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Que o tempo está a mudar não há dúvida. Que a nível global se verifica uma escassez, cada vez mais notória, de água potável também é inegável. Portugal tem verificado uma alternância de períodos de abundância de água com seca extrema, com o Algarve a ser a região mais sofredora. Face a um cenário que não dá mostras de melhorar, há todo um conjunto de medidas que se podem levar a cabo.
Antes de mais, claro, não desperdiçar água. Isto significa, por exemplo, não deixar a torneira aberta quando não está a ser utilizada, mas também apostar na manutenção e renovação da infraestrutura. A par disso há outras medidas que podem ser usadas. Nomeadamente a reutilização das águas residuais - o termo mais correto, aponta Rita Maurício, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, é água reciclada, que acrescenta que o tratamento da água permite recuperar dois macronutrientes: o azoto e o fósforo.
A investigadora defende que o tratamento da água deve ser adequado à utilização que esta vai ter. Por exemplo, se a água tratada for utilizada para lavar estradas ou regar zonas ajardinadas, não é necessário tratar a água a um nível de tratamento que a torne equivalente a uma água de consumo.
Rita Maurício dá o exemplo de Tóquio que, na década de 80, "estabeleceu que todos os edifícios com mais de 19 andares teriam de estar dotados de canalização secundária dentro do edifício para que todos os autoclismos fossem descarregados com água reciclada". Convém lembrar, apontou a investigadora, que em Portugal a água que está dentro desses equipamentos é exatamente igual à água que bebemos. "Isto não faz sentido".
Segundo a Zero entre os fatores que condicionam - ou pelo menos colocam entraves - a utilização de águas residuais tratadas pelo setor agrícola destacam-se a falta de uma regulamentação clara e harmonizada a nível nacional e europeu, que defina os requisitos de qualidade da água, os critérios de monitorização, os planos de gestão de risco, e as responsabilidades dos intervenientes. A isto junta-se a necessidade de investimento em infraestruturas de tratamento, armazenamento e distribuição da água, que podem ter custos elevados e dificuldades de financiamento e ainda a perceção negativa relativamente à segurança e qualidade dos produtos agrícolas irrigados com água reutilizada, que pode afetar a sua aceitação e procura no mercado.
Ter diferentes tipos de água - com diferentes níveis de tratamento - implica investimento (a curto prazo significa que a água fica mais cara), mas, a longo prazo significa atenuar os problemas de escassez. Por outro lado, como lembra Sara Correia é necessário garantir que são cumpridos os requisitos de qualidade da água para reutilização, definidos pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 21 de agosto, e pelo Regulamento UE 2020/741, de 25 de maio de 2020, que estabelecem os parâmetros físico-químicos, microbiológicos e virológicos a respeitar, de acordo com o tipo de uso e o grau de exposição. Além de "garantir que é realizada uma análise de risco da utilização das águas residuais tratadas, identificando os potenciais perigos e as medidas de mitigação e garantindo uma regular monitorização da qualidade da água para reutilização", explica a ambientalista que acrescenta que, no que respeita a vantagens da reutilização de água estamos a falar sobretudo do contributo para a preservação de um recurso que é cada vez mais escasso e da eficiência na utilização desse mesmo recurso reduzindo-se a pressão que é exercida sobre os recursos hídricos subterrâneos e superficiais.
Rita Maurício aponta ainda que todo o processo tem de ser feito de forma transparente e comunicado à população. Porque quando isso não acontece as pessoas desconfiam e não aceitam. O processo tem de ser bem explicado - ao nível das vantagens, dos riscos e das várias utilizações. Só desta forma será aceite e utilizado pela população.
Entre Cascais e a rega dos campos de golfe algarvios
A utilização de água reciclada pode parecer uma novidade, mas não é. A prova é que já há vários projetos em curso em Portugal. O Município de Cascais, por exemplo, está a promover projetos de reutilização de água residual tratada da ETAR da Guia, tendo como potenciais usos a rega de espaços verdes e de campos de golfe, a lavagem de viaturas, o abastecimento de redes de incêndios, a lavagem de contentores de resíduos urbanos e a lavagem de espaços públicos. Segundo a Câmara, atualmente encontra-se em fase de contratação pública o Projeto de Execução da 1.ª fase da Rede de Distribuição de Água para Reutilização (ApR) de Cascais, cujo investimento total de implementação ronda os 2 milhões de euros, que visa a rega de vários espaços verdes. Os dados disponibilizados pela câmara indicam que numa primeira fase isto significa uma "poupança anual de consumo de água potável da rede pública na ordem dos 134 mil m3 para a autarquia e de 604 mil m3 de água potável com a adesão dos dois maiores consumidores privados do concelho".
