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Certificar o setor do turismo para não perder negócio

O turismo movimenta multidões. E, por causa isso, nomeadamente ao nível dos transportes, torna-se um dos setores menos sustentáveis. Mas o cenário está a mudar. Já há uma certificação reconhecida pelo GSTC, especializada em agências de viagens e operadores turísticos. Porquê operadores? Porque estes, ao priorizar fornecedores certificados, estão a obrigar o setor a adotar medidas sustentáveis.

26 de Outubro de 2022 às 13:00
Em 2021, vieram a Portugal 9,6 milhões de turistas estrangeiros.
Será a certificação Travelife suficiente para alterar todo o setor? As opiniões sobre esta possibilidade divergem. Mariline Alves
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Portugal quer ser conhecido pelo seu turismo sustentável. Uma afirmação por diversas vezes proferida por Rita Marques, a secretária de Estado do Turismo, que, inclusive, tem afirmado que o nosso país é um dos poucos a ter um plano de sustentabilidade para o turismo.

É importante haver uma estratégia nacional. Mas a verdade é que tem sido o setor privado - muito impulsionado por uma procura externa - que tem tomado a dianteira no que concerne à adoção de medidas de sustentabilidade. No caso específico do turismo, a nível internacional, tudo começou em 2007, quando foi fundado o sistema Travelife. Uma iniciativa dedicada à promoção de práticas sustentáveis na indústria turística, que abarca operadores turísticos, hotéis, e agências de viagens. Um projeto que junta formação, gestão e certificação.

Tudo começa nas operadoras turísticas, que, pelo seu poder na indústria, conseguem influenciar a procura, políticas de aquisição, e o desenvolvimento de destinos. E nos últimos tempos a prioridade são entidades que mostram ter, efetivamente, políticas - preferencialmente acompanhadas de certificações - de sustentabilidade. À medida que os contratos são feitos consoante a existência (ou não) de uma certificação... isso acaba por alterar a forma como todo o setor do turismo funciona. Pelo menos essa é a teoria (e como tudo tem funcionado no estrangeiro). Em Portugal, a Travelife ainda é relativamente recente. E, como afirma Pedro Costa Ferreira, presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), o que se pretende é que "o setor progrida no desenvolvimento de práticas sustentáveis, essenciais tanto do ponto de vista do planeta e das próximas gerações, como do ponto de vista do próprio negócio, uma vez que todos sabemos que a procura, cada vez mais, exige práticas empresariais sustentáveis".

Apesar de o representante da APAVT reconhecer que há muitos países mais avançados do que Portugal - sobretudo os países nórdicos -, acrescenta que "no projeto SUSTOUR, que foi apresentado à Comissão Europeia através de um consórcio que a APAVT integra com outras suas congéneres, para financiamento de agências de viagens e operadores turísticos de pequena e média dimensão que queiram a certificação Travelife, Portugal foi o país com o melhor resultado, o que demonstra bem a preocupação das agências de viagens portuguesas".

As preocupações com a sustentabilidade são um fator decisivo para as escolhas dos consumidores. E o setor do turismo não escapa a esta tendência. Acácio Pires, Ambientalista da Zero
Mas será a certificação Travelife suficiente para alterar todo o setor. Se os responsáveis acreditam que sim, que a pouco e pouco as várias entidades vão ter de aderir a este tipo de medidas sob o risco de perder negócio, já Acácio Pires, da Zero, afirma que a existência de sistemas de certificação internacionais como o Travelife têm o mérito de contribuir para a monitorização do impacto ambiental que os diferentes atores do setor do turismo produzem. "As preocupações com a sustentabilidade são, crescentemente, um fator decisivo para as escolhas de muitos consumidores em todos os setores e o setor do turismo não escapa a esta tendência", acrescenta.

No entanto, o ambientalista tem algumas reticências sobre o resultado eficaz da sua implementação. Acácio Pires considera que a Travelife pode ajudar se as normas e os critérios que forem utilizados estiverem alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável preconizados pelas Nações Unidas. E a explicação é simples. "Quanto mais elevado for o nível de exigência dos processos de certificação, maior será a tendência para qualificar a oferta turística reduzindo a pressão sobre os sistemas naturais e sociais que hoje o turismo exerce um pouco por todo o mundo".

O ambientalista da Zero realça um outro ponto importante: o de muitas vezes se optar por sistemas de compensação em detrimento de medidas efetivas (e eficazes) de reestruturação do negócio. "É importante dizer que muitos destes sistemas de certificação apostam em medidas de compensação que levantam muitas dúvidas sobre a sua real eficácia. Neste como noutros setores, mais vale prevenir do que remediar", afirma.

