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Ana Jacinto: “Precisamos que os imigrantes continuem a entrar”

Embora compreenda a necessidade de suspender o modelo da manifestação de interesse, a secretária-geral da AHRESP alerta que não podemos estrangular a entrada de novos imigrantes.

22 de Janeiro de 2025 às 12:30
Pedro Catarino
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    Bilhete de identidade Idade: 51Cargo: AHRESP, Secretária-geral (desde 2000) Universidade Autónoma de Lisboa, Professora (2006-09) Deco ProtesteFormação: MBA - Universidade Lusófona, Licenciada em Direito, Universidade Autónoma de Lisboa
    Expectativa é a marca da mensagem de Ana Jacinto sobre as medidas que o Governo está a adotar para garantir a entrada de novos imigrantes. Convidada das "Conversas com CEO", enquadradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (ARHESP) alerta que os portugueses estão a ir menos aos restaurantes. Numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, considera que "era vital que seja repensada a carga fiscal sobre o rendimento do trabalho". Uma das propostas que a associação fez ao Governo foi reduzir ou isentar de Taxa Social Única os aumentos adicionais dos salários. Não tiveram sucesso, mas prometem voltar a insistir. 

    Tem um longo caminho, de 25 anos, a acompanhar a hotelaria e restauração. Quais é que foram os tempos mais difíceis que viveu?
    Os tempos mais desafiantes foram os da pandemia.

    Pior do que a troika?
    Muito pior, porque tudo parou. Estes setores que a AHRESP representa foram dos mais afetados e os que estiveram mais tempo encerrados. Nós [associação] nunca encerrámos. A complexidade de tudo aquilo o que saía diariamente para estes setores de atividade era tal que era preciso desconstruir, simplificar e explicar.

    Mas o setor resistiu melhor do que seria de antecipar. A que atribui essa resistência?
    Os nossos setores são dos mais resilientes. Recuperámos muito depressa. Também porque as pessoas estavam muito ávidas de tudo aquilo que era convívio.

    Os apoios do Governo também foram determinantes?
    Não foram propriamente apoios, foram empréstimos, foi pôr as empresas em endividamento. Algumas autarquias deram pequenos apoios e o Turismo Portugal microcrédito. Tudo o resto foi a banca que esteve no meio. Estamos num ano, mais uma vez, de recorde em números turísticos, mas na restauração, onde temos um tecido empresarial muito mais micro, nem tudo está a correr tão bem, especialmente a que não tem um fluxo turístico internacional e depende mais do poder de compra interno. A inflação, os custos operacionais, os juros e os empréstimos que contraíram durante a pandemia, tudo isto tem um impacto grande. Muitas destas empresas estão ainda descapitalizadas e algumas com mais dificuldades.

    Mas o consumo também é maior e os portugueses adoram ir ao restaurante.
    Adoram, mas não tanto quanto esperávamos, porque houve uma redução do poder de compra. Fizemos um estudo com a Nielsen que mostra que os portugueses estão a ir menos vezes à restauração. E quando vão são momentos mais singulares, experiências. Já não procuram todos os dias a restauração.

    Um dos apelos que, geralmente, a AHRESP é a redução de impostos. Porque é que ainda precisam de uma redução do IVA, quando nunca se percebeu para que serviu a de 2015?
    Mas eu explico (risos). O que solicitámos nessa altura foi a reposição da taxa intermédia nos serviços de alimentação e bebidas e não uma baixa. E, nessa altura, comprometemo-nos a criar postos de trabalho, ao ganhar tesouraria.  E esse o compromisso foi cumprido.  Há outra questão, que é a competitividade. Continuamos a ser pouco competitivos face aos nossos principais concorrentes na taxa de IVA. Em Espanha, França ou Itália, a taxa é de 10%.

    Era vital que fosse repensada a carga fiscal sobre o rendimento do trabalho.
    E esta descida do IRC é importante para o setor?
    Temos outra dimensão de impostos muito mais relevantes. Era vital que fosse repensada a carga fiscal sobre o rendimento do trabalho. Somos um setor de mão-de-obra intensiva, temos necessidade de continuar a pagar cada vez melhor aos nossos colaboradores.

    E qual era a solução? Reduzir as contribuições para a Segurança Social?
    Acabamos de fechar a contratação coletiva com os sindicatos e não nos ficámos pelo aumento do salário mínimo. Fizemos um aumento igual em todos os níveis, subindo  o salário médio. O que defendemos é que se estimule as empresas a fazerem um aumento ainda maior. E este acréscimo salarial – que não tem a ver com estes aumentos – deveria ter uma dedução ou isenção da Taxa Social Única (TSU). Não foi possível esta proposta ser acolhida pelo Governo, mas vamos insistir.

    O setor precisa muito de imigração. Que efeitos teve esta suspensão da manifestação de interesse por parte dos imigrantes?
    Os efeitos não foram positivos. Dissemos ao Governo que percebemos a medida – tínhamos 400 mil trabalhadores imigrantes que não estavam regularizados e tínhamos de tomar conta desta situação. Agora, não podemos estrangular a entrada de novos imigrantes.

    É isso que está a acontecer?
    Ainda está a acontecer. Como sabemos, foi apresentado um plano. Uma das medidas é o reforço, que está a acontecer, dos adidos nos consulados para que haja a emissão dos vistos. Vamos ver como é que vai correr. Precisamos que os imigrantes continuem a entrar, são 30% da nossa força de trabalho, cerca de 120 mil pessoas. E vamos continuar a precisar. É evidente que têm de entrar de forma controlada, organizada e com condições dignas de ficarem cá.

