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Stuart Kirk: “A reação negativa ao ESG já começou”

Ex-gestor de ativos do HSBC desafiou a ortodoxia do discurso e agitou águas. Agora, vai estar numa conferência do Negócios sobre governação.

Negócios 11 de Janeiro de 2023 às 15:00
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A cultura "woke, em que se inclui o cancelamento de todos os que questionem os caminhos das estratégias ambientais, sociais e de governação, está a prejudicar a rentabilidade das empresas", afirma Stuart Kirk. Hoje "na maioria das empresas, dedica-se uma enorme quantidade de tempo, de gestão e de funcionários a tópicos que não têm nada a ver com vendas, lucros ou retornos de acionistas". E, diz, isto acontece especialmente na Europa, o que, na sua perspetiva, explica o atraso das empresas europeias relativamente às norte-americanas. Colunista do Financial Times, gestor de ativos do HSBC, viu-se obrigado a demitir-se depois de uma intervenção crítica sobre estratégias de investimento focadas em questões ambientais. Nesta conversa com o Negócios, realizada por email, salienta que não põe em causa o risco climático, "acredito nos cientistas", diz. O que discute é o risco de um investimento associado ao clima. Lamenta a falta de espírito crítico, mas reconhece que depois da sua intervenção se começou a debater de forma mais aberta as estratégias de investimento sustentável. E já começou uma reação negativa que tem a vantagem de permitir um debate mais aberto.


Que efeitos é que a guerra e as mudanças geopolíticas estão a ter nos investimentos e nas estratégias ESG das empresas?

Depende de como se define ESG. Mas é justo dizer que a guerra teve dois grandes impactos nas empresas e nas pessoas que investem nelas. Primeiro, independentemente do que as pessoas dizem, diminuiu a urgência em passar de fontes de energia fósseis para renováveis, enquanto os países, especialmente na Europa, tentam garantir a segurança energética. Acho que isso é justo. A transição nunca será linear e os imprevistos surgem sempre, por mais inconvenientes que sejam. Dito isto, a segurança energética também inclui fontes de energia renováveis e a guerra também estimulou as despesas nesse setor, o que é uma boa notícia. Em segundo lugar, qualquer coisa relacionada com a Rússia tornou-se praticamente inviável para a maioria dos gestores de ativos, mesmo se os mercados forem acessíveis. Para mim, isto abre uma enorme caixa de problemas no futuro. Porquê a Rússia e não a China?

Estamos numa "autoestrada para o inferno climático", disse o secretário-geral da ONU, Guterres. Será um exagero?
Embora seja um grande fã de AC/DC [ referência a "Highway to Hell" da banda], não sou climatologista, por isso não posso dizer se o secretário-geral está correto ou não. Espero que não. Tudo o que posso dizer é que não estou certo de que assustar as pessoas tenha sido uma estratégia bem-sucedida – afasta muitas pessoas que poderiam ouvir e aprender.


O risco climático é subestimado? Ou não há risco climático de todo?

Na intervenção que fiz e que se tornou viral fui muito específico em relação ao risco de investimento decorrente das mudanças climáticas, e não ao risco climático em si. Como disse, não duvido dos cientistas. Eles são os especialistas. A minha chamada de atenção foi que, para o investidor médio, com uma carteira amplamente diversificada, o risco relacionado com o clima é pequeno em comparação com outros riscos que podem ter impacto nos retornos.


Então, por que motivo as estratégias ESG merecem tanta atenção na política, nas políticas e nos reguladores? Ou estamos já a assistir a um retrocesso, a uma reação negativa?

A reação negativa já começou, decididamente. E começou com pessoas como Tariq Fancy e eu. Sempre houve resistência ao ESG, mas só podia ser referida em privado, tal era a pressão no sentido do conformismo. Se alguma coisa mudou é que pelo menos agora é possível debater alguns dos problemas, o que talvez não fosse possível há um ano. Uma situação que só pode ser positiva.


Disse que "a cultura de cancelamento destrói riqueza e progresso." Como é que isso acontece? E já está a prejudicar o retorno do investimento?

Não tenho a menor dúvida de que toda esta cultura "woke", que inclui o cancelamento daqueles que a questionam, é prejudicial para os retornos. Na maioria das empresas, dedica-se uma enorme quantidade de tempo, de gestão e dos funcionários a tópicos que não têm nada a ver com vendas, lucros ou retornos de acionistas. Particularmente na Europa, o que é em parte o motivo pelo qual as empresas europeias ficam cada vez mais para trás em relação às empresas nos EUA.


O setor financeiro continua a pensar em financiamento sustentável dentro de uma bolha?

Argumentaria que a bolha financeira é única para o setor. Por um lado, a bolha é porosa. Os bancos emprestam dinheiro a pessoas e empresas e estão muito próximos das comunidades que servem, particularmente no setor da banca de retalho. Mas também há banqueiros a ganhar um milhão de dólares por ano que não entenderiam o mundo real se este os atingisse em cheio. Essa é a bolha assassina, de funcionários tão receosos de perderem os seus bónus e pagamentos "insanos" que farão ou dirão qualquer coisa (ou nada) para manterem o status quo. Ninguém questiona nada.


Como podem ser debatidas as finanças sustentáveis sem, como afirmou, "a falta de senso, hipocrisia, lógica descuidada e pensamento de grupo"?

É claro que essas coisas existem em todas as indústrias. O problema do financiamento sustentável está na baixa qualidade das pessoas – do ponto de vista do investimento. Ou entraram no tema cedo, quando ainda ninguém queria, ou têm uma formação muito pouco financeira. Isso é ótimo quando se está a falar com uma empresa sobre hidrogénio, mas não quando precisa de saber se a empresa está ou não sobrevalorizada. Mas não estou muito preocupado com este tópico. As coisas melhorarão rapidamente à medida que mais pessoas com conhecimento forem entrando no setor.


Qual pode ser a melhor estratégia de um investidor para lidar com as tendências ESG?

Se quiser fazer uma verdadeira diferença na sociedade e no planeta, precisa de compreender a diferença entre investir e negociar. Ao conceder ou retirar capital nos mercados primários, pode realmente alocar os fundos da maneira certa - através de empréstimos, crédito direto, capital de risco e capital privado. Por outro lado, comprar e vender ações não faz diferença alguma. A única maneira de alterar o comportamento das empresas nos mercados secundários, como as ações, é votar com as suas ações. Portanto, na minha opinião, os investidores não devem vender ações das empresas de que não gostam. Em vez disso, devem manter um lugar à mesa e tentar ajudar a empresa a mudar.


Costumava dizer que estamos a investir demasiado na mitigação e pouquíssimo na adaptação. Em que tipo de investimentos está a pensar?

Não devemos esquecer de que há pessoas que vivem felizes na Sibéria no inverno e no Médio Oriente no verão - talvez com uma diferença de temperatura de 100 graus. Vamos ser capazes de nos adaptar a tudo. É só uma questão de saber se o custo da transição é suportável ou não. Na minha opinião, será suportável, à medida que as tecnologias melhorem e os custos diminuam. Também existirão enormes oportunidades para os investidores. Estou a falar de sistemas de arrefecimento, tintas reflexivas, muralhas marítimas, edifícios eficientes, resiliência das culturas agrícolas, novos medicamentos, entre outros. O fundamental é manter as taxas de crescimento, para que os setores públicos e privados tenham recursos para que possam fazer os investimentos necessários. É por isso que se deve deixar as empresas em paz para obterem lucro.

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