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Tornar a aviação sustentável

O transporte aéreo é responsável por cerca de 3 a 4% das emissões de carbono. Com uma dificuldade: as companhias aéreas não podem simplesmente eletrificar a frota. Mas já há quem esteja a trabalhar no avião do futuro e em formas de, até 2050, ser neutro em carbono.

08 de Junho de 2022 às 11:00
Getty Images
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É inegável que, nos últimos anos e muito fomentado pelo aparecimento das companhias aéreas “low-cost”, houve um “boom” nas viagens aéreas. Mas qual o impacto dos milhares de voos que são feitos diariamente? É uma viagem de avião sustentável? Francisco Ferreira, presidente da Zero, tem uma visão muito clara: a aviação europeia tem um problema climático crónico: entre 2005 e 2019, o tráfego aéreo cresceu 67% e as suas emissões de dióxido de carbono (CO2) cresceram 24%.

A não ser que sejam tomadas medidas imediatas, alerta o ambientalista, as emissões da aviação deverão crescer mais 38% até 2050, mesmo com melhorias na eficiência das aeronaves. “À escala mundial, se a aviação fosse considerada um país, seria o sexto com maiores emissões”, afirma, acrescentando que em “Portugal, se considerarmos os voos (apenas num sentido), a aviação foi responsável por 4,75 milhões de toneladas de dióxido de carbono, mais de 8% do total de emissões do país”.

“Somos muito visíveis para todos”, reconhece David Morgan, diretor of flight operations da Easyjet, referindo que, por isso mesmo, provavelmente as pessoas devem pesar que os valores são superiores.

A questão da sustentabilidade na aviação prende-se com o facto de as emissões por quilómetro serem das mais elevadas e, principalmente, do número total de quilómetros em comparação com outros meios de transporte ter um significado enorme.

Mas quer isto dizer que não houve evolução (positiva) nos últimos anos? Em grande medida, sim. Em parte pelo fim da expansão dos aeroportos na Europa, que impulsionou grande parte do crescimento das emissões, mas também pela redução das viagens em trabalho para metade dos níveis pré-Covid – somente esta redução nas viagens em trabalho fará reduzir as emissões em cerca de 32,6 milhões de toneladas de CO2 até 2030, o equivalente a retirar 16 milhões de automóveis poluentes da estrada. No entanto, Francisco Ferreira alerta que a redução nestas viagens não será suficiente para termos uma aviação neutra para o clima até 2050; “para isso, precisamos de uma série de medidas vinculativas”.

O problema, acrescenta David Morgan, é que, ao contrário de outras indústrias, a aviação não pode simplesmente eletrificar a frota. “As leis da física estão contra nós, nesse aspeto.”

O que as companhias estão a fazer

Quer isto dizer que não se está a fazer nada? Não. Para Francisco Ferreira, as companhias aéreas estão a trabalhar na matéria, mas de uma forma ainda muito limitada em termos de atuação. “Estão efetivamente a decorrer muitos investimentos em investigação e desenvolvimento mas sem se querer intervir na redução da oferta que é um fator fundamental no combate às alterações climáticas nos próximos anos. O investimento principal imediato tem sido na substituição de parte do querosene por biocombustíveis cuja sustentabilidade é duvidosa se forem de primeira geração”, constata o presidente da Zero.

Basicamente as companhias estão a tentar atuar, em simultâneo, em várias vertentes. Por um lado – e essa é a fase mais visível para o passageiro – na criação de uma experiência de viagem mais sustentável para o cliente.

No caso da Iberia, por exemplo, passa pela digitalização dos serviços, a eliminação progressiva dos plásticos a bordo, o desenvolvimento do sistema de gestão de resíduos e a possibilidade de compensar a pegada de carbono dos voos. Algo que, revela a companhia, por enquanto ainda só está disponível para os clientes empresariais, mas que “esperamos disponibilizar em breve a todos os clientes”, refere Teresa Parejo, diretora de Sustentabilidade na Iberia. A par disso, a empresa espanhola aposta na formação e sensibilização dos funcionários, assim como no apoio a projetos de I&D que forneçam soluções para os desafios da aviação, através da Cátedra Iberia, e também destacando o valor do que a nossa atividade oferece, medindo o impacto das suas rotas (em termos económicos e de emprego) e explicando a sua importância para garantir o bem-estar da sociedade, ligando-a, mais uma vez, ao nosso propósito.

Já a LATAM, explica Thibaud Morand, diretor-geral Europa LATAM Airlines, definiu uma estratégia que assenta em três frentes: alterações climáticas, economia circular e valor partilhado. “Procuramos estabelecer um caminho para sermos uma empresa neutra em carbono até 2050 e para isso estamos a avançar com várias iniciativas, tais como o programa de eficiência de combustível, que nos permite implementar medidas centradas na utilização eficiente do mesmo para reduzir as emissões. Nos 10 anos de implementação, permitiu ao grupo alcançar um aumento de 5,3% na eficiência”, refere o executivo.

