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Como o retalho combate o desperdício alimentar

São desperdiçados mais de 931 milhões de toneladas de alimentos todos os anos. Descontos em produtos a aproximarem-se do fim da validade, doações a instituições de solidariedade social, adesão a plataformas como a Too Good To Go ou Phenix são iniciativas que as marcas levam a cabo para evitar deitar comida para o lixo. Mas ainda há muito a fazer.

18 de Janeiro de 2023 às 14:30
Retalhistas têm vindo a adotar estratégias para reduzir o desperdício alimentar, em particular nos frescos. Tecnologia e inteligência artificial podem dar uma ajuda. João Cortesão
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Por ano, são desperdiçados cerca de 930 milhões de toneladas de alimentos. Um desperdício alimentar que é originado pelos agregados familiares, mas também pelos estabelecimentos de retalho e pela indústria de serviços alimentares.

Um problema que implica mais do que "apenas" deitar alimentos para o lixo. Há que contar igualmente com tudo o que implica a sua produção, distribuição, comercialização e confeção. Não é por acaso que a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Índice de Desperdício Alimentar do PNUA, Inger Andersen, lembra que "se a perda de alimentos e o desperdício alimentar fossem um país, este seria a terceira maior fonte de emissões de gases com efeito de estufa".

A par da sobrecarga dos sistemas de gestão de resíduos, o desperdício alimentar tem ainda consequências na segurança alimentar, na medida em que aumenta a insegurança. Razão pela qual Inger Andersen considera que contribui para as três crises planetárias: a mudança climática, a perda da natureza e da biodiversidade e a poluição e resíduos.

E é um problema que tem de ser "atacado" em todas as frentes. No caso do retalho, por exemplo, é certo que cada vez mais se veem nos supermercados produtos com um preço especial porque o seu prazo de validade se aproxima do fim. Por outro lado, também há um número crescente de negócios que está presente em plataformas, como a To Good To Go ou a Phenix , que permitem que os consumidores adquiram um cabaz de compras (com produtos em fim de validade) a um preço mais acessível. Será isto suficiente? Haverá alguma forma de diminuir o peso do desperdício alimentar?

Hoje, todas (ou quase todas) as marcas implementam medidas para diminuir o desperdício alimentar. Mesmo assim, e por muito cuidado que se tenha, é impossível evitar os números existentes. Então e que tal pôr a tecnologia a trabalhar para diminuir esses valores? Usar a inteligência artificial e o big data? Esta é a proposta da WhyWaste, uma startup brasileira com provas dadas no Brasil - num dos casos conseguiu reduzir o desperdício em 75% - que está agora a entrar em Portugal. Ricardo Salazar, country general manager da WhyWaste, explica que o objetivo da empresa é ajudar o retalho a monitorizar os produtos cujo prazo de validade se aproxima do fim e usar a inteligência artificial para apontar quais as ações que devem ser executadas nos produtos que o sistema identificou como tendo risco de vencimento.

Como funciona? Dentro do sortido de uma loja o sistema identifica o produto cujo prazo de validade se aproxima do fim. Depois, a inteligência artificial é usada para definir qual o preço que esse mesmo produto deve ter "para convencer o consumidor a comprar um item cujo prazo de validade termina em sete dias" e não outro com um prazo muito superior. "Usamos a inteligência artificial para identificar qual o preço que, por um lado, vai levar à compra, sem prejudicar a margem do retalhista, que já é muito reduzida", explica Ricardo Salazar.

O sistema não precisa de ser muito sofisticado, esclarece o country general manager da WhyWaste, frisando que esta medida pode ajudar desde o pequeno retalhista - que tem apenas duas ou três lojas - a grandes cadeias com mais de 1.000 lojas. A única coisa essencial, acrescenta, é a fiabilidade do sistema de stock do cliente.

Apesar de já haver algumas conversações com parceiros interessados nesta tecnologia, Ricardo Salazar refere que ainda não têm nenhum cliente em Portugal. Mas a expectativa é de avançar nesse sentido ainda no primeiro semestre.

Quer isto dizer que o retalho nacional está "atrasado" nessa matéria? Não necessariamente. As várias marcas de retalho têm os seus sistemas, estando a utilizar as suas ferramentas. O Lidl, por exemplo, segundo o seu departamento de comunicação corporativa, utiliza um sistema de programação orientado para as encomendas, cadeias de fornecimento eficientes com rotas de transporte curtas, preservação contínua das cadeias de frio, controlos da frescura, controlo do inventário, promoções de desconto e sensibilização dos clientes para a redução do desperdício, por forma a combater o desperdício alimentar. A par disso, a rede alemã também confia no seu sistema de gestão de mercadorias FIFO (First In First Out), "uma boa prática aplicada em loja que define que as primeiras mercadorias a entrar são também as primeiras a sair, havendo assim uma eficiente gestão das datas de validade dos artigos, uma reposição específica em loja e consequentemente a redução do desperdício alimentar".

O Lidl destaca ainda o recurso ao Auto Dispo, "um novo sistema de encomendas automáticas, iniciado em 2020, que veio simplificar os processos e evitar ruturas ou excesso de stock, que consequentemente levavam ao desperdício de alimentos". "Anteriormente, as encomendas nas lojas eram realizadas manualmente, artigo a artigo, tornando o processo demorado e com maior possibilidade de erro", destacam.

O que estão a fazer os retalhistas nacionais?

