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Inteligência artificial: bênção ou maldição?

Seja na eficiência operacional, na análise de dados ou no incremento da produtividade, a inteligência artificial pode ser a chave para as empresas vencerem nas duas revoluções em curso, a verde e a digital. Mas também traz vários riscos e uma pegada carbónica acoplada.

22 de Março de 2023 às 14:00
Recorrer a tecnologias de inteligência artificial pode conduzir a uma melhoria de processos, mas há riscos.
Recorrer a tecnologias de inteligência artificial pode conduzir a uma melhoria de processos, mas há riscos. D.R.
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Muito se tem falado do ChatGPT, o modelo de linguagem de inteligência artificial generativa que explodiu no final do ano passado por conseguir simular a linguagem humana de forma natural e credível, com potencial para revolucionar não só as pesquisas, como de prestar diversos serviços inovadores. Ainda assim, o entusiasmo tem vindo a dar lugar à desconfiança dadas as falhas grosseiras que por vezes comete no rigor de respostas, com resultados incorretos ou mesmo disparatados. Afinal, o sistema não é assim tão confiável.

Mas o ChatGPT é só a face mais recente e mediática das capacidades da inteligência artificial, um campo da ciência da computação que se concentra no desenvolvimento de sistemas e algoritmos que podem realizar tarefas que normalmente exigem inteligência humana. E isto traz inúmeras vantagens, mas também ameaças.

A inteligência artificial não é recente, como explica Inês Lynce, presidente do INESC-ID, ao Negócios. Tem origem na década de 1950 e tem tido "muito invernos", ou seja, épocas em que o entusiasmo pelas suas potencialidades cai por terra. Porém, na última década, "a quantidade de dados disponível aumentou brutalmente e muitas soluções criadas, inclusive há décadas, viram finalmente oportunidade para funcionarem". Entrámos assim numa nova fase.

Se os produtos forem concebidos na sua génese tendo uma forte integração com inteligência artificial podem conduzir a mudanças revolucionárias com ganhos enormes para as empresas. Pedro Gaspar
Ass.Prom. e Desenvolvimento da Sociedade da Informação
Um sistema de inteligência artificial pode ser útil em múltiplas áreas de uma empresa, dependendo das necessidades e dos objetivos de negócio. Traz vantagens quando é preciso analisar grandes volumes de dados e onde a automação de processos é possível. "Se os processos ou produtos forem idealizados e concebidos na sua génese tendo uma forte integração com inteligência artificial podem conduzir a mudanças revolucionárias com ganhos enormes para as empresas", refere Pedro Gaspar, coordenador de desenvolvimento sustentável da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI). Porém, sublinha que "introduzir o seu uso em contexto empresarial apenas porque todos o fazem nunca será uma boa estratégia". "Importa sim identificar a melhor forma de utilizar inteligência artificial para alavancar os pontos fortes que já existem." Até porque "há desafios a superar, começando desde logo pelo treino destes sistemas, que usam dados de forma massiva e que deverão ser o mais adequados possível em quantidade e diversidade no contexto de aplicação, por forma a minimizar qualquer possível enviesamento algorítmico", sublinha o responsável da APDSI.

Ao darmos espaço ao desenvolvimento de conhecimento baseado na informação e análise dos dados, a imaginação humana poderá criar novas formas de comunicação. Fernando Batista
Presidente da Digital Marketers
Uma das áreas onde a inteligência artificial pode ter grande utilidade, por exemplo recorrendo a "bots" semelhantes ao ChatGPT, será no marketing. "Ao darmos espaço para o desenvolvimento de conhecimento baseado na informação captada e análise dos dados das interações, a imaginação humana poderá otimizar os processos de interação, bem como criar novas formas de comunicação e ofertas comerciais de acordo com a individualidade de cada consumidor", afirma Fernando Batista, presidente da Digital Marketers - Associação de Marketing Digital.

Há exemplos de aplicações para todas as áreas, seja no setor da agricultura, para prever e fazer melhores colheitas, seja na medicina, para encontrar padrões de sintomas, seja na deteção de fraudes financeiras, ao analisar padrões de transferências.

Recorrer a tecnologias de inteligência artificial pode, desta forma, conduzir a uma melhoria de processos, redução de custos e canalizar colaboradores para tarefas mais complexas, aumentando assim a produtividade.

Algoritmos verdes

E na área da sustentabilidade? A inteligência artificial pode ajudar as empresas a tomar decisões mais informadas e a identificar oportunidades para melhorar a sustentabilidade em toda a cadeia de valor.

A análise de dados pode, por exemplo, identificar oportunidades de reciclagem ou otimizar a logística de transporte. Ao otimizar o uso de recursos, como energia, água e materiais, ajuda a reduzir o desperdício e a diminuir a pegada ecológica. Também pode ser usada para monitorizar e recolher dados sobre o meio ambiente, incluindo a qualidade do ar, da água e as condições climáticas, levando as empresas a tomar decisões mais informadas sobre como gerir os impactos ambientais e reduzir o risco de violações regulatórias. "A inteligência artificial pode auxiliar as empresas a aprimorar a eficiência das suas operações. Isso vai conduzir a uma redução no consumo de recursos e emissões de gases de efeito estufa", diz Pedro Gaspar.

Um estudo recente da União Internacional das Telecomunicações (UIT) apontou que a inteligência artificial pode beneficiar 79% das metas que integram os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Tal significa que a inteligência artificial pode contribuir para 134 das 169 metas que deverão ser cumpridas até 2030, sobretudo na área ambiental, como a medição da poluição nas cidades.