O Algarve é simultaneamente a região que mais sofre com a seca e a que tem mais campos de golfe - normalmente apontados como um dos principais consumidores de água. Uma noção que Miguel Franco de Sousa, presidente da Federação Portuguesa de Golfe, desmente, apontando que os campos de Castro Marim, Salgados e San Lorenzo já utilizam água para reutilização na rega. Aliás, "muitos poucos são os campos que regam com água de rede", aponta, explicando que há vários projetos em curso em todo o país para a reutilização da água.
Miguel Franco de Sousa acrescenta ainda que no Algarve existe um projeto, com as Águas do Algarve e recorrendo ao PRR, que tem como objetivo 50% dos campos de golfe da região poderem vir a ser regados com água para reutilização. Por outro lado, e ao contrário do que muitos pensam, "apenas 6% da água que é consumida no Algarve é utilizada nos campos de golfe". Além de que os campos de golfe têm investido em tecnologia como sistemas de monitorização da evapotranspiração, de drenagem adequados à reutilização da água das chuvas, de monitorização da humidade em todos os pontos do campo de golfe, e de gestão de rega inteligentes. Sem esquecer a aposta em tipos de relva de clima quente, que necessita de menos água.
Antes de mais, claro, não desperdiçar água. Isto significa, por exemplo, não deixar a torneira aberta quando não está a ser utilizada, mas também apostar na manutenção e renovação da infraestrutura. A par disso há outras medidas que podem ser usadas. Nomeadamente a reutilização das águas residuais - o termo mais correto, aponta Rita Maurício, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, é água reciclada, que acrescenta que o tratamento da água permite recuperar dois macronutrientes: o azoto e o fósforo.
A investigadora defende que o tratamento da água deve ser adequado à utilização que esta vai ter. Por exemplo, se a água tratada for utilizada para lavar estradas ou regar zonas ajardinadas, não é necessário tratar a água a um nível de tratamento que a torne equivalente a uma água de consumo.
Rita Maurício dá o exemplo de Tóquio que, na década de 80, "estabeleceu que todos os edifícios com mais de 19 andares teriam de estar dotados de canalização secundária dentro do edifício para que todos os autoclismos fossem descarregados com água reciclada". Convém lembrar, apontou a investigadora, que em Portugal a água que está dentro desses equipamentos é exatamente igual à água que bebemos. "Isto não faz sentido".
A utilização de água na agricultura, em Portugal, é ainda praticamente inexistente. Sara Correia
Ambientalista da associação Zero
Sara Correia, da Zero, por seu lado, aponta que a reutilização de águas residuais tratadas apesar de viável e desejável, sobretudo em contextos de seca e escassez hídrica, é ainda uma prática pouco frequente, sobretudo se falarmos na sua utilização para rega agrícola. A ambientalista revela que apenas 1,2% das águas residuais tratadas em Portugal são efetivamente reutilizadas para fins não potáveis e maioritariamente em instalações das próprias entidades gestoras que as produzem, (lavagens de espaços exteriores, rega de pequenos espaços verdes, etc.) e apenas uma pequena parte se destina à rega de campos de golfe. "A utilização de água na agricultura, em Portugal, é ainda praticamente inexistente ou pelo menos, pouco expressiva, devido a um conjunto de fatores que limitam a sua expansão. Entre esses fatores podemos referir como principal fator a existência de outras fontes de água mais baratas e fisicamente mais acessíveis como é o caso das águas subterrâneas", afirma Sara Correia. Ambientalista da associação Zero
Segundo a Zero entre os fatores que condicionam - ou pelo menos colocam entraves - a utilização de águas residuais tratadas pelo setor agrícola destacam-se a falta de uma regulamentação clara e harmonizada a nível nacional e europeu, que defina os requisitos de qualidade da água, os critérios de monitorização, os planos de gestão de risco, e as responsabilidades dos intervenientes. A isto junta-se a necessidade de investimento em infraestruturas de tratamento, armazenamento e distribuição da água, que podem ter custos elevados e dificuldades de financiamento e ainda a perceção negativa relativamente à segurança e qualidade dos produtos agrícolas irrigados com água reutilizada, que pode afetar a sua aceitação e procura no mercado.
