- Partilhar artigo
- ...

Video Player is loading.
Bilhete de identidade Idade: 59 anos
Cargo: Neuraspace, Diretor de Negócio (desde 2021); Professor convidado, Universidade de Coimbra (desde 2008); Instituto Pedro Nunes, diretor de Inovação (2002-21)
Quando usamos o GPS ou as plataformas de streaming não imaginamos que isto é possível graças a milhares de satélites que andam à volta da terra – dez a doze mil. E que podem chocar uns com os outros ou com o lixo que a humanidade já fez no espaço, por colisão de foguetes e satélites. Mapear o lixo espacial, saber onde estão, segui-lo e alertar os operadores dos satélites quando existe um risco de colisão é o trabalho da Neuraspace, empresa nascida em Coimbra em 2020 que hoje presta serviço a cerca de 26 operadores de satélites. Convidado das "Conversas com CEO", Carlos Cerqueira revela-nos os projetos que concretizou e as oportunidades que se abrem com os investimentos que a União Europeia tem de concretizar nesta área. Numa entrevista de mais de meia hora, que pode ser ouvida na íntegra em podcast, o diretor de negócio da Neuraspace fala-nos ainda do investimento em dois telescópios realizado com recursos do PRR e como eles permitem que Portugal "perceba o que é que se passa por cima das nossas cabeças", num setor ainda dominado pelos EUA e crucial para a defesa.Cargo: Neuraspace, Diretor de Negócio (desde 2021); Professor convidado, Universidade de Coimbra (desde 2008); Instituto Pedro Nunes, diretor de Inovação (2002-21)
Como passou de um interesse pela arte e pelo marketing, para um negócio de tecnologia ligado ao espaço?
Tem tudo a ver. A inovação é aplicar a criatividade para resolver problemas concretos e, se estivermos no mundo empresarial, fazer negócio com isso. No Instituto Pedro Nunes estive a ajudar as empresas a encontrar modelos de negócio e a irem para o mercado. Em 2012, surge a oportunidade de trazer a incubadora da Agência Espacial Europeia para Portugal e encabecei esse projeto. E assim entrei na área do espaço, onde tudo é novo, mas continuamos a falar de empresas que querem resolver problemas concretos da humanidade e encontrar novos modelos de negócio e tecnologias para criar valor.
Que problemas concretos resolve a Neuraspace?
A Neuraspace trabalha com operadores de satélites. Hoje temos 10 a 12 mil satélites à volta da Terra. É ótimo. Ajuda-nos no dia-a-dia, com o GPS, as transações financeiras, as aplicações de streaming, internet em todo o lado, a condução autónoma. Mas à medida que se foi colocando satélites em órbita, também se foi criando lixo. E hoje temos também uma quantidade enorme de lixo à volta da Terra, a receita perfeita para enormes problemas se isso não for resolvido. Nós ajudamos os operadores de satélites a navegar pelo meio deste lixo, evitando que colidam com ele e uns com os outros. Estamos numa área de gestão do tráfego espacial e a entrar cada vez mais no domínio das operações no espaço.
Como é que o lixo apareceu?
Nos anos 50 não havia propriamente a ideia de sustentabilidade no espaço. E no período da Guerra Fria, EUA e URSS, houve a primeira corrida ao espaço. Claro que, a certa altura, começam as primeiras colisões. O lixo de que estamos a falar são pedaços de satélites e de foguetes. Hoje existe já a preocupação de que criar uma economia circular. Está previsto que no fim de vida, os satélites, ou entrem na atmosfera e queimem, ou vão para outras órbitas e desapareçam, não causando mais lixo. O que queremos é que esse lixo não aumente, que não haja mais colisões. E evitar esse cenário distópico, a síndrome de Kessler, uma espécie de colisão em cadeia em que se forma uma carapaça à volta da Terra, de pedaços metálicos, que impedem a exploração espacial. É um crime contra a humanidade que não podemos cometer para nós e para as gerações futuras.
