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Que soluções para a habitação em Portugal?

Encontrar soluções para um dos principais problemas do país exige o envolvimento dos vários players do mercado, tanto públicos como privados. Ao Estado é exigida mais intervenção e de forma permanente.

12 de Dezembro de 2023 às 15:00
Ricardo Gomes, Sandra Marques Pereira, Vera Gouveia Barros e Patrícia de Melo e Liz no debate sobre habitação. Pedro Catarino
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O segundo debate da conferência ESG do Negócios dedicada ao desenvolvimento social incidiu sobre as soluções para a habitação em Portugal, tendo em conta que este é um dos principais desafios que o país enfrenta na atualidade.





Sandra Marques Pereira, socióloga com especialidade em habitação, começou por evidenciar a singularidade do Pacote Mais Habitação, que entrou em vigor há menos de dois meses, salientando que é "um mix de mais de 20 medidas que abarca o espectro de forma bastante equilibrada, que vai de uma intervenção mais estadista com regulação do mercado até uma intervenção mais fomentadora da promoção privada". Porém, sublinhou que estas medidas "necessitam de ser aperfeiçoadas em termos de desenho, envolvendo muitos dos atores que não foram envolvidos".



Dada a complexidade do tema, a socióloga evidenciou ainda que a habitação é "um dos problemas sociais mais prementes, que atravessa inúmeros grupos sociais, pelo que a pressão pública e política para ter soluções para a habitação é enorme e vai continuar a ser enorme". Sublinhou ainda que, esperando-se "e bem" uma maior intervenção do Estado na resolução das questões da habitação, "o que me preocupa verdadeiramente é as questões da governança e de como é que o Estado tem instituições capazes de dar resposta a desafios tão grandes", salientando que os organismos existentes "foram preparados para outras realidades".



Por outro lado, a transversalidade do Pacote Mais Habitação não convence Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da AECOPS - Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços, considerando-o "uma aspirina, que acerta em todas as coisas que toca, não vai fazer mal a nenhuma, mas não vai resolver problema nenhum na dimensão e na escala que o problema tem". Ricardo Pedrosa Gomes frisou também que "durante décadas o Estado esteve ausente" no que toca a investimento na habitação. E tendo em conta que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) pretende construir mais de 20 mil fogos em três anos, o presidente da AECOPS salientou que "objetivo não vai ser atingido", e mesmo se atingido "estaríamos a falar de 20% do problema".



Para Ricardo Pedrosa Gomes, o problema da habitação em Portugal "não se resolve só com o mercado e não se resolve só com o investimento público", para além de necessitar de tempo. "O Estado tem de fazer aquilo que não fez durante décadas. O PRR é um bom início, mas não chega e não chegará se depois não for consistente ao longo do tempo", defendeu.



Em termos de construçãod e fogos, o presidente da AECOPS estimou que ao ano se constroem cerca de 10 mil fogos, mas seria necessário construir 19 mil para repor o stock habitacional. Por outro lado, referiu que 76% da população é proprietária, porém "outra questão é saber se as casas têm as condições necessárias para uma população que envelhece", frisou.



Para Ricardo Pedrosa Gomes, o estado atual do país também não é favorável à construção. "As soluções no mercado da construção existem, mas se as pessoas não tiverem rendimento estamos a construir para quem? As empresas são incentivadas a construir para um mercado que responde", referiu. Uma situação que se grava junto dos mais jovens que não conseguem ter acesso à habitação.



Salientado que o Estado tem obrigação de arranjar soluções, Ricardo Pedrosa Gomes referiu, porém, que "quem vai realmente resolver o problema, como aconteceu no passado, é um mercado dinâmico e com capacidade". Até lá, "o gap de procura/oferta é muito grande e isso só poderia ser atenuado pelo mercado de arrendamento dinâmico, que não temos", acrescentou.