    E que contributo é que o setor pode dar para a melhor integração dos imigrantes?
    O Turismo de Portugal tem uma medida que visa dar formação a cerca de mil imigrantes. É curto para o que precisamos, mas é um começo. Se correr bem, haverá disponibilidade por parte do Turismo de Portugal e do Governo de dar continuidade à medida.

    Isso é o Estado. E a vossa responsabilidade social?
    Temos algumas empresas que têm capacidade para ajudar, por exemplo, no que diz respeito à habitação. Mas, outras, de pequena dimensão, não o conseguem fazer. A AHRESP também já fez propostas a algumas autarquias e uma delas é ajudarem, no primeiro ou segundo mês, a pagar a renda, porque o mês de chegada que é o mais complexo. Depois, a empresa já paga o vencimento.

    Uma outra acusação ao setor é que é responsável pela falta de habitação. Não há hotéis a mais e alojamentos locais a mais?
    É uma afirmação que não consigo perceber. Ainda por cima está sempre muito correlacionada com o alojamento local. Foram tomadas medidas para o alojamento local [no anterior Governo] com base em não-informação. A AHRESP fez um estudo em todo o território, mas muito centrado em Lisboa e Porto, para perceber o alojamento local. E conclui-se que 60% do edificado onde está o alojamento local – em Lisboa e não muito diferente no Porto - estava deteriorado, ao abandono ou completamente destruído.  Não estava lá ninguém a viver. Foi o impulso deste setor que deu vida à cidade. Mas nós também não colocamos a cabeça debaixo da areia. Há pontos das cidades que têm um fluxo acentuado de turistas, mas que não tem a ver com o dito excesso. Precisamos dos turistas, temos é de gerir os seus fluxos.

    E como é que se vai gerir?
    Temos propostas e esperamos trabalhar brevemente com o Governo nesse sentido. Por exemplo, é urgente que a bilhética seja desmaterializada para que as pessoas possam, até nos seus locais de origem, marcar por antecipação as suas visitas. E nós podemos saber e dizer "àquela hora e naquele dia, não vais para ali, mas vais para outro sítio", que até pode ser no concelho ao lado. Com informação antecipada, conseguimos orientar o turista para impedir que haja concentrações.

    [As pessoas] vivem melhor por causa do turismo e da taxa turística.
    O setor é atacado em várias frentes, pela pressão do turismo, dos imigrantes, pela falta de habitação. Que contributos pode dar para não ser assim tão mal visto pela comunidade?
    Falta a consciência da importância do turismo para todos nós e para as comunidades locais. As pessoas precisam de perceber que vivem melhor por causa do turismo e da taxa turística – como já acontece, mas é preciso comunicar muito melhor. Vivem melhor porque há uma mobilidade maior naquele território, porque há melhor iluminação e gestão de resíduos. A AHRESP faz parte do comité de gestão da taxa turística em Lisboa e temos dito ao presidente da Câmara que isto tem de ser comunicado. Há, por exemplo, uma verba da taxa turística que é transferida para as juntas de freguesia fazerem uma melhor recolha dos resíduos urbanos, porque há uma carga maior.

    A restauração está a gerir bem os seus resíduos?
    Houve uma alteração recente e o tarifário dos resíduos urbanos deixou de estar indexado aos metros cúbicos de água. Estamos na fase de implementação. As autarquias têm agora de regular como vão medir e como vão tributar. Isto obriga os empresários a terem de fazer uma seleção melhor e mais adequada porque vão pagar em função dos seus resíduos.

    O mundo caminha para ser mais fechado, com guerras comerciais, com nacionalismos. O setor está preocupado com esta tendência?
    Estamos um bocadinho preocupados. O mundo, de facto, está a dar-nos sinais de muitas preocupações, que acabam por cruzar com a nossa atividade. Não são só as questões geopolíticas, mas também as climáticas. E isso impacta com esta indústria.

    As alterações climáticas podem ter impacto na escolha de Portugal como destino turístico?
    Tem sempre impacto. Enquanto continuarmos a ser um país seguro e tivermos esta qualidade excelente, vamos continuar a ser um local preferencial. Mas nós não controlamos as questões climáticas.

    Mas há sinais de que o Algarve, por exemplo, pode ser prejudicado por causa do aquecimento global?
    O Algarve tem o problema da água e já se estão a tomar medidas. Temos é de tomar medidas, para não sermos prejudicados. E os empresários estão muito conscientes desta necessidade. A AHRESP tem vários programas dedicados à sustentabilidade para ajudar os empresários na eficiência hídrica e energética, na procura dos produtos de proximidade e de época. Temos o programa Seleção Gastronomia e Vinhos em que ajudamos os empresários a diminuir a pegada e a não desperdiçar, relacionado com a questão do desperdício alimentar.

    E no qual também estão envolvidos.
    Estamos envolvidos, sim. O próprio Turismo de Portugal tem um Programa 360, que ajuda as empresas a caminharem para o famoso Reporte de Sustentabilidade, que é um problema, porque estas microempresas vão ter de o fazer. Estamos num mundo de muitos desafios. Vivemos um mundo difícil. Depois, a burocracia de tudo aquilo que diz respeito à legislação que é produzida para estes setores e que também é complexa. No que diz respeito à sustentabilidade, então, temos aqui uma burocracia e complexidade que é preciso desconstruir.
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