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Guy Verhofstadt: “Precisamos de uma reforma da União Europeia o mais rápido possível”

Para o ex-primeiro-ministro da Bélgica, o mundo está a entrar numa nova era mundial baseada em impérios, onde o combate entre grandes blocos se vai fazer em várias frentes. Na conferência ESG do Negócios dedicada ao desenvolvimento social, defendeu que só uma nova Europa realmente unida pode sobreviver nesta “luta de impérios”.

Sónia Santos Dias 10 de Novembro de 2022 às 14:30
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O mundo está a ver emergir uma nova ordem mundial baseada em grandes blocos, que vão competir a nível político, económico, militar, tecnológico, social e até no espaço. E neste mundo em acelerada mudança, "a Europa tem de se unir e reinventar para sobreviver", defendeu Guy Verhofstadt, ex-primeiro-ministro da Bélgica e deputado europeu. "Precisamos de uma reforma da União Europeia o mais rápido possível. Aquilo a que chamo um novo governo europeu baseado em cinco grandes blocos de construção", nas áreas da política, defesa, energia, saúde e fiscalidade com base no pilar social, afirmou na conferência "Os desafios da igualdade em tempos de crise" dedicada ao desenvolvimento social do Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu no Hotel Hilton Porto Gaia, em Vila Nova de Gaia.

Na medida em que "o mundo de amanhã será um lugar muito inseguro e difícil, um lugar de desigualdades e de luta entre grandes visões diferentes da sociedade, de autocratas contra democratas", o ex-primeiro-ministro sublinhou que "um país sozinho já não tem segurança se não fizer parte de um bloco, que pode ser a NATO, a União Europeia ou outra. É uma necessidade de segurança no mundo de amanhã".

A Europa tem de se unir e reinventar para sobreviver. Guy Verhofstadt
Ex-primeiro-ministro da Bélgica e deputado europeu
Assim, exemplificou, em plena crise energética, "tudo o que é feito para enfrentar este aumento de preços da energia só pode ser feito da forma correta se criarmos rapidamente uma verdadeira região energética dentro da União Europeia". Destacou que estabelecer preços máximos para reagir à crise não é a melhor solução, porque "será um preço dinâmico para todos" e que fazer compras de 15% em conjunto também não resolve o problema energético da Europa. Por isso, defendeu que é necessário criar "uma plataforma de compra de energia para pelo menos 80% a 85% das compras, porque isso cria o poder de compra da Europa".

O keynote speaker salientou que não é preciso ser muito criativo para criar mais união nestas cinco áreas basilares, na medida em que para combater a pandemia os países europeus conseguiram chegar rapidamente a acordo e encontrar soluções em conjunto, nomeadamente ao criarem um fundo de 750 mil milhões de euros para os países recuperarem da pandemia. "Temos de tornar esta capacidade fiscal permanente", destacando a criação de uma união fiscal com uma forte capacidade social como outra das grandes reformas necessárias.

O pilar social é, na sua perspetiva, uma das bases a cuidar, porque "a falta de uma verdadeira Europa social é uma das razões para o aumento do populismo na Europa". Defende, por isso, uma Europa de direitos sociais baseada na igualdade de oportunidades, no acesso ao mercado de trabalho, com condições de trabalho, proteção social e inclusão. "E isto não é apenas necessário apenas por razões sociais e de igualdade, mas também por razões económicas, porque a mobilidade laboral aumentará com esse pensamento social", disse.

O deputado europeu frisou ainda que a nova união deve basear-se em consensos de "maioria simples" e não na necessidade de unanimidade que existe atualmente, onde "tudo fica bloqueado".

Criar uma sociedade melhor

A união foi também palavra-chave para Isabel Almeida Rodrigues, secretária de Estado da Igualdade e Migrações, que fez a abertura institucional da "Conferência Social - Os desafios da igualdade em tempos de crise", onde começou por sublinhar que "as desigualdades só se combatem em conjunto", pelo que "intervenções isoladas não são significativas".

