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Cargo: Transdev Portugal, CEO (desde 2021), Arriva Portugal, (2019-2021), STEF (2003-19) - Especialista em transporte e logística
Formação: MBA pela Universidade Católica, Licenciatura em Economia, Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)o
A falta de motoristas na empresa tem sido resolvido com a seleção, transporte e formação de imigrantes, fundamentalmente do Brasil, São Tomé e Cabo Verde. O problema está no tempo que leva todo o processo administrativo para o recrutamento e legalização. Só seis a oito meses depois do início do processo é que o trabalhador pode começar a trabalhar, o que se "torna caríssimo" para a empresa. Palavras do CEO da Transdev, uma empresa que abrange todo o tipo de mobilidade, com maior concentração no Norte do país. Sérgio Soares é o convidado desta semana das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista de mais de meia hora, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, lamenta o atraso que o país tem na ferrovia e aborda temas como a transição para a mobilidade elétrica e os modelos que podem ser adotados para garantir o acesso a transportes públicos nas áreas de mais baixa densidade populacional.
Foi um acaso esta sua carreira no setor da mobilidade?
A minha carreira desenvolveu-se sobretudo na área da logística e do transporte e quase por acidente, desde 2019, na mobilidade. Em boa verdade encontro algumas parecenças com o que se viveu no setor logístico no final dos anos 90 e início de 2000, quando surgiram operadores logísticos liderados pelos grandes distribuidores. De alguma forma, a mobilidade vive hoje um momento de transformação e de enorme profissionalização. E de investimento naquilo que são os meios utilizados, com grandes equações relacionadas com a sustentabilidade e a transição energética. Em Portugal, durante um conjunto de décadas, o setor, nomeadamente o transporte público rodoviário, não teve grandes alterações. Aliás, as que existiram foram mais no sentido da sua redução. A possibilidade de as pessoas poderem ter o seu carro era uma aspiração, continua a ser – muito menos nos jovens –, e isso levou a uma certa regressão do transporte público.
E isso está a inverter-se, está a assistir-se a um "boom" do transporte público coletivo?
Sem dúvida. O que concorre para isso é uma noção da importância da mobilidade como um bem essencial na sociedade. As pessoas exigem ter uma certa mobilidade e há uma preocupação generalizada que esteja acessível em todo o território e a todas as pessoas.
Começa a estar na moda andar de transportes públicos?
Sentimos isso muito menos em Portugal do que em qualquer outro país da Europa Ocidental, por razões basicamente do atraso que temos. Mas o caminho está a ser percorrido.
O atraso é cultural ou as pessoas não aderem porque o transporte não existe?
São vários fatores. Falamos hoje muito da ferrovia e de metropolitano e do atraso na tomada dessas decisões. Temas como a habitação têm como possível solução melhor mobilidade, para as pessoas poderem escolher onde viver. Traria muito mais opções e também um território muito mais equilibrado. Não posso dizer que exista uma política de médio e longo prazo para a mobilidade, apesar das várias diretivas e intenções. Existem algumas iniciativas, nem sempre muito coordenadas e julgo que é isso que está em construção. Desde logo, na área rodoviária, com a capacitação das autoridades de transporte regionais, que estão a ganhar tração, competências e a aprender também com a primeira geração de concessões. Certamente que nos próximos anos começaremos a ter bons exemplos de mobilidade, adequada também às tipologias dos territórios.
Estamos a ter em Portugal a política certa de mobilidade?
A política é certa, porque segue as orientações internacionais e as necessidades da própria população. Da acessibilidade aos títulos de transporte, como também os passes gratuitos para jovens, são medidas na direção certa. Assim como o anúncio e a realização de investimentos, nomeadamente na ferrovia. Quase todas as ações, tirando as de infraestrutura que surgirão, são orientadas para a procura. O que está correto, mas é preciso atacar o tema da oferta.
E aí é que falhamos?
Sim. Os sistemas de transporte são baseados no número de utilizadores e as zonas mais carenciadas ou menos densamente populosas não conseguem ter o mesmo grau de financiamento para terem uma oferta adequada. É preciso atacar o tema da oferta, porque na prática se oferecemos um título de transporte a quem não tem transporte nada vai mudar. A pessoa continua dependente do seu carro.
O que é preciso fazer para aumentar a oferta dessas zonas menos povoadas?
As boas notícias é que quem determina a oferta num território são as autoridades autonomamente constituídas, sejam câmaras municipais, comunidades intermunicipais ou mesmo áreas metropolitanas. Há zonas do país que estão a fazer boas iniciativas. O que é que são as melhores soluções? É ter mais oferta. Uma vila a 40 quilómetros de uma cidade principal não pode ter só dois horários por dia.
E como é que a concessão rentabiliza essa maior oferta?
O transporte público não tem vocação para ser rentável. Tem vocação para prestar um serviço. As empresas, privadas ou públicas, têm o seu equilíbrio garantido. Se não há pessoas suficientes para garantir a sustentabilidade de mercado, então tem de vir da subvenção pública, como aliás também acontece nas áreas metropolitanas. É um financiamento para a coesão nacional e para a equidade no acesso ao transporte público. E não precisamos de replicar modelos do passado para ter soluções boas para a mobilidade das pessoas em zonas de baixa densidade.