Sandra Marques Pereira salientou que o problema da habitação acontece também no resto da Europa, Canadá e EUA, entre outros, e centra-se sobretudo nos grandes centros urbanos e áreas turísticas. Além disso, "há uma tendência generalizada que é o aumento do arrendamento em detrimento do acesso à propriedade, por diversos fatores, entre os quais os cortes de acesso ao crédito, instabilidade profissional, etc.", explicou. Tendo em conta esta evolução, a socióloga defendeu que "as medidas devem concentrar-se muito neste setor do arrendamento que está a crescer".



A importância da informação

Como economista, Vera Gouveia Barros defendeu que o problema da habitação no país começa por "o diagnóstico não estar feito". Por isso, "é muito difícil ter políticas públicas para um problema que se desconhece", salientando que é preciso conhecer efetivamente quais são os problemas para se encontrar soluções para os mesmos. Caracterizando a habitação como "um bem profundamente heterogéneo em que o preço é definido por negociação entre as partes", a economista salientou que é preciso olhar para o preço "dessa forma especial". Ou seja, "observar que o preço está a aumentar diz-me muito pouco", pois é necessário olhar para uma multiplicidade de fatores para perceber a evolução do mercado.



Relativamente à dimensão do problema, tendo em conta que segundo os Censos 68% da população sem mobilidade vive em casas impreparadas, "isto também é um problema de habitação, porque o problema da habitação tem a ver com o desrespeito pelo direito à habitação consagrado no artigo 65º da Constituição", sublinhou Vera Gouveia Barros. Defendeu também que ter serviços de transporte e escolas para os filhos perto de casa é igualmente uma questão habitacional. "Uma política de habitação não pode ser só contruir casas", referiu a economista, defendendo que "falta pensamento estratégico" para solucionar o problema.



Destacou também que 27% da população vive na Área Metropolitana de Lisboa, algo que "não é saudável" e que tal se prende também com a falta de coesão territorial. "Quando se concentra 44% da população em duas áreas metropolitanas é provável que vá haver congestionamento habitacional". Por isso, referiu que é preciso perceber exatamente a dimensão do problema e em que circunstâncias ocorre. "Uma boa parte dos fogos vagos estão na região centro. É uma região onde as pessoas querem viver? E porque é que não querem?", questionou.



Patrícia de Melo e Liz¸ CEO da Savills Portugal, considerou também que o problema da habitação em Portugal é "um problema de falta de estratégia e de falta de comunicação entre os players do mercado". Criticou, aliás, que "o problema do Mais Habitação é não terem sido ouvidos previamente os players do mercado, que têm o conhecimento concreto de quais são as necessidades", recordando que os municípios também referiram não terem sido ouvidos. Para além disso, "esta falta de sentido de estratégia leva à falta de observação daquilo que resulta". Dando como exemplo o impacto do Vistos Gold no mercado da habitação, Patrícia de Melo e Liz salientou que estes espoletaram o mercado, "mas depois não se olhou para os movimentos que estavam a acontecer de forma a canalizar estes veículos de incentivo para outras situações ou zonas geográficas".



A CEO da Savills salientou que falta comunicação entre os municípios, Governo e empresas, defendendo que "esta questão de pensar que o lado social está dissociado do lado empresarial é um erro crasso, porque toda a dinâmica do mercado e da sociedade está interligada". Por isso, defendeu que deve haver "uma confluência e um diálogo permanente" entre as partes. Como exemplo positivo indicou o caso do Grande Porto, que se tem desenvolvido "de forma estrutural", na medida em que o Metro do Porto está a trabalhar em conjunto com as diversas câmaras para levar transportes públicos mais rápidos à população. "Isto é de uma importância extrema para a questão da habitação", frisou.



"Estamos a falar de câmaras que deixaram de estar a competir umas com as outras e neste momento estão a trabalhar em conjunto, de forma concertada, em muitas situações", elogiou a empresária, salientando que "este tipo de exemplos tem de ser uma inspiração para os nossos governantes e parceiros sociais".

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