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"Em Portugal, há poucos bons exemplos de pesca responsável. Isto acontece por não existirem avaliações de todas as populações de pescado, e por nem todos os stocks que estão avaliados se encontrarem em bom estado", afirma Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas da WWF Portugal. "Há que conhecer o estado em que estão as diferentes populações de pescado, ou seja, precisam de ser avaliadas. O conhecimento é essencial para apoiar a tomada de decisões para as nossas pescas serem mais responsáveis, tanto ambientalmente, como social e economicamente", continua. Espécies como a pescada, carapau e sardinha, por exemplo, estão bem avaliadas quanto às respetivas quantidades e características da população, porque estão sujeitas a limites definidos a nível europeu, afirma a organização. Mas nem sempre é assim.
Em 2019, o número de stocks sobre-explorados na União Europeia sofreu um aumento ligeiro, alerta a Marine Stewardship Council (MSC), uma organização sem fins lucrativos, que se dedica a acompanhar e certificar a sustentabilidade das pescas em todo o mundo. "Isto significa que os objetivos da Política Comum de Pescas (PCP) não estão a ser cumpridos e é importante que todos os Estados-membros acelerem a implementação de uma gestão sustentável", atira a diretora da MSC em Espanha e Portugal, Laura Rodriguez Zugasti.
Já a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), que liderou o esforço de Portugal durante a presidência da Comissão Europeia de avançar na revisão das regras comunitárias para a pesca, considera que "Portugal exerce uma pesca sustentável dos recursos marinhos", uma vez que "em Portugal a pesca é sobretudo artesanal, exercida com várias artes e foco em diversas espécies ao longo do ano. Essa versatilidade permite a diversificação do esforço de pesca evitando a concentração numa determinada espécie", defende José Carlos Simão, diretor-geral. Paralelamente, afirma que o país chega a ser "mais restritivo" do que a própria União Europeia, nomeadamente no que toca à malhagem das redes. Já a pesca em profundidade "nunca foi autorizada com artes de arrasto de fundo", que têm o defeito de ser menos seletivas.
Segunda a WWF, em território português, cerca de 50% das capturas e mais de 80% das embarcações são dominadas pela frota polivalente que é costeira e de pequena escala, ao contrário de outros países, cuja tendência é ter pescas mais longínquas e menos seletivas. Ainda assim, estas últimas estão sujeitas a "obrigações legais apertadas que são fiscalizadas e monitorizadas de uma forma que ainda não está a ser aplicada para outros segmentos da frota portuguesa". Isto "quer dizer que Portugal enfrenta outro tipo de desafios (como a dificuldade no controlo e na monitorização, e a fuga à lota) mas tem potencial para inovar", defende Catarina Grilo.
"Há que trabalhar com dados de boa qualidade e indicadores de desempenho transparentes. Gerir e melhorar o que não se conhece é impossível", concorda Nuno Cosme, responsável de sustentabilidade do grupo Pescanova. "A recolha de dados de qualidade sobre as atividades de pesca, registadas no mar, é uma parte essencial para uma gestão eficaz das pescas", atesta também a diretora do Marine Stewardship Council. Esta explica que a informação pode ser recolhida através de pescadores a bordo que forneçam dados relativos à sua atividade ou através de fontes independentes, como observadores de pescas e equipamentos eletrónicos de monitorização, considerando ambos os métodos "essenciais" para avaliar o impacto ambiental.
Uma empresa que está a trabalhar na inovação do setor, de forma a promover a sustentabilidade tanto ambiental – pela preservação dos recursos marinhos – como social e económica – olhando aos rendimentos dos pescadores – é a Bitcliq. Esta start-up terminou recentemente um piloto de dois anos, que considera bem-sucedido, de uma "lota digital". A ideia é que os pescadores possam registar o que pescam ainda no barco, e disponibilizar imediatamente para venda. Dessa forma, é mais fácil haver o encontro entre a oferta e a procura, e não retirar peixe do mar quando as necessidades em terra já estão satisfeitas.
"Um dia, vai ser possível haver uma gestão centralizada do recurso e saber-se em tempo real a quantidade de espécie que foi capturada hoje, evitando o desperdício. Vale mais um peixe vivo no mar para apanhar amanhã, do que morto hoje se não o conseguir vender. Mal capturado, o peixe já está em desvalorização", explica o CEO, Pedro Manuel. O sistema da Bitcliq permite aos pescadores um ganho adicional de 20% na sua atividade, calcula a empresa, que já trabalhou, antes de vir atuar para Portugal, aplicando tecnologia com o mesmo propósito de eficiência na pesca intensiva. "A transparência é o esqueleto da sustentabilidade. Não poderá haver sustentabilidade se não houver um sistema que é transparente", acredita o CEO. "Tem de haver vantagem para quem inova e tem processos mais eficientes. Quem trabalha de forma responsável não tem problema a pôr a nu informação base das operações." A pesca ilegal é repetidamente referida, tanto pela WWF como pela Pescanova, como uma ameaça séria à sustentabilidade da vida nos oceanos.