A igualdade não é garantida pela simples atribuição de direitos iguais. Isabel Almeida Rodrigues
secretária de Estado da Igualdade e Migrações
Ao referir que o mundo tem saltado de crise em crise nos últimos anos, Isabel Almeida Rodrigues destacou também que as desigualdades se têm acentuado e que "nunca foi tão importante a defesa dos direitos humanos". Por isso, defendeu serem necessárias políticas públicas que combatam as desigualdades entre homens e mulheres como base para a sustentabilidade social e económica. "A igualdade não é garantida pela simples atribuição de direitos iguais", referiu a secretária de Estado, explicando que "o facto de a lei considerar esta igualdade não significa que o seu exercício seja igual, porque se nas práticas organizacionais e na questão dos papéis de homens e mulheres não introduzirmos esta transformação a lei terá muita dificuldade em traduzir-se nesta mudança do ponto de vista social".

Isabel Almeida Rodrigues destacou também que muitos dos fatores de desigualdade e empobrecimento se entrecruzam e destacou a necessidade de as mulheres entrarem nas áreas STEAM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, sigla me inglês), na medida em que são decisivas num mundo mais digital e são também as mais bem remuneradas.

A conferência abordou quatro temáticas em debates, nomeadamente sobre a ameaça da pobreza e da desigualdade, diversidade e igualdade, casas e cidades mais amigas e bem-estar nas empresas.

No primeiro debate, ficou claro que as múltiplas crises que o mundo tem vindo a enfrentar estão a criar mais pobreza e desigualdades, fazendo chegar ao limiar da pobreza mais pessoas que precisam de apoio ao nível da alimentação, energia e na habitação. O reforço das políticas públicas é necessário para fazer face a estas necessidades, porém, no debate, foi reforçado que são precisas medidas estruturais de longo prazo que combatam efetivamente a pobreza que persiste em determinados grupos sociais. Victor do Prado, ex-diretor do WTO e keynote speaker deste debate, sublinhou ainda que "a pobreza é um assunto internacional", que deveria também ter direito a COP (cimeira do clima da ONU) anuais, tal como tem a temática ambiental.

Diversidade e igualdade

A diversidade e igualdade são outras faces dos problemas sociais que estão a ser impactadas pelas crises múltiplas que o mundo está a viver. No debate dedicado a esta temática foi sublinhado o papel das empresas para atenuar estes problemas, ficando claro que a diversidade e igualdade nas empresas são ativos importantes que contribuem para o crescimento económico. Margarida Couto, presidente da GRACE - Empresas Responsáveis e keynote speaker deste painel, sublinhou que "sem as empresas quase nenhum ODS pode ser atingido". Porém, é necessário medir para avaliar o impacto das correções sociais implementadas.

O terceiro debate incidiu sobre o papel das cidades e das casas para promover o bem-estar. Sendo a habitação uma das primeiras necessidades, devem ser criadas condições de qualidade e acesso nas cidades. Um desenho adequado destas infraestruturas ajuda não só a reduzir o impacto ambiental, como a promover espaços públicos para uma convivência social saudável. A este propósito, Sofia Tenreiro, partner da Deloitte e keynote speaker, referiu que "se queremos ser net zero temos de começar pelas cidades", na medida em que estas são responsáveis por 70% das emissões de carbono. São precisas também grandes transformações estruturais para as tornar mais inclusivas e saudáveis.

Num mundo em mudança, as questões sociais fazem cada vez mais parte das preocupações e estratégias das empresas. Não só é necessário implementar os critérios sociais, ambientais e de governação impostos pela nova legislação, como também é fulcral para a retenção de talento que, cada vez mais, procura empresas com propósito e condições em consonância com os ideais dos colaboradores. A este propósito, Gabriel Leite Mota, professor auxiliar de Economia no Instituto Superior de Serviço Social do Porto, referiu que "a felicidade nas organizações tem de ser pensada a nível macro e não só dentro das próprias empresas".

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