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“Vamos voltar a um mundo bipolar com os EUA e a China”

Tim Marshall acredita que a multipolaridade que se vive atualmente vai ser ultrapassada e que os EUA vão continuar a ser a maior potência mundial. A geografia, diz o especialista em geopolítica, impõe-se ao desenvolvimento da Rússia e da China.

12 de Dezembro de 2023 às 14:14
Tim Marshall, jornalista e escritor inglês especializado em geopolítica
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Conflitos, alterações climáticas e pobreza são atualmente grandes impulsionadores de migrações e de mudanças globais que devem ser lidas num quadro com forças geopolíticas em mudança, nomeadamente num mundo atualmente multipolar "muito difícil de entender", referiu Tim Marshall, jornalista especializado em diplomacia internacional e keynote speaker na "Conferência Social – Os desafios da demografia e da habitação", integrada no Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu a 28 de novembro no Espaço Vandelli, em Lisboa.

O jornalista mostrou uma visão macro da política, salientando a importância da geografia para a definição das estratégias dos países no xadrez político mundial. Em África, por exemplo, vivem atualmente 1,2 mil milhões de pessoas, mas serão 2,4 mil milhões entre 2050 e 2060, o que irá impulsionar muita emigração destes países que sofrem de conflitos e de alterações climáticas.

Tim Marshall salientou que após a Segunda Guerra Mundial e até 1989 o mundo viveu um poderio bipolar repartido entre os EUA e a China. Com a queda do comunismo, passou nessa altura a unipolar liderado pelos EUA, até 2008, quando os americanos se viraram mais para a política interna.

"Esta foi uma das muitas razões porque o multipolarismo emergiu" e se instalou até aos dias de hoje, explicou, salientando a difícil leitura de um mundo multipolar onde "sem dois policiamentos muitos atores sentem-se livres de atuar de formas que não nos são familiares". E exemplificou: "A Turquia é aliada da NATO e compra sistemas defensivos à Rússia. Isto não acontecia na disciplina da Guerra Fria".

Neste mundo multipolar atual, existem muitos atores a agir de diferentes formas, mas Tim Marshal defendeu que "vamos voltar a um mundo bipolar formal com os EUA e a China" no comando. O especialista em geopolítica rejeita a ideia de que os EUA estão a decair, referindo que "os EUA continuam a ser, a grande distância, a maior potência do mundo e vão continuar a sê-lo nas próximas décadas. Não acredito que a China os vá apanhar".


A leitura de Tim Marshall das relações internacionais começa na geografia, salientando que tal explica muita da História e das decisões tomadas pelos países. A Rússia, por exemplo, abrange nove fusos horários, mas tem um norte extremamente gelado onde os portos gelam no inverno. A sul, via Mar Báltico, esbarra em países da NATO, explicou. Relativamente à China, a geografia também lhe atrapalha o desenvolvimento.

"Tem um muro à frente que é Taiwan e os amigos dos EUA, Japão e Coreia do Sul", explicou, acrescentando que "se houvesse um problema aqui haveria uma recessão mundial".

 

É preciso estabilizar os países

Quanto às migrações, motivadas sobretudo por conflitos, pobreza e fuga aos efeitos das alterações climáticas, estãojá a verificar-se em África, com as populações a movimentarem-se para norte.

"Se África não criar milhões de empregos nos próximos 30 anos para o novo excedente de pessoas, construir casas para as acolher, formar professores, médicos e enfermeiros, criar universidades, então a taxa de deslocação que vemos atualmente vai continuar a aumentar", assinalou o jornalista.

Com a desertificação, aumentam também as migrações e a competição por áreas, entre os residentes e os que chegam, criando conflitos. E estes próprios conflitos também impelem as pessoas a ir-se embora, alertou. "As alterações climáticas levam as pessoas a movimentarem-se e se estiveres desesperado tomas medidas desesperadas", frisou.

A solução para travar o agravamento destes cenários passa, segundo Tim Marshall, pelo combate às alterações climáticas e à pobreza, de forma a evitar estas migrações em massa e ajudar as pessoas a desenvolverem-se nos seus próprios países.

A tecnologia e a transição energética serão aliadas. Porém, estes países em desenvolvimento precisam de apoio financeiro, só que "é preciso estabilizar os países para receberem investimento para novas estruturas". 

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