- Partilhar artigo
- ...
Ao mesmo tempo que quase 200 países do mundo estão ainda na COP 29 no Azerbaijão - com a "espada sobre a cabeça" para aumentar exponencialmente o financiamento dado pelos países ricos à luta contra as alterações climáticas -, e que o G20 se reúne no Brasil, a presidente do Clube de Roma, Sandrine Dixson-Declève, esteve em Lisboa esta quarta-feira para apontar o dedo a todos estes líderes mundiais por não estarem a fazer o suficiente para travar o aquecimento global e lutar contra as alterações climáticas.
Na mira da responsável estiveram o presidente do Azerbaijão, país produtor e exportador de petróleo e gás que este ano acolhe a conferência da ONU sobre o Clima, a nova Administração americana escolhida pelo recém-eleito presidente Donald Trump, as 20 economias mais ricas do mundo, mas também os CEO das grandes empresas mundiais.
Na sua intervenção na conferência "Garantir o Futuro - Que caminhos para a descarbonização, floresta, água e resíduos?", a primeira do ciclo de conferências sobre Sustentabilidade organizadas pelo Jornal de Negócios, Sandrine foi clara na sua mensagem: "Os grandes poluidores têm de pagar!".
Sandrine Dixson-Declève começou por criticar o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, por ter dito na abertura da COP29 que "o petróleo e o gás são dons de Deus", tal como o sol, o vento e a água, fontes de energia renovável. Isto, frisou, depois de o seu país ter assinado vários novos acordos de exploração e venda de energia fóssil na semana antes da COP arrancar em Baku com mais de 70 mil participantes vindos de todo o mundo. "Todos sabemos que é difícil abandonar a energia fóssil. Mas a hipocrisia de ter uma presidência da COP que defende a sua manutenção, é muito problemático", disse a copresidente do Clube de Roma.
"Temos hoje mais riqueza no mundo, mas esta vai apenas para alguns. São 2,8 mil milhões de dólares que a indústria do petróleo e gás lucra por dia, mas ninguém taxa isto. Quem deu às petrolíferas e outras empresas do setor o direito de explorar estes dons de Deus? Porque é que não é de todos?", voltou a instigar a oradora principal da conferência dedicada às temáticas ambientais.
Presidente do Clube de Roma
Quanto a Trump, que já avisou que uma das principais medidas que vai tomar em janeiro será voltar a tirar os EUA do Acordo de Paris, Dixson-Declève não mencionou diretamente o nome do novo inquilino da Casa Branca na sua intervenção, mas questionou: "Como é que as pessoas ainda estão a eleger Governos porque pensam que estes lhes vão dar melhores condições de vida, quando na realidade vão apenas garantir que a riqueza continua a ir apenas para uma minoria?".
Logo depois, avançou a resposta: "Quem vota na direita, não acredita nas alterações climáticas. Mas as pessoas que acreditam na ação climática estão dispostas a pagar, só que também não acham justo que sejam as únicas a fazê-lo".
As críticas de Sandrine não se ficaram por aqui e viraram-se ainda para as 20 economias mais ricas do mundo (G20), que esta semana deixaram bem claro, no Brasil, que vão continuar a financiar os combustíveis fósseis, e não vão, para já, apostar sequer no "phase out", ao contrário do que ficou acordado no texto final da COP 28, que teve lugar no ano passado, no Dubai.
"Sejamos muito claros: Quando falamos em salvar o planeta, não estamos a falar apenas de salvar os ursos polares. Estamos a falar de nos salvarmos a nós próprios. O que está em causa é a Humanidade. É por isso que é tão importante começarmos a falar sobre os elefantes na sala. E há muitos elefantes grandes e gordos sobre os quais não estamos preparados para falar", disse ainda.
O primeiro destes "elefantes", explicou, passa por saber a quem cabe a maior responsabilidade pelo CO2 que é emitido no mundo. "Sabemos que os 10% mais ricos são responsáveis por 50% das emissões. Somos nós, a Europa Ocidental e do Norte, os Estados Unidos e a China. Por isso é que na COP 29 já foi feito um apelo muito forte ao G20 para que tome uma posição clara sobre o aumento do financiamneto climático para os países mais vulneráveis aos efeitos climáticos", referiu Sandrine na sua intervenção. Em sentido contrário, frisa, "os 50% mais pobres do mundo recebem menos de 15% do total dos rendimentos, enquanto os 10% mais ricos recebem muito mais de 40%".
"São os extremamente ricos que detêm 60 a 80% das economias em certos países. Há riqueza mas a sua distribuição não está a acontecer. O outro elfante na sala é a nossa obsessão com o crescimento, com a produtividade, com o PIB, quando vemos que com um aquecimento global de cerca de 1,5°, já temos uma perda económica global potencial de 3% do PIB. Se subirmos para 3°, podemos mesmo chegar a uma perda de 10% do PIB. O custo da inação é enorme", alertou, sublinhando que enquanto estamos a olhar apenas para os números, "o bem-estar global está a diminuir".
Apesar de reconhecer que estamos a viver "tempos muito difíceis", a presidente do Clube de Roma defendeu a ideia que "podemos ainda construir uma Terra para todos, num planeta finito", e avançar para um novo "modelo de bem-estar".
"Estamos a viver os impactos da crescente tensão social e dos pontos de rutura sociais, a par dos pontos de rutura ambientais. Somos confrontados com muitos problemas complexos, com soluções potenciais, por isso há quatro anos juntámos um grupo incrível de cientistas e economistas para modelar este novo modelo", que evoluiu de uma lógica "Muito pouco, demasiado tarde" para "Passo de Gigante".
A líder do Clube de Roma deixa bem claro: "A nossa medida de desenvolvimento económico baseia-se na falsa promessa de que, com o crescimento do PIB, as pessoas estão a viver melhor. Como podemos ir além do PIB?". Este foi o mote para o desenvolvimento do modelo "Terra para Todos", um "guia de sobrevivência" para a Humanidade e uma agenda de mudança com vista ao bem-estar dentro dos limites do planeta.
Para isso, diz, há que promover e acelerar o desenvolvimento humano nos países de baixo rendimento através da reforma do sistema financeiro e comercial internacional; assegurar que os nossos sistemas energéticos reduzam as emissões de gases com efeito de estufa em cada década; transformar a agricultura de modo a que o sistema alimentar se torne cada vez mais regenerativo e sustentável e positivo para a natureza; e transformar o desequilíbrio de poder entre os géneros, de modo a capacitar as mulheres para terem acesso à educação, mas também à tomada de decisões.
Sandrine deu como exemplo a Finlândia, Islândia, Nova Zelândia, País de Gales e Escócia como países que adoptaram medidas que ultrapassam o PIB para proteger a sua economia contra choques e tensões.
"Temos de ser mais fortes nas nossas decisões sobre o planeta. Não se trata de uma visão romantizada, é de facto uma esperança. Temos de lutar por um compromisso, temos de responsabilizar os nossos dirigentes. E ter uma conversa aberta sobre os receios das pessoas. E talvez precisemos de arranjar mais psicoterapeutas", rematou.