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A pandemia fez as cidades passarem por uma experiência que nunca antes tinham vivido. De repente, pararam. Durante semanas as ruas ficaram vazias, as lojas fecharam e não houve carros a circular. O impacto na economia e no ambiente foi imediato.
Agora, aos poucos, retomamos as nossas vidas. Mas há coisas que não vão voltar ao “normal”. Uma delas é a forma como trabalhamos. Percebeu-se que o teletrabalho tem benefícios, por isso muitas empresas vão mantê-lo. Isso terá implicações no setor imobiliário, com os escritórios a precisarem de ocupar áreas menores e muitas pessoas a preferirem ir viver fora dos centros urbanos. Isso terá também impacto ao nível da mobilidade. E esta é uma das áreas-chave nas cidades.
Janette Sadik-Khan foi comissária do Departamento de Transportes de Nova Iorque entre 2007 a 2013. Num depoimento recente à revista norte-americana Foreign Policy afirmou que “podemos recuperar as cidades sem trazer de volta o tráfego, o congestionamento, a poluição e o 1,3 milhão de mortes no trânsito por ano” no mundo.
Na sua análise sugere que haja uma redefinição das ruas para movimentar as pessoas a pé, de bicicleta ou de transportes públicos. Muitas cidades da Europa já estão a seguir esta tendência, incluindo Lisboa, que criou o grupo de trabalho “A Rua é Sua”, composto por técnicos municipais das áreas da Mobilidade, Urbanismo, Comércio e Cultura, para agilizar intervenções no espaço público que facilitem a mobilidade pedonal.
Covid-19 ajudou ao salto tecnológico
O conceito de “smart city” (cidade inteligente) implica a utilização de tecnologia ou de inovação para melhorar a qualidade de vida das pessoas, favorecer a integração social e também para aumentar o valor económico gerado na comunidade e garantir a sustentabilidade. Antes da covid-19 já estavam a ser tomadas muitas medidas para tornar as cidades mais inteligentes que agora ganharam um maior impulso.
De facto, a pandemia permitiu dar um salto tecnológico, afirma Miguel Eira Antunes, responsável internacional pela área de negócio das “smart cities” na Deloitte. Não existe um ranking de “smart cities” em Portugal, “mas há bastantes bons exemplos”, sublinha.
O tema da tecnologia nas cidades é muito vasto. “Pode ser usada na mobilidade, na gestão do lixo e da iluminação pública, na experiência do visitante… são inúmeras as utilidades”, refere o consultor.
Para ele, a vila de Cascais é a que tem uma visão mais integrada de todos os domínios. Mas Lisboa, por exemplo, “está a fazer um trabalho excecional em tudo o que diz respeito à mobilidade”, a ponto de ser considerada uma referência internacional. Viseu, no interior do país, “tem tido a capacidade de atrair empresas de base tecnológica” e, apesar de ser uma cidade mais pequena, “tem vindo a desenvolver inúmeras tecnologias de suporte aos seus cidadãos”. Já o Porto está bastante envolvido em iniciativas internacionais, “numa política de abertura de tecnologias aos cidadãos para que haja interoperabilidade em áreas como, por exemplo, a mobilidade entre cidades”, sobretudo na Europa.
Em 2019 o centro de investigação NOVA Cidade – Urban Analytics Lab fez um radar de inteligência urbana para fazer um ponto de situação em Portugal. Dos 136 municípios inquiridos, 27,3% responderam que tinham uma estratégia “smart city”. “Quando falamos numa cidade inteligente referimo-nos a uma área urbana que tira partido da tecnologia para melhorar o planeamento dos recursos e das infraestruturas e a gestão dos serviços que presta ao cidadão”, diz Miguel de Castro Neto, coordenador da pós-graduação em “Smart Cities” da NOVA Information Management School (NOVA IMS).
“O foco é garantir que o que se está a fazer contribui para a melhoria da qualidade de vida e para reduzir o desperdício”, acrescenta. Antes da pandemia os municípios apostaram na tecnologia sobretudo numa perspetiva de ir ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. “Questões como a emergência climática, a descarbonização, a transição energética, a passagem da economia linear para a circular” eram o grande motor dos projetos, refere o académico.
Com a pandemia surgiu mais uma perspetiva para o uso da tecnologia – a resiliência –, que é a “capacidade de gerir impactos inesperados e emergências” e de “garantir a segurança de pessoas e bens nestes contextos urbanos”. Este é agora mais um dos “princípios a considerar quando se desenha uma estratégia de inteligência urbana”.
Hoje existe tecnologia que apoia uma visão da cidade como plataforma, diz o académico. São recolhidos dados de pessoas, equipamentos e sistemas que depois são integrados em plataformas de inteligência urbana. Isso ajuda a uma tomada de decisão baseada em factos. Por isso, defende Miguel Eira Antunes, partner da Deloitte, as autarquias que estavam mais maduras em termos tecnológicos foram mais eficazes na luta contra a pandemia.
O consultor afirma que há agora muitos projetos e soluções inovadoras que resultaram desta crise sanitária e que vão ser adotados para o futuro. O facto de este ser um problema global, que atingiu todos ao mesmo tempo, “gerou um consenso” e “houve uma aceleração muito grande na adoção de tecnologias”.
Agora que a economia está em recessão é importante também referir o benefício que a tecnologia traz em termos financeiros. Um estudo internacional realizado em 2019 intitulado “Building a hyperconnected city” (Construindo uma cidade hiperconectada), que abrangeu 100 municípios à escala global, concluiu que as “smart cities” tendem a aumentar o seu PIB em 2,8%.
O que é uma cidade inteligente?
Uma cidade inteligente é uma comunidade urbana que usa a tecnologia ou a inovação para aumentar a qualidade de vida das pessoas, promover a criação de valor económico e garantir a sustentabilidade dos recursos. Os municípios que apostaram nestas ferramentas verificaram nesta pandemia que eram mais resilientes a este tipo de fenómenos, diz Miguel Eira Antunes, responsável internacional pela área de negócio das “smart cities” na consultora Deloitte. O foco na sustentabilidade tem ganho cada vez mais relevância nos projetos urbanos. Até porque é nas cidades que se produzem 70% das emissões a nível global, o que significa que estas comunidades têm um papel importante no combate às alterações climáticas.
Coordenador da pós-graduação em Smart Cities da NOVA IMS
Responsável internacional pela área das “smart cities” na Deloitte