Ter diferentes tipos de água - com diferentes níveis de tratamento - implica investimento (a curto prazo significa que a água fica mais cara), mas, a longo prazo significa atenuar os problemas de escassez. Por outro lado, como lembra Sara Correia é necessário garantir que são cumpridos os requisitos de qualidade da água para reutilização, definidos pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 21 de agosto, e pelo Regulamento UE 2020/741, de 25 de maio de 2020, que estabelecem os parâmetros físico-químicos, microbiológicos e virológicos a respeitar, de acordo com o tipo de uso e o grau de exposição. Além de "garantir que é realizada uma análise de risco da utilização das águas residuais tratadas, identificando os potenciais perigos e as medidas de mitigação e garantindo uma regular monitorização da qualidade da água para reutilização", explica a ambientalista que acrescenta que, no que respeita a vantagens da reutilização de água estamos a falar sobretudo do contributo para a preservação de um recurso que é cada vez mais escasso e da eficiência na utilização desse mesmo recurso reduzindo-se a pressão que é exercida sobre os recursos hídricos subterrâneos e superficiais.
Rita Maurício aponta ainda que todo o processo tem de ser feito de forma transparente e comunicado à população. Porque quando isso não acontece as pessoas desconfiam e não aceitam. O processo tem de ser bem explicado - ao nível das vantagens, dos riscos e das várias utilizações. Só desta forma será aceite e utilizado pela população.
Entre Cascais e a rega dos campos de golfe algarvios
A utilização de água reciclada pode parecer uma novidade, mas não é. A prova é que já há vários projetos em curso em Portugal. O Município de Cascais, por exemplo, está a promover projetos de reutilização de água residual tratada da ETAR da Guia, tendo como potenciais usos a rega de espaços verdes e de campos de golfe, a lavagem de viaturas, o abastecimento de redes de incêndios, a lavagem de contentores de resíduos urbanos e a lavagem de espaços públicos. Segundo a Câmara, atualmente encontra-se em fase de contratação pública o Projeto de Execução da 1.ª fase da Rede de Distribuição de Água para Reutilização (ApR) de Cascais, cujo investimento total de implementação ronda os 2 milhões de euros, que visa a rega de vários espaços verdes. Os dados disponibilizados pela câmara indicam que numa primeira fase isto significa uma "poupança anual de consumo de água potável da rede pública na ordem dos 134 mil m3 para a autarquia e de 604 mil m3 de água potável com a adesão dos dois maiores consumidores privados do concelho".
O Algarve é simultaneamente a região que mais sofre com a seca e a que tem mais campos de golfe - normalmente apontados como um dos principais consumidores de água. Uma noção que Miguel Franco de Sousa, presidente da Federação Portuguesa de Golfe, desmente, apontando que os campos de Castro Marim, Salgados e San Lorenzo já utilizam água para reutilização na rega. Aliás, "muitos poucos são os campos que regam com água de rede", aponta, explicando que há vários projetos em curso em todo o país para a reutilização da água.
Miguel Franco de Sousa acrescenta ainda que no Algarve existe um projeto, com as Águas do Algarve e recorrendo ao PRR, que tem como objetivo 50% dos campos de golfe da região poderem vir a ser regados com água para reutilização. Por outro lado, e ao contrário do que muitos pensam, "apenas 6% da água que é consumida no Algarve é utilizada nos campos de golfe". Além de que os campos de golfe têm investido em tecnologia como sistemas de monitorização da evapotranspiração, de drenagem adequados à reutilização da água das chuvas, de monitorização da humidade em todos os pontos do campo de golfe, e de gestão de rega inteligentes. Sem esquecer a aposta em tipos de relva de clima quente, que necessita de menos água.