A par disso, e na vertente da gestão das alterações climáticas, a companhia quer atingir 5% de utilização sustentável de combustível até 2030, dando prioridade à produção local. Por outro lado, apoia projetos de conservação e reflorestação em ecossistemas estratégicos, ao mesmo tempo que incentiva os clientes empresariais a compensarem as suas emissões através de projetos de conservação na região. Mas talvez a parte mais visível seja a separação do plástico e do alumínio que é utilizado nos voos e ao qual é dado um novo destino através da reciclagem em conjunto com organizações parceiras Este programa é atualmente implementado em voos domésticos no Chile, Peru e Equador. “Na Colômbia, o processo é diferente, uma vez que os resíduos são segregados no solo”, explica Thibaud Morand, que acrescenta que a empresa tem também um programa de reciclagem uniforme “que permite dar uma segunda vida às peças de vestuário não utilizadas e gerar um impacto socioambiental em conjunto com artesãs de toda a região”.

A Easyjet, por seu lado, definiu como objetivo para 2050 ser neutra em carbono. E, para o conseguir, está a trabalhar em duas vertentes. Nas medidas que podem ser implementadas imediatamente. E uma das mais visíveis passa pela substituição da frota por aviões de nova geração, mais eficientes e menos “consumidores” de combustível. “As novas aeronaves são cerca de 15% mais eficientes em termos de consumo de combustível, afirma o diretor of flight operations da Easyjet. Sem esquecer a forma como opera os aviões e a velocidade a que eles voam. Tudo isso tem impacto no consumo e, consequentemente, na pegada de carbono. A par disso, a empresa está a trabalhar em conjunto com a Airbus no desenvolvimento do avião do futuro, diga-se a funcionar a hidrogénio – que deverá ser apresentado daqui a 10 anos. Nessa altura, a Easyjet tenciona substituir toda a sua frota (de forma faseada) para estas novas unidades.

O problema do combustível

Por muito que as companhias tentem aumentar a eficiência da operação e renovem a frota para aeronaves mais modernas só isso não chega. Porque o grande problema é o combustível utilizado. Se em terra, e em termos individuais, já se utiliza a mobilidade elétrica, isso não é viável quando se fala de aviação. Está a solução no hidrogénio verde? Na opinião de Francisco Ferreira, o mais promissor entre os vários combustíveis sustentáveis combustíveis é o querosene sintético, produzido a partir de hidrogénio verde e de CO2 capturado a partir do ar. No entanto, alerta o ambientalista, os níveis de produção de querosene sintético são ainda demasiado baixos e os custos são atualmente demasiado elevados, algo que os reguladores da UE podem resolver através de políticas públicas apropriadas.

Sobre este tema, Thibaud Morand refere que a LATAM se comprometeu a incorporar 5% de combustível de aviação sustentável (SAF) até 2030. “Este é um tipo de combustível não convencional, produzido a partir de matérias-primas renováveis ou derivadas de resíduos que cumprem os critérios de sustentabilidade. A variedade de matérias-primas é ampla e pode incluir óleos alimentares, gorduras, resíduos municipais e resíduos agrícolas, entre outros. Além disso, existem alternativas como o hidrogénio verde, que também pode ser utilizado para produzir PBS, embora – por enquanto – não seja comercialmente viável para este fim devido ao seu alto custo e baixo volume de produção”, explica o diretor-geral Europa LATAM Airlines, que acrescenta que ambos os setores – público e privado – têm de trabalhar em conjunto. “Precisamos de promover o desenvolvimento da oferta a fim de gerar não só um impacto ambiental, mas também um crescimento económico na região. A LATAM está a participar ativamente nas mesas-redondas de diálogo e a assumir compromissos relacionados com a questão”, refere.

Já Teresa Parejo, da Iberia, tem uma opinião diferente. Para a executiva, as novas fontes de energia, tais como a introdução de hidrogénio na aviação, começarão com aeronaves mais pequenas e de menor alcance e isto levará alguns anos, pelo que não é uma solução que possa ser aplicada a todos os voos e não imediatamente. “A utilização de energias alternativas será também uma mudança de jogo, mas precisamos de esperar que estas aeronaves sejam concebidas, comercializadas e produzidas a preços acessíveis”, afirma, acrescentando que atualmente, as únicas soluções reais e possíveis que podemos incorporar hoje para fazer avançar a descarbonização do setor são a utilização de combustíveis de aviação sustentáveis e a eficiência nas operações.

Mas, antes de mais, há que modernizar o sistema mundial de tráfego aéreo, aponta David Morgan, que explica que hoje se perde muito tempo em rotas não diretas, mas sim a andar em círculos. O que gasta combustível e é mau para o ambiente. “A modernização poderia significar uma poupança de uns 10.” Ou seja, não basta modernizar os aviões e as operações. Há também que pensar nas atividades que rodeiam a aviação e que contribuem para um negócio menos sustentável. Porque o avião não vai desaparecer. Porque as viagens de avião, principalmente a média/longa distância, continuam a ser necessárias e sustentáveis.

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