Uma das formas que o Aldi encontrou para evitar o desperdício alimentar passa por fornecimentos diários às lojas. Desta forma, explica Elke Muranyi, Corporate Responsibility Director da Aldi Portugal, é garantido "que os produtos estão sempre frescos e disponíveis em quantidades suficientes, e que menos alimentos serão desperdiçados". A par disso, a cadeia de supermercados aposta na venda a granel, onde os clientes podem "comprar exatamente as quantidades que necessitam, no que respeita à fruta e legumes, pão e pastelaria ou peixe e marisco congelado". Uma opção também seguida pelo Lidl que, além disso, tem ainda uma outra estratégia. Como explica o departamento de Comunicação Corporativa, a marca alemã alarga a data de validade de uma forma que considera ser simples, pondo uma data de validade que apelida de DLL (Data Limite Lidl) "e que antecede a data de validade na embalagem". Face a isto, o Lidl vende os produtos até à data DLL, "por forma a que os clientes levem sempre os produtos com uma margem suficiente de tempo, para o consumo, até à data de validade".

Sempre que um produto atinge a data DLL passa a ser vendido com 30% de desconto. Há ainda os artigos "Bom Demais para Deixar para Trás": são produtos que já se encontram no último dia de validade e nos quais o Lidl reduz o preço em 50%. No caso da padaria e pastelaria, os produtos são vendidos no dia seguinte ao fabrico com 50% desconto. O projeto foi lançado em abril do ano passado e, segundo a empresa, em apenas um ano evitou que cerca de 3 milhões de produtos fossem desperdiçados. Do total destes produtos que estavam bons demais para serem deixados para trás, 35% eram unidades de padaria, 23% frescos, 34% carnes e 8% unidades de peixe.

Já fonte oficial do Pingo Doce realça que a cadeia foi o primeiro retalhista alimentar em Portugal a calcular, verificar de forma independente e divulgar publicamente a sua pegada de desperdício alimentar. A rede de supermercados afirma mesmo que, só em 2021, evitou o desperdício de mais de 14.400 toneladas de alimentos. Para se ter um termo de comparação convém saber que em 2019 o valor foi de 10.700 toneladas e, em 2020, foram cerca de 11.700 toneladas. Ou seja, há uma maior consciência, quer do consumidor como do retalho e, de ano para ano, os valores do desperdício alimentar diminuem. Adicionalmente, acrescenta a empresa, o Pingo Doce foi a primeira cadeia de retalho alimentar a receber o selo "Produção Sustentável Consumo Responsável" da Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA) - distinção atribuída em 2022 e que surgiu como reconhecimento das boas práticas que temos em vigor para reduzir o desperdício alimentar.

Doações e instituições de solidariedade social

Um outro ponto em que o retalho está a apostar passa pela doação de produtos em fim de vida, nomeadamente a instituições de solidariedade social. No ano passado, o Pingo Doce doou géneros alimentares equivalentes a mais de 6.000 toneladas A marca afirma apoiar, numa base regular, mais de 500 IPSS. Já o Aldi não divulga com quantas instituições trabalha, mas afirma que todas as lojas em Portugal contam com parcerias com instituições de solidariedade. "Os alimentos que já não podem ser comercializados, mas que ainda estão aptos para consumo, são doados a estas instituições", aponta Elke Muranyi, que acrescenta que a empresa quer ir além das suas lojas e operações pelo que, em janeiro de 2021, aderiu ao Movimento "Unidos contra o Desperdício", com o objetivo de contribuir para unir e sensibilizar os consumidores sobre a importância deste tema.

O Lidl, por seu lado, concentra tudo no projeto Realimenta, que é feito em parceria com centenas de entidades sociais locais ou de dimensão nacional. Segundo o departamento de comunicação corporativa, no ano passado a insígnia doou através deste projeto 3.200 toneladas de alimentos, que impactaram positivamente mais de 190.000 beneficiários em todo o país.

Comprar através das apps

Desde que apareceram, as aplicações Too Good To Go e Phenix têm tido um número crescente de utilizadores. No caso desta última, a sua entrada em Portugal, em 2016, teve como objetivo fazer a conversão de excedentes de grandes superfícies comerciais em doações para IPSS. Como explica a empresa, "agilizamos o processo operacional, legal e fiscal da doação, para que essas empresas consigam ter acesso aos benefícios fiscais existentes em Portugal".

A nível de inovação ,a Phenix revela ter desenvolvido o "Phenix Stick", que permite às empresas de retalho que aderem ao serviço de doações saber exatamente quando um produto está perto da data de expiração, notificando-as imediatamente. "Atualmente, contamos com mais de 350 lojas parceiras e uma cobertura de mais de 1.200 instituições a nível nacional", revela a empresa. O resultado? "Só em 2022, evitámos o desperdício de mais de 11 milhões de refeições, o equivalente à emissão de 13.210.043 kg de CO2 para a atmosfera", refere a Phenix, acrescentando que apesar de se ter verificado uma evolução positiva, também houve um crescimento associado à perda de poder de compra da comunidade.

No entanto, a aplicação considera que ainda há muito a fazer e que tudo "deve começar com um foco mais acentuado na legislação sobre a gestão do desperdício alimentar em Portugal, com a criação de benefícios para as empresas que reduzem e gerem as suas taxas de desperdício de forma eficiente". A par, acrescenta, de uma maior "consciência social para o problema em questão, com a adoção de pequenos hábitos no quotidiano, como a leitura correta dos rótulos dos alimentos e uma organização alimentar mais consciente nos agregados familiares".

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