E o vosso trabalho é fazer um mapa de tráfego e avisar os satélites de que há um lixo na sua trajetória?
Exato. Primeiro é preciso mapear os objetos, saber onde estão e segui-los. Quando, no cálculo das trajetórias, percebemos que as linhas se vão cruzar algures no tempo, emitimos uma alarmística para os nossos clientes, do género: daqui a sete dias há a probabilidade de existir uma colisão entre o seu satélite e o pedaço de ‘lixo XP-III’ ou o satélite ‘da empresa tal’. E vamos estando atentos. Com a afinação da informação podemos perceber que, afinal, vão passar um ao lado do outro, e aí evitamos manobras desnecessárias. Ou então é mesmo preciso fazer uma manobra e avisamos o operador de satélite. Se forem dois satélites é muito importante coordená-los, o que fazemos, não vá acontecer a infeliz situação de se moverem os dois para o mesmo sítio. E quem são os clientes? São aquelas empresas que, no final, têm a infraestrutura que depois vai dar informação, por exemplo, ao Google Maps. Temos como clientes a Agência Espacial Europeia, o operador de satélites português GeoSat e empresas nos EUA.
Como a Starlink de Elon Musk?
A Starlink não é nossa cliente. Os nossos clientes são, por exemplo, a Spire, o quarto maior operador de satélites comercial, e a Sidus Space. O que acontece com a Starlink é que temos de interagir com eles, porque têm quase metade dos satélites e muitos dos alertas de colisões são com eles. E se existir um risco de colisão com um cliente nosso e uma empresa que não é nossa cliente, temos capacidade para avisar ambos.
E é fácil conseguir clientes nesta área?
Não é fácil, mas nós fazemo-lo na mesma. Temos mais de 400 satélites na nossa plataforma, com cerca de 26 operadores de satélites. Portugal tem cada vez mais nome na área da tecnologia. E, nas atuais circunstâncias geopolíticas, o importante é estar num bloco político e num país credível. Temos clientes nos EUA, que podiam optar pelos nossos concorrentes, e escolheram-nos. Foi em Portugal que encontrámos os nossos primeiros investidores institucionais, a Armilar Venture, e que tivemos financiamento do PRR, 25 milhões de euros, para a nossa expansão, que nos permite contratar talento, adquirir infraestrutura e estar nos locais onde estão os nossos clientes com as melhores condições.
A Força Aérea Portuguesa tem sido vital para a nossa entrada no mercado da defesa.
A cibersegurança é para vocês muito importante? A cibersegurança não é a nossa área principal da atuação. Os nossos clientes só têm de confiar que o nosso sistema é seguro, que não somos "hackeados". Mas a questão do "spoofing "e do "jamming", de entrar num satélite, desviá-lo, alterá-lo e espiá-lo, é uma preocupação mais da competência do operador de satélites. O que podemos fazer de muito relevante, entrando na área da defesa, é identificar os objetos que andam à volta do nosso cliente ou da nossa área de soberania, que estamos a ajudar a proteger, e conseguir, através de inteligência artificial, identificar os padrões de comportamento e tentar perceber o que é que anda ali a fazer. E estamos a testar isso.
Que projeto foi financiado pelo PRR?
Chama-se Neuraspace, AI Fight Space Debris, ou seja, a inteligência artificial a combater o lixo no espaço. É um projeto que financia talento, mas também a aquisição de infraestrutura. Através do PRR adquirimos dois telescópios óticos que olham para os objetos. Um está em Beja, na base da Força Aérea Portuguesa que tem sido vital para a nossa entrada no mercado da defesa. Esse telescópio e a nossa informação não tem só um fito comercial, também é um instrumento de soberania para Portugal conseguir perceber o que é que se passa por cima das nossas cabeças. E depois temos outro, neste caso no Chile, que vê o hemisfério sul. Os dois já estão absolutamente operacionais.