O que é sustentabilidade no turismo

Se nalguns negócios pode ser relativamente fácil perceber quais os pontos que têm de ser trabalhados para que possa ser considerado como sustentável, quando falamos de turismo a questão torna-se complexa. Por um lado, há todo o sistema de transportes. Perceber qual o meio mais amigo do ambiente. Se o avião, o comboio, o carro... saber o que as companhias de transporte estão a fazer e se estão a caminhar para, também elas, obter as devidas certificações. Por outro lado, há os hotéis (aqui é mais fácil) e depois todas as atividades de animação turística.

Sobre isto Acácio Pires lembra que cerca de 50% das emissões associadas ao setor do turismo têm origem no tipo de transporte escolhido para as deslocações realizadas. Para o ambientalista este "é talvez o ponto em que devemos agir mais fortemente para reduzir o impacto ambiental do turismo", afirma, acrescentando que do ponto de vista da sustentabilidade social do setor será necessário ter atenção ao impacto que o setor do turismo tem nos preços da habitação e no esvaziamento do centro das cidades que por sua vez gera a necessidade de maiores deslocações daqueles que vivem nas cidades sob pressão turística.

O ponto é que a Travelife procura atuar nas várias vertentes do setor. Como refere Naut Kusters da Travelife, sempre que há desenvolvimentos são incorporados novos requisitos na certificação. Porque o que se pretende é mesmo isso: conseguir, a pouco e pouco, transformar o setor, por forma que este se torne mais sustentável.

Mas e em relação aos benefícios para as agências de viagens? Sobre isso, Pedro Costa Ferreira lembra que, por um lado, há toda uma questão de mercado, como já foi mencionado. "As agências do setor de ‘incoming’ já sentem que, para continuar a trabalhar com os mercados emissores do Norte e centro da Europa, precisam de se certificar. O mesmo acontece com as agências especializadas em corporate, dado que as empresas, mormente as multinacionais, começam a exigir o mesmo. As agências de ‘outgoing’ estão ainda mais longe desta necessidade, mas a tendência já se instalou e é uma questão de tempo", aponta. A isto há ainda que acrescentar que "as poupanças que se geram no processo, bem como o acesso a crédito, a fundos e a linhas de apoio, tão necessárias nos dias que correm, estarão cada vez mais dependentes de práticas de sustentabilidade reconhecidas".

A grande diferença reside no facto de ser a única certificação de sustentabilidade, reconhecida pelo GSTC, especializada em agências de viagens e operadores turísticos, afirma Naut Kusters. O presidente da APAVT reforça a afirmação acrescentando que "há também a ‘Travelife Accommodation’, exclusivamente vocacionada para o alojamento turístico. Outros setores do turismo estão, ao que sabemos, à procura das melhores soluções, mas de uma forma geral nota-se uma crescente sensibilidade para esta necessidade, ainda que estejamos a partir de uma base muito próxima do zero".

Estando Portugal a dar os primeiros passos no mundo da sustentabilidade (no que se concerne à certificação é normal que esta ainda não tenha muito peso no chamado "outgoing". Já no "incoming", como frisa o presidente da APAVT, é notório, principalmente do ponto de vista do corporate.

O certo é que são precisamente os mercados externos, diga-se a sua pressão, que está a levar a uma aceleração do processo. A Compasso é uma das agências que já iniciaram o processo de certificação. Questionada sobre o que os levou a tomar essa decisão, Paula Antunes, managing director na Compasso, refere que, para além de ser uma responsabilidade, enquanto cidadã e empresária, é também "uma oportunidade de receber a formação adequada para conseguir melhorar e aumentar as boas práticas, no decorrer da nossa atividade, a qual é possível graças ao protocolo estabelecido pela APAVT para todas as agências suas associadas". Sem esquecer "a exigência dos próprios clientes, sobretudo dos mercados nórdicos com quem trabalhamos há 25 anos e que sempre foram mais sensíveis a esta necessidade". Catarina Cymbron, managing director, na Melotravel, tem uma experiência ligeiramente diferente. Localizada nos Açores a agência tem, há já algum tempo, um maior contacto com o tema - basta lembrar que os Açores há vários anos que são considerados um destino sustentável e que o próprio arquipélago tem o seu programa de certificação. Por isso não é de admirar que considere que "falar de sustentabilidade e conseguir certificar a minha empresa foi sempre um objetivo muito presente. Havendo a oportunidade de nos certificarmos pela Travelife, não poderia estar mais entusiasmada e contente".

Quanto aos benefícios desta, Catarina Cymbron considera que estes são tanto internos como externos à organização, ter a equipa toda alinhada, com o objetivo comum de que se pode trabalhar numa área como o turismo e ter uma responsabilidade para com o nosso meio envolvente. "A certificação obriga-nos a pensar em estratégias que estejam alinhadas com as ODS", conclui. A isto Paula Antunes acrescenta o potenciar oportunidades de negócio, junto de clientes, também eles certificados e que procuram parcerias ao mesmo nível. Além de eventuais apoios para financiamento da empresa e/ou novos projetos, os quais serão num futuro próximo, direcionados a quem tenha esta certificação.

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