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É o grande motor daquela que é apontada como a quarta revolução industrial e acarreta ganhos transversais aos diferentes setores e economia. Para já, apesar de ser uma figura habitual no seio mediático, a tecnologia está ainda numa fase inicial, aponta Arlindo Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico e especialista em Inteligência Artificial (IA), e membro do júri do Prémio Nacional de Sustentabilidade na categoria Transformação Digital em Sustentabilidade, acrescentando que a integração de modelos de linguagem com outros sistemas é que vai fazer a diferença. Na corrida à IA, a Europa não sai bem na figura.
Quando neste momento se pensa em transformação digital é impossível não pensar em inteligência artificial. Que impacto terá a IA nas empresas?
Numa primeira fase, vai ter sobretudo impacto na produtividade e na eficiência. Numa segunda fase, ou até ao mesmo tempo se as empresas forem bem-sucedidas nesse aumento de produtividade, poderá causar um aumento do volume de negócios ou da margem se for possível reduzir os recursos humanos.
Penso que essas serão as principais consequências nos próximos anos: uma maior eficiência e valor acrescentado.
Ainda estamos numa fase muito inicial na adoção destas tecnologias?
Estamos numa fase antes da adoção. As pessoas já usam os modelos de linguagem, mas a integração destes modelos com outros sistemas é que vai fazer a diferença. E essa integração é que está ainda muito no princípio.
Os ganhos que a IA trará passam pelo aumento da produtividade, maior eficiência e redução de custos. E os desafios?
Para as empresas, o desafio é o da transformação. Para usarem eficazmente as tecnologias de IA é preciso haver uma transformação, as empresas têm de mudar, e isso é sempre um desafio. Relativamente às pessoas, acho que o maior desafio vai ser adaptarem-se e adotarem uma nova tecnologia. Para algumas pessoas isto é difícil porque é preciso formação, para outros – os mais jovens – será mais fácil.
No caso das empresas, o desafio da transformação tem a ver com o investimento?
Não. Também existe a questão do investimento, mas é mais cultural, pelo facto de termos de mudar a maneira como trabalhamos.
Que consequências terão as empresas que não conseguirem fazer esta transformação e integrarem esta nova tecnologia?
Vão tornar-se menos competitivas, com menor rendimento e eventualmente poderão mesmo ficar em risco. Mas acima de tudo vão ter uma competitividade mais baixa e essa é a parte negativa de uma empresa não se conseguir adaptar.
A dimensão das empresas em Portugal torna mais difícil esta transição?
Não tem necessariamente de ser dessa forma, mas é inegável que uma empresa maior tem mais capacidade. As pequenas empresas vão ter um desafio maior.
Qual será o impacto da IA no mercado laboral? É de esperar que as máquinas assumam postos de trabalho ocupados até agora por humanos?
A substituição total do trabalho de uma pessoa por um robô, por um sistema de IA, embora concetualmente seja possível, deverá ser relativamente raro porque teria de ser um sistema muito flexível. O que me parece mais natural é que as pessoas consigam ser mais eficientes e, portanto, em vez de responderem a 10 emails por hora respondem a 30. Claro que se existirem 100 pessoas a fazer isto só serão necessárias 30, é um facto. Mas acho que a tendência é que permitirá fazer crescer a economia sem necessariamente levar a um aumento do desemprego. Até porque neste momento não há uma grande pressão no emprego, a nossa maior preocupação é existirem pessoas e competências para os projetos que são necessários desenvolver.
E nesse ponto a IA até pode ajudar?
Até é positiva, porque as pessoas que existem vão conseguir fazer mais coisas. Não estou particularmente preocupado com o impacto negativo na taxa de desemprego porque o nosso maior problema é mesmo a falta de talento.
Mas será inevitável que o tipo de trabalho mude e que certas funções venham a desaparecer?
É possível que algumas funções muito repetitivas desapareçam completamente, também já não temos datilógrafos. Mas parece-me que acontecerá de maneira gradual e essas pessoas não ficarão sem emprego, irão para outras funções que serão potenciadas pelas tecnologias digitais.
Que tipo de novas funções são essas?
Não temos tido grande sucesso em adivinhar as áreas em que vão aparecer novos empregos. Depende essencialmente da inovação e que novas necessidades cria. Agora, há coisas óbvias, há algumas pessoas que poderão ser usadas como professores para treinar os sistemas de IA.