Certificações não as há
"Atualmente não existe nenhuma pescaria portuguesa com a certificação do MSC", diz a organização. "Nos últimos anos, nenhuma pescaria portuguesa decidiu entrar em avaliação completa, mas isto não significa que não existe pesca sustentável em Portugal", ressalva. Aliás, a MSC diz que está em contacto com algumas pescarias que estão interessadas em inscrever-se para avaliar se a sua atividade está conforme os padrões de sustentabilidade.
Apesar de as pescarias portuguesas não terem o selo MSC, o número de produtos com este selo em Portugal já vai nos 200 e tem registado uma evolução positiva, com um aumento de 33% em 2020, face ao ano anterior. O selo azul identifica os produtos cuja cadeia de valor, não só a pesca, respeita critérios de sustentabilidade. "A evolução da certificação nas cadeias de abastecimento tem sido notável. Contabilizamos 58 empresas certificadas (em Portugal), incluindo empresas do setor da transformação nas áreas dos congelados e conservas e ainda no retalho."
Algumas vitórias
Apesar das reticências em avaliar a pesca portuguesa como sustentável, existem bons exemplos. A DGRM destaca o caso da sardinha que, depois de cinco anos a reduzir a abundância, conseguiu voltar a "níveis de gestão sustentável e assegurar o futuro da exploração racional", na sequência de medidas restritivas implementadas em Portugal e Espanha. A WWF aponta a cogestão como uma boa prática, que consiste na gestão partilhada entre pescadores, cientistas, administrações públicas e organizações não governamentais, que se juntam para garantir a melhor decisão sobre monitorização ou níveis de pesca, por exemplo. Este sistema está a ser aplicado de momento à pescaria do percebe nas Berlengas. Nuno Cosme, da Pescanova, indica ainda como uma aposta essencial "práticas de pesca e aquicultura mais eficientes", como a redução de peso das redes de pesca ou do consumo de combustíveis por captura, e a mudança para embalagens de materiais mais recicláveis, algo que a sua empresa já tem vindo a aplicar.
No último Conselho de Ministros das Pescas sob Presidência Portuguesa, foi aprovada a orientação geral relativa à revisão do Regulamento do Controlo das Pescas, que vai fixar os totais Admissíveis de Captura para 2022, mas não só. Além da modernização das frotas e das artes de pesca, vão ser reforçados e garantidos mecanismos de controlo e inspeção únicos na União Europeia, quer-se uma maior responsabilização pelos incumprimentos.
Em 2019, o número de stocks sobre-explorados na União Europeia sofreu um aumento ligeiro, alerta a Marine Stewardship Council (MSC), uma organização sem fins lucrativos, que se dedica a acompanhar e certificar a sustentabilidade das pescas em todo o mundo. "Isto significa que os objetivos da Política Comum de Pescas (PCP) não estão a ser cumpridos e é importante que todos os Estados-membros acelerem a implementação de uma gestão sustentável", atira a diretora da MSC em Espanha e Portugal, Laura Rodriguez Zugasti.
Já a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), que liderou o esforço de Portugal durante a presidência da Comissão Europeia de avançar na revisão das regras comunitárias para a pesca, considera que "Portugal exerce uma pesca sustentável dos recursos marinhos", uma vez que "em Portugal a pesca é sobretudo artesanal, exercida com várias artes e foco em diversas espécies ao longo do ano. Essa versatilidade permite a diversificação do esforço de pesca evitando a concentração numa determinada espécie", defende José Carlos Simão, diretor-geral. Paralelamente, afirma que o país chega a ser "mais restritivo" do que a própria União Europeia, nomeadamente no que toca à malhagem das redes. Já a pesca em profundidade "nunca foi autorizada com artes de arrasto de fundo", que têm o defeito de ser menos seletivas.
Segunda a WWF, em território português, cerca de 50% das capturas e mais de 80% das embarcações são dominadas pela frota polivalente que é costeira e de pequena escala, ao contrário de outros países, cuja tendência é ter pescas mais longínquas e menos seletivas. Ainda assim, estas últimas estão sujeitas a "obrigações legais apertadas que são fiscalizadas e monitorizadas de uma forma que ainda não está a ser aplicada para outros segmentos da frota portuguesa". Isto "quer dizer que Portugal enfrenta outro tipo de desafios (como a dificuldade no controlo e na monitorização, e a fuga à lota) mas tem potencial para inovar", defende Catarina Grilo.
