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Tiago Santos: “É preciso saber conversar com a inteligência artificial e ser crítico”

Tiago Santos espera que a prazo as empresas percebam a vantagem da partilha de dados, sem receios de estarem a revelar segredos do negócio.

23 de Outubro de 2024 às 12:30
Miguel Baltazar
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    Bilhete de identidade Idade: 38 anosCargo: CEO e fundador da Enlitia (desde 2023); diretor da equipa de IA da SmartWatt (2019-2023)Formação: Pós-graduação na Porto Business School (2015-2016); Engenharia Electrónica, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (2004-2009)

    Aplica a inteligência artificial ao setor energético produzindo algoritmos que permitem detetar quase de imediato que a turbina de uma eólica está a funcionar mal ou antecipando a produção de um parque de energia renovável. O presidente e fundador da Enlitia é o convidado desta semana das Conversas com CEO, integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista de mais de meia hora que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Tiago Santos diz-nos o que faz a Enlitia, identifica os seus objetivos de internacionalização e fala-nos de inteligência artificial, de como pode ser utilizada e das competências que são necessárias para a bem usar. 

    Como começou o seu interesse por esta área que liga a energia à inteligência artificial? 
    Foi o acaso. Existe aqui uma influência grande do professor Cláudio Monteiro, que me incentivou a olhar para a inteligência artificial (IA). A minha tese de mestrado já foi trabalhada para a REN, por causa da variabilidade que a energia eólica estava a trazer para a rede. O principal objetivo era ver como conseguíamos antecipar a produção, para ajudar o operador de rede a melhorar e a otimizar toda esta entrada. 

    E depois entrou na SmartWatt?
    Foi o desafio do professor Cláudio Monteiro. A SmartWatt é um "spin-off" da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Após concluir a tese, dei ali continuidade à pesquisa iniciada. Desde então, a integração entre energia e IA tornou-se um pilar do nosso trabalho. Podemos afirmar que fomos pioneiros, de certa forma, na aplicação da inteligência artificial ao setor energético. 

    O que o motivou a ficar com a Enlitia?
    A Enlitia começou como um departamento da SmartWatt. Fornecíamos serviços a grandes empresas de produção e distribuição de energia. E percebemos que não nos devíamos focar apenas em algoritmos de previsão de potência, que o verdadeiro valor estava nas energias renováveis, eólica e solar. É aqui que surge a Enlitia. A nossa ambição era internacionalizar e precisávamos de criar uma marca. Como estávamos a introduzir no mercado uma ferramenta que alterava processos, o primeiro ponto a emergir é a desconfiança: ‘Porque devo mudar, se fiz isto da mesma forma nos últimos 10 anos?’. Temos de demonstrar o valor da ferramenta e a forma de o fazer é mostrar resultados. As pessoas precisam de entender o que está atrás do processo e assim começam a perceber que o algoritmo também lhes pertence. Os algoritmos que desenvolvemos são treinados com dados influenciados por essas mesmas pessoas. 

    E como se consegue maximizar a produção e reduzir a variabilidade?
    Imagine um gestor de parques eólicos que tem de gerir mil turbinas, com cada vez mais sensores a gerarem uma quantidade significativa de informação. O principal objetivo desse gestor é garantir que, quando há vento, a turbina está disponível para produzir energia e vender à rede. A Enlitia desenvolve algoritmos que permitem detetar se alguma turbina está a produzir abaixo do esperado, informando imediatamente o utilizador. Num parque desta dimensão, a diferença entre saber que uma turbina está com problemas em 15 minutos, ou em duas horas ou três dias, é significativa. A energia perdida nesse intervalo de tempo é muito grande. 

    Permite que se verifique imediatamente o que está a acontecer.
    Exatamente. Depois, há a questão da variabilidade, que consiste em tornar a energia renovável mais previsível. Isto está relacionado com a capacidade de prever o que irá acontecer nos próximos dias, considerando, entre outros fatores, a meteorologia e as características das máquinas, painéis solares ou turbinas. Melhorando a previsão conseguimos reduzir os desvios de energia, definir qual é o melhor ponto de funcionamento do sistema. Quanto melhor for a previsão, melhor vai ser a minha previsão de oferta e menor os desvios que vamos ter de pagar. 

    Pode contribuir, por exemplo, para que não existam preços negativos na energia?
    Depende. Os preços negativos nem sempre são influenciados apenas por este tipo de processos. É natural que, com um aumento na produção de energia renovável, o valor diminua.  

    Os vossos clientes são fundamentalmente as grandes empresas, como a EDP e a EDP Renováveis. Como é que uma empresa como a EDP faz um "outsourcing" da gestão e otimização da sua produção de energia? 
    Geralmente uma empresa como a EDP Renováveis procura, em empresas como a Enlitia, alguém que pense fora da caixa. E a Enlitia tem a grande vantagem de trabalhar com múltiplas EDP renováveis, com processos e problemas distintos.  

    São os transmissores de conhecimento?
    Podemos ser algo desse género. Gosto de dizer tradutores. Por exemplo, se temos um cliente que só tem turbinas da marca A e outro B. Se o que só tem B, estiver a tentar montar um modelo com as duas marcas, tem muito pouca informação da marca A. E nós acabamos por trazer esse valor para dentro de uma empresa. 

    Mas as empresas querem que os seus dados sejam partilhados?
    Não há nenhuma transferência ou partilha de dados. Esses dados estão sempre protegidos, sempre do lado do cliente. Não utilizamos os dados do cliente A para treinar os modelos do cliente B. Mas, se existir uma ferramenta universal, ‘open source’, usada em A, poderá ser utilizada também para o B, mas treinando com os seus dados. Porque um modelo treinado num cliente A não funciona num B.