Quer dar um exemplo?
Tipicamente fala-se muito do transporte dinâmico ou transporte a pedido. O transporte dinâmico são rotas com uma periodicidade diária elevada, mas com desvios que só são efetuados se forem necessários. Isso traz muita eficiência para o sistema. O outro exemplo é que o transporte público não tem de ser feito por um grande autocarro, pode ser um pequeno veículo. Há exemplos dispersos no país que são boas soluções para serem implementadas de uma forma generalizada.
Numa entrevista recente ao Negócios, o CEO da Transdev Europa disse que pretendem pedir o licenciamento como operador ferroviário em Portugal. Em que ponto estamos?
A Transdev é um grande operador ferroviário a nível europeu e mundial. E estando em Portugal tem essa ambição. Não depende de a empresa querer, é preciso haver oportunidades. Em Portugal há um plano ferroviário muito ambicioso, que faz falta ao país e à transição energética. A motivação da Transdev é poder participar nesse processo através da eventual abertura de linhas, existentes ou a serem construídas ou renovadas, em concessões ferroviárias. Mas estamos dependentes da vontade dos governantes.
Há outras áreas em que se querem expandir em Portugal?
Abarcamos todas as áreas da mobilidade nas cidades, em que com frequência se juntam a suave ou ativa, a ferroviária, as bicicletas. Há várias cidades no país a adotar uma política de trabalhar esses meios em conjunto, atribuindo a responsabilidade a um operador. Parece-nos um caminho correto e no qual estamos a participar. Temos exemplos em Barcelos e na Covilhã.
Na Covilhã têm os elevadores, o estacionamento, bicicletas…
Sim, bicicletas e trotinetes. [Em Barcelos] temos a rodoviária e também a mobilidade suave.
Quase todas as empresas de transporte rodoviário têm-se queixado da falta de motoristas. Têm procurando motoristas fora do país ou aproveitando os imigrantes que já cá estão?
A escassez de motoristas é uma realidade de vários países, para não dizer de todos os países desenvolvidos. E temos ambas as situações. Selecionamos, transportamos, formamos e capacitamos pessoas que vieram de fora do país e que acompanhamos até serem nossos trabalhadores.
De que países?
Com origem no Brasil, em São Tomé e em Cabo Verde. Uma das questões mais dramáticas, se assim posso utilizar esta expressão, para uma empresa como a nossa é o tempo que leva o processo administrativo. O que o torna caríssimo para uma empresa como a nossa, que assume desde o momento zero todas as responsabilidades sobre aquele trabalhador que só vai poder trabalhar seis ou oito meses depois.
Como é que está a vossa transição para a mobilidade mais amiga do ambiente?
Hoje, no setor da mobilidade, e especificamente no rodoviário, salvo exceções pontuais, um veículo de zero emissões não é a solução economicamente mais rentável. Esse investimento não se paga a si próprio. Os autocarros elétricos são ainda muito dispendiosos. O preço tenderá a aproximar-se de um autocarro a combustão, mas ainda não está lá. Então há duas formas de essa transição se efetuar. Uma é pela imposição da própria concessão que, quando é lançada, exige autocarros elétricos, concedendo as condições para que isso aconteça, seja em prazo, seja em remuneração. A segunda forma, que tem sido utilizada nos últimos anos em Portugal, é através de subvenções de candidaturas a fundos públicos que têm sido utilizados não só por empresas privadas, mas essencialmente pelas empresas públicas, que acabam por absorver a maior parte desse financiamento. São incentivos à troca de veículos a combustão por elétricos. Portugal não está sozinho nesse caminho, mas é lento e depende da cadência desses subsídios. A opção pelas concessões seria muito mais imediata e consequente.
E o vosso grupo tem-se candidatado a esses fundos?
Sempre que eles surgem, candidatamo-nos porque temos todo o interesse na descarbonização da nossa frota, o mais rápido possível. Fizemos um investimento elevadíssimo em frota nos últimos quatro anos, de mais de 50 milhões de euros. Parte desse montante foi para veículos elétricos, não tanto quanto gostaríamos, porque a decisão, para ser racional, tem de estar associada a uma daquelas situações, ou à exigência da concessão, ou a existência de um suporte.
Se mandasse, quais eram as duas medidas que adotava?
Uma pergunta poderosa. Por trabalharmos muito com áreas do interior, e o interior não acontece só no interior do país, também há interior no litoral, assegurava a todos os nossos concidadãos iguais oportunidades de acesso a um transporte público como existe na área metropolitana de Lisboa ou do Porto. É uma medida que teria um impacto mais equitativo e mais justo para quem vive fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. A segunda dimensão seria a possibilidade de Portugal ter efetivamente ligações ferroviárias à altura da sua necessidade, o seu potencial e o standard europeu. Os planos ferroviários existentes são bons, mas têm de se concretizar. São muitos anos sem se concretizarem em tempo útil e Portugal tem perdido muito com esse atraso.