fiscais (IMI e IVA), mas também com a atribuição de uma capacidade construtiva de mais 30% em relação ao edifício tradicional, calculado em função da redução da pegada de carbono. As boas práticas neste domínio, diz, são já um requisito exigido pelos donos de obra, o que demonstra que, cada vez mais, “é o próprio mercado que está a impor novas exigências”. “Há uma maior consciência de empresas e particulares”, garante.
Reduzir emissões e poupar tempo e dinheiro
Reis Campos destaca ainda a utilização de sistemas construtivos mais sustentáveis que permitem construir edifícios – escritórios, comerciais, estabelecimentos de ensino, hotéis e residenciais – como o recurso ao pré-fabrico padronizado de componentes individuais. “Estes podem ser rapidamente montados no local da obra, reduzindo as emissões de carbono, o ruído e as poeiras e permitindo economizar tempo, recursos e dinheiro”, adianta.
Para isso, a confederação defende a criação de programas de financiamento para a requalificação de algumas tipologias de edifícios, como hotéis, com incorporação de tecnologia “touch-free”, com novos sistemas de climatização mais higienizados, com a requalificação de edifícios, nomeadamente na área da eficiência energética.
Para o presidente da CPCI, é necessário um maior investimento no desenvolvimento de novos processos, sistemas construtivos e materiais. Além da melhoria da sustentabilidade das construções, considera que deve ser previsto um plano de financiamento para a transformação da indústria da construção, assente no investimento em equipamentos.
“A reabilitação urbana, a construção 4.0., as cidades inteligentes, os desafios da sustentabilidade e a eficiência energética, a que se adicionam novos desafios como o ‘touch-free’, as condições de saúde e segurança dos edifícios, ou a adaptação a novos contextos de trabalho são questões críticas que foram tornadas ainda mais relevantes no atual contexto pandémico”, diz.
Ainda que reconhecendo que os desafios são muitos, Reis Campos não tem dúvidas de que o setor da construção “lidera em muitos domínios, como a eficiência energética do edificado, a transição para fontes de energia limpas ou as redes inteligentes”. Mas chegar aos denominados “edifícios de balanço energético nulo”, avisa, não depende apenas do setor e têm de ser assumidos à escala nacional e europeia. As metas para 2030, afirma, são ambiciosas, mas “há condições para que nesse ano Portugal e a Europa possam estar noutro patamar”.