    Atualmente, ao considerar um novo investimento, a preocupação principal [de uma empresa] é com os dados.

    Este tema pode levantar questões de espionagem industrial?
    Não é esse o ponto. E existem dois motivos. Primeiro, os dados ainda não são partilhados entre empresas. No futuro, isso poderá ocorrer e trará valor, mas, neste momento, só se partilha conhecimento. Por exemplo, se um colaborador da empresa A se transfere para a empresa B, conhecendo um processo diferente poderá levar inovação. Focamo-nos na literacia sobre o funcionamento deste tipo de dados. As empresas não reconheciam os dados como um recurso valioso. Atualmente, ao considerar um novo investimento, a preocupação principal é com os dados. Percebem que serão fundamentais para evoluir, caso queiram adotar novas tecnologias ou sistemas híbridos, combinando energia eólica, solar e baterias. Sem os dados, não conseguirão desenvolver esse tipo de estratégia. 

    A prazo todos estes dados vão poder ser utilizados por mudança das regras?
    Não diria que são regras. É mais uma questão de os agentes do mercado perceberem que têm vantagens. Fala-se da anonimização dos dados, já que muitas pessoas pensam que, ao partilhar os seus dados, estão a revelar segredos do seu negócio. Ao conseguirmos demonstrar que essa percepção não é necessariamente verdadeira, podemos treinar um modelo que funcione como uma ‘caixa negra’, em que nem sequer sei quais os dados que estão lá dentro. 

    Já estão em Talim e em Bucareste. E porquê aqui?
    Temos uma política de identificar os melhores recursos humanos para as necessidades que temos. E estamos a desenvolver um produto com características que encontrámos em duas equipas desses países. Foi por essa razão que decidimos colaborar com esses parceiros.   

    Têm dificuldade em recrutar?
    Temos necessidades de recursos humanos altamente especializados. A área de software é um perfil bastante procurado. Além disso, é fundamental que os profissionais tenham alguma compreensão do setor energético. Quando uma pessoa não entende o conceito de energia, o tempo necessário para realizar as tarefas é maior, tornando a resolução de problemas mais complexa. A nossa taxa de retenção é de cerca de 85%. 

    Como convence as pessoas a ficar?
    Para além das condições, com salários na média do setor, o principal ponto para motivar é o propósito. À medida que a Geração Z entra no mercado de trabalho, é fundamental explicar o porquê das nossas ações. Precisam compreender porque estão a programar. ‘Porque me levanto às oito da manhã e trabalho até às oito da noite para bater código?’ 

    A própria IA também ajuda agora a "bater código"?
    Utilizamos diariamente o ChatGPT e outras ferramentas de IA para diversas finalidades. Por exemplo, trabalho repetitivo, como escrever quatro textos da mesma maneira, posso pedir à IA que produza essas quatro versões. Também recorremos à IA para realizar pesquisas, que anteriormente fazíamos no Google. Em vez de abrir vários links, posso simplesmente perguntar ao ChatGPT: ‘O que achas? Como é que isto funciona?’ Como recebo um texto previamente construído, é importante ter cuidado, preciso analisar criticamente o conteúdo desse texto. Não posso simplesmente copiá-lo e usá-lo. 

    A IA vai exigir que se desenvolvam mais aptidões de análise crítica da informação?
    Sem dúvida. Isso requer duas coisas. Primeiro, é preciso saber conversar com a inteligência artificial, o que é conhecido como ‘prompt engineering’, a maneira como faço as perguntas. Em segundo lugar, ser crítico para avaliar se o que obtenho é relevante e se necessito de fazer adaptações, ou se posso utilizá-lo tal como está. Essas são as duas principais competências que todos devemos aprender. A IA torna todos mais eficientes, dependendo da forma como a utilizamos.  

    E vai criar desemprego?
    Não acredito que isso aconteça. Vai criar oportunidades e as pessoas que não se adaptarem não conseguirão trazer valor ao mercado. É semelhante ao que ocorreu quando se tornou necessário trabalhar com computadores: quem não sabia utilizá-los enfrentou dificuldades. Teremos empregos mais qualificados, com profissionais mais capacitados para resolver problemas complexos.

    Temos cinco países-alvo para a nossa internacionalização: Itália, Espanha, França, Alemanha e Reino Unido.

    Como vê a Enlitia daqui a cinco ou 10 anos?
    Estamos num processo de internacionalização e desejamos democratizar estes algoritmos, permitindo que outras empresas também os utilizem. O nosso objetivo principal é ver a Enlitia a destacar-se, especialmente na Europa. Neste momento, temos cinco países-alvo para a nossa internacionalização: Itália, Espanha, França, Alemanha e Reino Unido. Têm uma literacia semelhante à de Portugal, ou seja, compreendem o valor destes algoritmos, possuem necessidades semelhantes e têm acesso a dados, fundamentais para este processo.   

    Vivemos momentos de grande mudança na geografia política do mundo e temos a Europa rodeada por duas guerras. Que impactos antecipam? A transição energética e digital pode atrasar-se?
    A Enlitia ainda não sente isso. Mas diria que vão existir atrasos. A instabilidade, que se manifesta através da guerra, cria incertezas financeiras. Isso pode atrasar decisões, uma vez que os clientes estarão a tentar compreender se ocorrerão mudanças significativas ou não. Neste momento, ainda não sentimos esse impacto, mas acredito que, a longo prazo, isso influenciará o nosso processo.






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