Mas também pode, por outro lado, inibir 35% das mesmas (59 metas), entre as quais aumentar o fosso das desigualdades sociais. E como a tecnologia não é isenta de impacto, a UIT refere que a utilização atual de eletricidade pelo setor das tecnologias de informação e comunicação é de 1% da utilização total, um valor que se prevê que aumente para 20%, até 2030.

A UIT destaca também que o rápido desenvolvimento da inteligência artificial precisa de ser apoiado na área regulamentar e de supervisão para permitir um desenvolvimento sustentável. Não o fazer poderia resultar em lacunas na transparência, segurança e normas éticas.

Emissões, segurança e outras ameaças

A inteligência artificial traz acoplada uma série de riscos e ameaças, nomeadamente ao nível da segurança, do enviesamento da informação, da limitação da criatividade e dos impactos ambientais. E sobre isto Inês Lynce salienta os riscos de iliteracia tecnológica. "Os utilizadores estão preparados para usar sistemas de inteligência artificial, podem é não ter consciência dos riscos". Por isso, defende que em certos cenários "a última a palavra tem de caber sempre a um perito", como será, por exemplo, na medicina. "Não devem ser ferramentas 100% autónomas no sentido em que se perca o controlo ou a última palavra", destaca a também catedrática no Departamento de Informática e Engenharia do Instituto Superior Técnico.

Como referido, o mundo das tecnologias, e não só a inteligência artificial, requer muita energia para funcionar. Um estudo recente da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, concluiu que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) das tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem ser piores do que se pensava.

Cálculos anteriores estimavam em entre 1,8% e 2,8% o impacto climático da operação das TIC, mas os pesquisadores apontam que algumas dessas estimativas não levaram em conta o ciclo de vida completo e a cadeia de produtos e infraestrutura de TIC. Assim, a verdadeira proporção das emissões globais de gases com efeitos de estufa das TIC pode ser ficar entre 2,1% e 3,9% do total a nível global. Os números sugerem que as TIC têm emissões maiores do que a indústria da aviação, estimadas em cerca de 2% das emissões globais.

Além disso, o documento adverte que novas tendências, como big data, inteligência artificial, Internet das Coisas, "blockchain" e criptomoedas podem impulsionar um crescimento substancial da pegada ecológica das TIC, pelo consumo de energia, de água, de materiais, etc.

Para além disso, a criação de novos sistemas dá origem a mais resíduos, o que pode impactar a economia de base circular que se pretende implementar. Os painéis solares, por exemplo, têm uma duração de vida de 25 a 30 anos. O que fazer depois aos seus resíduos?

Os sistemas que se pretendem para a transição digital exigem também metais como lítio, cobre ou prata, o que está a levar a uma procura de novas fontes, como a mineração em mar profundo, o que pode colidir com diretrizes de proteção de 30% do mar e terra até 2030.

Assim, a inteligência artificial (e as TIC) pode ser uma maldição ou uma bênção para a sustentabilidade? "Esta é uma excelente questão a nível das políticas de sustentabilidade das empresas. Porém há que ter em conta que a maioria das soluções de inteligência artificial que já existem no mercado têm por base um modelo de negócio SaaS, o que significa que os recursos energéticos exigidos são partilhados por outras entidades, de modo a otimizar ao máximo o potencial das ferramentas", lembra Fernando Batista. Por isso, "é importante ter em conta o efeito de escala que se pode alcançar pela adoção das ferramentas SaaS".

Efetivamente, a pegada de carbono da tecnologia atual, onde se insere a inteligência artificial, é significativa. Por isso, existem recomendações no sentido de minimizar o consumo de energia. Inês Lynce
Presidente do INESC-ID
Pondo os dois pratos na balança, Inês Lynce também considera que pende mais para o lado das vantagens: "Efetivamente, a pegada de carbono da tecnologia atual, onde se insere a inteligência artificial, é significativa. Por isso, existem recomendações no sentido de minimizar o consumo de energia. Por exemplo, não tem o mesmo impacto usar máquinas modernas ou obsoletas. Por outro lado, existem esforços reais no sentido de usar inteligência artificial para reduzir o consumo de energia e/ou aumentar o uso de energia verde. Dito isto, o saldo é positivo".

Para além das questões ambientais, Pedro Gaspar destaca um desafio particular das empresas portuguesas, maioritariamente PME. "Há duas dificuldades a realçar. Por um lado, a complexidade de implementação de sistemas de inteligência artificial que exigem tarefas especializadas, o que pode ser um desafio para muitas empresas. Por outro, o custo pode ser elevado com aquisição de hardware, desenvolvimento de software e formação especializada, que pode limitar o alcance das implementações deste tipo de iniciativas".


Os benefícios...

| Recursos: a inteligência artificial pode analisar dados e identificar áreas onde a empresa pode otimizar o uso de recursos, como energia, água e materiais.
| Monitorização ambiental: para recolher dados sobre o meio ambiente, incluindo qualidade do ar, qualidade da água e condições climáticas.
| Automação: pode automatizar processos e tarefas, reduzindo o desperdício de recursos e melhorando a eficiência operacional.
| Previsão: pode prever utilização de recursos permitindo um planeamento mais eficiente.
| Análise de dados: Pode analisar grandes quantidades de dados e identificar padrões e tendências que possam ser usados para melhorar a eficiência e reduzir os impactos ambientais.

...e os desafios

| Energia: O uso de eletricidade pelas TIC é de 1% e prevê-se que aumente para 20% em 2030.
| Poluição: As emissões de gases com efeitos de estufa das TIC é de 2,1 a 3,9% do total das emissões.
| Impacto: Emissões são maiores do que as da indústria da aviação.
| Desperdício: Aumento da produção de resíduos eletrónicos
| Alternativas: Reforço da mineração de metais.
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