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Sandrine Dixson-Declève: “A economia já não está ao serviço das pessoas, está ao serviço dos acionistas”

Sandrine Dixson-Declève critica o modelo de funcionamento da economia baseada na produtividade, que põe em segundo plano os interesses das pessoas e do planeta.

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Sandrine Dixson-Declève, copresidente do Clube de Roma

Sandrine Dixson-Declève é crítica quanto ao modelo de funcionamento da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP) que visa encontrar consensos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e, consequentemente, o aquecimento global. Refere que os interesses económicos se sobrepõem aos interesses da humanidade e da natureza.

O Clube de Roma publicou o relatório "Os limites do crescimento" em 1972. Que lições é que o mundo não aprendeu desde esse primeiro relatório? Passaram 52 anos.
A grande lição que o mundo não aprendeu foi o facto de não podermos continuar a aumentar a produtividade. Não podemos continuar apenas a promover o crescimento. A economia já não está ao serviço do planeta ou da prosperidade das pessoas, está ao serviço dos acionistas. A monetização de tudo, o facto de as transações financeiras terem tomado conta de tudo é a razão pela qual temos o presidente que temos hoje. Estamos a assistir a uma privação dos direitos das pessoas, estamos a ver que as pessoas não estão a receber o apoio de que necessitam nas nossas economias. E esta é a razão pela qual precisamos de nos afastar da produtividade. Tudo o que foi previsto no livro "O Limites do Crescimento" está a revelar-se.

Mas como é que as empresas se podem afastar dos lucros? Está no seu ADN.
Não se trata de lucro. O que está em causa é o lucro exorbitante. Desde a publicação deste relatório e até hoje, os vencimentos dos diretores executivos cresceram 1.400% nos Estados Unidos. É por isso que temos tantos bilionários e milionários. Enquanto que os salários dos trabalhadores aumentaram apenas 18%. Não me podem dizer que isso tem a ver com lucro. Trata-se de uma extorsão. Portanto, o que está em causa é saber quanto é que é suficiente. E tem a ver com o facto de termos permitido que um sistema se tornasse completamente imoral.


Não podemos continuar apenas a promover o crescimento. A economia já não está ao serviço do planeta ou da prosperidade das pessoas.
É crítica do modelo das Conferencias do Clima. Se pudesse reformar o modelo da COP, o que mudaria?
Depois de Sharm el Sheikh, escrevi uma carta sobre a reforma da COP ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e ao secretário-geral da UNFCCC, Simon Stiell, entre outros. O que dissemos nessa carta é que as COP se tornaram circos. O facto é que não há possibilidades de comunicação. Já sabemos que o Presidente do Azerbaijão celebrou contratos com empresas petrolíferas e de gás durante as negociações preliminares e permitiu a vinda de muitas empresas petrolíferas e de gás. Sabemos também que, nas últimas semanas, ONG e cidadãos que protestavam foram atirados para a prisão. Por isso, a grande questão em relação às COP é que têm de deixar de ser uma feira comercial. Voltemos à execução e à implementação. É importante ter partes interessadas e atores não estatais. E temos de garantir que aqueles que são escolhidos para liderar o processo têm todas as reuniões que antecedem a COP para garantir um acordo. Essa é a primeira coisa a fazer. Mas não foi o que aconteceu nos últimos três anos. Para além disso, têm de garantir que cumprem os critérios relativos aos direitos humanos e que estão muito empenhados em alcançar ambição. E não são petroestados que apenas se preocupam em continuar a queimar energia para poderem ganhar mais dinheiro. O último ponto é a ciência. O nosso principal apelo é que tenhamos mais cientistas envolvidos e que cada umas destas reuniões e grupos de trabalho estejam ancorados na ciência e não em grupos de pressão.

A sustentabilidade não tem apenas a ver com o clima, mas também com justiça social. A justiça social entra nas COP?
Não. No que diz respeito à justiça social, em primeiro lugar, se olharmos para as perdas e danos, se olharmos para a forma como olhamos para os países vulneráveis, se olharmos para o facto de a Papua-Nova Guiné, por exemplo, ter decidido não vir ao Azerbaijão, é bastante claro que os países estão a começar, especialmente os mais vulneráveis, a ficar fartos porque não há justiça social. Não só não são reconhecidos como os mais vulneráveis e não recebem os cem mil milhões que lhes foram prometidos, como os fundos para perdas e danos são demasiado escassos. Para além disso, não há uma verdadeira conversa sobre os impactos de uma perspetiva social. É necessário proceder a um refinanciamento total e repensar as instituições, o FMI, o Banco Mundial, falar de anulação da dívida, garantir que se estabelecem relações comerciais que assegurem que os países não estão constantemente asfixiados por causa da dívida e a enviar todas as suas mercadorias e alimentos para o resto do mundo, enquanto o seu próprio povo passa fome, porque estão a tentar pagar os seus défices comerciais. Precisamos de refletir sobre o que isto significa. Há muitas formas de acabar com as perversidades do mercado, a começar por tributar o petróleo e o gás, ou os grandes operadores que estão a utilizar os nossos bens comuns globais e que nunca tiveram de pagar um imposto sobre esses bens comuns globais, que continuam a queimar emissões e não estão a ser penalizados por essa queima. E depois utilizar esse dinheiro não só para descarbonizar, mas também para garantir que podemos trazer o Sul global para esta jornada de mudança e que eles podem dar o salto e utilizar novas tecnologias e modelos de governação mais equitativos socialmente.

Portanto, não podemos ter uma transição ecológica sem uma transição social.
Sem dúvida. E vimos isso com os agricultores. O que dizemos é que a desigualdade está a aumentar e o bem-estar está a diminuir em todo o mundo. Volto à questão: porque é que não utilizamos o modelo americano? Porque não cria a equidade social correta ou a mudança ambiental. Mas penso que o mais importante é que temos de refletir sobre a forma como podemos reduzir essa desigualdade e que tipo de estruturas fiscais e económicas podemos criar. Temos a maioria das soluções, mas não temos a liderança corajosa. E também não temos a comunicação com os cidadãos para que possam compreender o que estamos a tentar fazer.
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