"Há que trabalhar com dados de boa qualidade e indicadores de desempenho transparentes. Gerir e melhorar o que não se conhece é impossível", concorda Nuno Cosme, responsável de sustentabilidade do grupo Pescanova. "A recolha de dados de qualidade sobre as atividades de pesca, registadas no mar, é uma parte essencial para uma gestão eficaz das pescas", atesta também a diretora do Marine Stewardship Council. Esta explica que a informação pode ser recolhida através de pescadores a bordo que forneçam dados relativos à sua atividade ou através de fontes independentes, como observadores de pescas e equipamentos eletrónicos de monitorização, considerando ambos os métodos "essenciais" para avaliar o impacto ambiental.
Uma empresa que está a trabalhar na inovação do setor, de forma a promover a sustentabilidade tanto ambiental – pela preservação dos recursos marinhos – como social e económica – olhando aos rendimentos dos pescadores – é a Bitcliq. Esta start-up terminou recentemente um piloto de dois anos, que considera bem-sucedido, de uma "lota digital". A ideia é que os pescadores possam registar o que pescam ainda no barco, e disponibilizar imediatamente para venda. Dessa forma, é mais fácil haver o encontro entre a oferta e a procura, e não retirar peixe do mar quando as necessidades em terra já estão satisfeitas.
"Um dia, vai ser possível haver uma gestão centralizada do recurso e saber-se em tempo real a quantidade de espécie que foi capturada hoje, evitando o desperdício. Vale mais um peixe vivo no mar para apanhar amanhã, do que morto hoje se não o conseguir vender. Mal capturado, o peixe já está em desvalorização", explica o CEO, Pedro Manuel. O sistema da Bitcliq permite aos pescadores um ganho adicional de 20% na sua atividade, calcula a empresa, que já trabalhou, antes de vir atuar para Portugal, aplicando tecnologia com o mesmo propósito de eficiência na pesca intensiva. "A transparência é o esqueleto da sustentabilidade. Não poderá haver sustentabilidade se não houver um sistema que é transparente", acredita o CEO. "Tem de haver vantagem para quem inova e tem processos mais eficientes. Quem trabalha de forma responsável não tem problema a pôr a nu informação base das operações." A pesca ilegal é repetidamente referida, tanto pela WWF como pela Pescanova, como uma ameaça séria à sustentabilidade da vida nos oceanos.
Certificações não as há
"Atualmente não existe nenhuma pescaria portuguesa com a certificação do MSC", diz a organização. "Nos últimos anos, nenhuma pescaria portuguesa decidiu entrar em avaliação completa, mas isto não significa que não existe pesca sustentável em Portugal", ressalva. Aliás, a MSC diz que está em contacto com algumas pescarias que estão interessadas em inscrever-se para avaliar se a sua atividade está conforme os padrões de sustentabilidade.
Apesar de as pescarias portuguesas não terem o selo MSC, o número de produtos com este selo em Portugal já vai nos 200 e tem registado uma evolução positiva, com um aumento de 33% em 2020, face ao ano anterior. O selo azul identifica os produtos cuja cadeia de valor, não só a pesca, respeita critérios de sustentabilidade. "A evolução da certificação nas cadeias de abastecimento tem sido notável. Contabilizamos 58 empresas certificadas (em Portugal), incluindo empresas do setor da transformação nas áreas dos congelados e conservas e ainda no retalho."
Algumas vitórias
Apesar das reticências em avaliar a pesca portuguesa como sustentável, existem bons exemplos. A DGRM destaca o caso da sardinha que, depois de cinco anos a reduzir a abundância, conseguiu voltar a "níveis de gestão sustentável e assegurar o futuro da exploração racional", na sequência de medidas restritivas implementadas em Portugal e Espanha. A WWF aponta a cogestão como uma boa prática, que consiste na gestão partilhada entre pescadores, cientistas, administrações públicas e organizações não governamentais, que se juntam para garantir a melhor decisão sobre monitorização ou níveis de pesca, por exemplo. Este sistema está a ser aplicado de momento à pescaria do percebe nas Berlengas. Nuno Cosme, da Pescanova, indica ainda como uma aposta essencial "práticas de pesca e aquicultura mais eficientes", como a redução de peso das redes de pesca ou do consumo de combustíveis por captura, e a mudança para embalagens de materiais mais recicláveis, algo que a sua empresa já tem vindo a aplicar.
No último Conselho de Ministros das Pescas sob Presidência Portuguesa, foi aprovada a orientação geral relativa à revisão do Regulamento do Controlo das Pescas, que vai fixar os totais Admissíveis de Captura para 2022, mas não só. Além da modernização das frotas e das artes de pesca, vão ser reforçados e garantidos mecanismos de controlo e inspeção únicos na União Europeia, quer-se uma maior responsabilização pelos incumprimentos.
Há que trabalhar com dados de boa qualidade. Gerir e melhorar o que não se conhece é impossível.
Nuno Cosme
Responsável de Sustentabilidade do grupo Pescanova
Nuno Cosme
Responsável de Sustentabilidade do grupo Pescanova