Que papel já têm na soberania do País?
Neste momento é uma parceria com a Força Aérea Portuguesa, em que fornecemos os nossos dados para o que for importante. Os nossos telescópios e os nossos produtos estão ao serviço da Força Aérea Portuguesa.
Na área de mapear objetos no espaço, estamos muito ou quase totalmente dependentes da Força Aérea Americana. É importante que exista uma autonomia europeia
Vivemos um período em que a administração Trump está a romper com o equilíbrio geopolítico do mundo e a dizer para a Europa tomar conta da sua defesa. É uma oportunidade para a Neuraspace? A resposta mais objetiva é sim. Mas o esforço da autonomia da Europa nesta área do espaço já vem de trás, quando muito é acelerado pelas circunstâncias políticas atuais. Nesta área de mapear os objetos no espaço, ainda estamos muito ou quase totalmente dependentes da Força Aérea Americana, que tem um sistema público, que olha para os céus e dá informação a todos os operadores de satélites do mundo do que está a ver. Há um esforço europeu de autonomia desta área, com a EU SST, Space Surveillance and Tracking, e há empresas comerciais, como a nossa, que tendo as suas infraestruturas, vão captando dados e fornecendo esta informação. É importante que exista uma autonomia europeia nesta área, que consigamos perceber o que é que está acima de nós e proteger os nossos ativos no espaço.
Mas neste momento não conseguimos?
É um caminho que está a ser feito. Conseguimos parcialmente. E no novo pacote de 800 mil milhões de euros estará certamente uma parte dedicada a este sistema. Há esforços nesta área para criar infraestrutura própria europeia com uso dual, civil e militar. Estes dois telescópios que adquirimos, na grande escala das coisas, são um esforço pequeno. Mas, somando todos estes esforços, a Europa consegue ter também os seus olhos no espaço e atingir essa autonomia.
Que tipo de oportunidades é que essa autonomia pode abrir à vossa empresa?
A Europa vai lançar uma constelação que se chama Iris2 ou Iris2, um projeto de 10,6 mil milhões de euros, sobretudo dedicada a comunicações seguras mas também à defesa, à gestão de catástrofes… Há o Galileo, o Copernicus e há empresas europeias, como a Eutelsat que tem uma quantidade enorme de satélites em órbita, que precisam de ferramentas para serem protegidos, idealmente por empresas europeias. E é aí que nós entramos. Quer nos esforços civis como na defesa, vai haver necessidade de ferramentas para identificar, prever ameaças e de caminhar também para uma maior autonomia destas operações.
Qual é que é o vosso maior problema?
O nosso problema é termos capacidade para ter mais clientes num mercado que cresce, mas que tem, noutras geografias, empresas que estão apoiadas por contratos com a defesa, que são gigantescos. Há um financiamento, sobretudo nos Estados Unidos, neste momento, dessas empresas.
O Estado português devia fazer um contrato de defesa com a Neuraspace?
A resposta é sim. Mas a questão não é sermos apoiados por contratos públicos. A Europa tem de ter os chamados clientes âncora, que vão à frente e que, às vezes, pode ser o setor público, com produtos mais inovadores, com mais risco. Mas também acreditamos neste mercado comercial de onde aliás vêm os nossos principais proveitos. O nosso problema é o de qualquer empresa que quer ter um produto a nível global. Não somos os únicos, há muita concorrência, mas é um problema com o qual lidamos bem.
Não acha que o apoio da área da defesa é fundamental para darem o tal salto?
É e já o temos. A Força Aérea está connosco. É claro que precisamos de uma presença europeia mais forte. Mas estarmos com as Forças Armadas portuguesas dá-nos algo que neste setor é essencial, um selo de credibilidade. É importante que uma empresa seja reconhecida primeiro no seu próprio espaço e seja um parceiro credível da defesa nacional para depois chegar a outras geografias.