Ferramentas como o ChatGPT puseram a IA no centro do debate público pelas capacidades que demonstrou. Mas isto é apenas a ponta do icebergue?
Sim, porque estas ferramentas são muito limitadas. Uma pessoa faz perguntas, pode pedir textos, mas não podemos pedir coisas mais complicadas como "diz-me quanto dinheiro tenho na conta bancária". À medida que estes sistemas forem integrados em sistemas que podem ter acesso a bases de dados, fazer reservas de viagens, etc., aí é que vamos ver maiores ganhos.
Que tipo de decisões poderemos ter nas mãos da IA no futuro?
A IA pode ser usada para muita coisa. Na ciência, pode ser usada para ler, sintetizar e obter relações entre artigos científicos e sugerir direções para futuras pesquisas. Na financeira, também vai ajudar bastante em alguns tipos de análise, mas acho que será principalmente na área de interação com o cliente que vamos ver uma transformação mais rápida. Na área legal, também acho que vai ter um impacto significativo em termos de produtividade.
O risco à democracia é um dos principais?
Já há bastante desinformação sem inteligência artificial. O que a IA permite é levar a desinformação para outro patamar, em que é banalizada e mais convincente. Existe de facto um certo risco de as ferramentas de marketing e propaganda se tornarem cada vez mais eficientes e as pessoas ficarem cada vez mais divididas. O lado bom é que também podemos usar a IA para detetar informação falsa. É uma guerra de tecnologia, vamos ver quem ganha.
Estas tecnologias também trazem desafios em termos ambientais, uma vez que têm um consumo energético muito mais elevado. A adoção destas ferramentas pode pôr em causa as metas ambientais definidas para os próximos anos?
Gastam de facto bastante energia, tanto na fase de treino, quando estão a ser projetadas, como também na fase de utilização. Eu pessoalmente estou convencido de que, embora seja um fator de preocupação, a evolução tecnológica vai permitir limitar o crescimento deste consumo e não vamos chegar a uma situação em que 10% da energia seja gasta em IA.
Mas depende da criação de novas tecnologias. Neste momento já há muita gente a trabalhar nisso.
É sem dúvida um ponto a ter em conta?
É. Mas não vejo que a IA por si tenha de comprometer os objetivos de redução de emissões, por exemplo. Possivelmente até ajudará na outra direção… mas são contas muito difíceis de fazer.
Como é que classifica a evolução da Europa e de Portugal neste campo da IA?
A Europa não está muito bem posicionada. Não está a conseguir ser competitiva, nem com os Estados Unidos nem com a China, no desenvolvimento de tecnologias. Está muito [focada] na regulamentação da IA e possivelmente seremos os campeões em termos de regulação, mas parece-me pouco. A verdade é que as grandes empresas de inteligência artificial estão nos Estados Unidos e na China e a Europa é um distante terceiro destes blocos. Eventualmente poderá até ser ultrapassada por outros, como os países árabes.
Não está muito otimista, portanto?
Não. Temos um conjunto de regras e legislação – que pode ter o seu valor e vir a desempenhar um papel nesta questão –, mas neste momento se olharmos para as 20 maiores companhias de IA desconfio de que apenas uma será europeia.
E Portugal? É demasiado pequeno para ter um papel de destaque?
Não é de esperar que um país que tem 10 milhões de habitantes e não é particularmente rico venha a desempenhar um papel importante. Não estamos mal em alguns aspetos, temos alguns unicórnios, mas não é de esperar que Portugal venha a desempenhar um papel particularmente marcante na IA internacional. O que temos de fazer é estar bem posicionados para poder aplicar a tecnologia, desenvolver aplicações que sejam relevantes e fazer as contribuições que podemos fazer para um país à nossa escala.
Embora esteja moderadamente otimista quanto à nossa capacidade de utilizar e adotar a IA, dificilmente vejo Portugal como um líder na área por causa das limitações que referi.
Qual o risco de ficar para trás?
O risco de a Europa ficar para trás é não termos os ganhos de produtividade que podem advir da utilização destas tecnologias. Não tendo esses ganhos, a nossa economia é menos competitiva e, portanto, vamos ter o PIB mais baixo, ser mais pobres e ter menos capacidade de desenvolvimento. Esse é o risco de não acompanharmos esta revolução tecnológica que promete ser rápida.