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Preservar a biodiversidade

Há algumas décadas os zoos de todo o mundo funcionavam como uma espécie de mostruário das espécies existentes. Hoje a sua missão mudou. A par da reabilitação de animais fruto de práticas como o tráfico, recolhem informações essenciais à manutenção e conservação da biodiversidade e preservação dos ecossistemas.

19 de Julho de 2023 às 13:00
O Oceanário de Lisboa nasceu em 1998, à boleia da Expo.
O Oceanário de Lisboa nasceu em 1998, à boleia da Expo. Bruno Colaço
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Há não muito tempo – apenas algumas décadas – os jardins zoológicos eram um mero depositário de animais enjaulados. E estava tudo bem. Era o normal. Hoje essa mentalidade não se coaduna com os valores atuais. E, na verdade, esses espaços evoluíram e hoje desempenham um papel fundamental na preservação da biodiversidade .

Como aponta o Oceanário de Lisboa, por ano mais de 700 milhões de pessoas visitam os zoos e aquários em todo o mundo. A organização afirma que mais do que atrações turísticas, estas instituições desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade e na sensibilização do público para a proteção da natureza. Opinião partilhada por Teresa Guedes, responsável pelo Zoo Santo Inácio que lembra que, nos anos 90, começaram a existir novas regras, novas leis de acomodação de animais, assim como de apresentação dos mesmos ao público. Foi precisamente nessa altura que nasceu o Zoo Santo Inácio – já ao abrigo da nova legislação – “um projeto criado pelo meu pai e pelos irmãos”, que fizeram questão que o zoo fosse um espaço onde os animais “fossem eles próprios”. Na prática, isto significa que os animais no Zoo Santo Inácio em Avintes, a 20 minutos do Porto, vivem em “habitats grandes, amplos, onde podem exibir os seus comportamentos naturais”.

Muito do papel desempenhado pelos espaços, como reconhece o Oceanário de Lisboa, passa pela promoção do conhecimento do oceano e inspirar a sociedade para a conservação do oceano e para a proteção da biodiversidade marinha. “Através do trabalho realizado pelos aquaristas, do financiamento a dezenas de projetos de conservação, em todo o mundo, e de um leque de atividades educativas com visitantes, para as escolas, para a comunidade e para as empresas, o Oceanário contribui diariamente para a conservação do oceano”, afirma o Oceanário de Lisboa, que acrescenta que “ninguém protege o que não conhece, por isso é importante criar ligações emocionais com um mundo submerso, que está inacessível à maioria das pessoas – mas de cuja conservação depende de todos”.

Na mesma linha, Teresa Guedes refere que os animais ao exibirem os seus comportamentos naturais e, às vezes, a estarem “escondidos” como se fosse no seu ambiente natural obriga os visitantes a procurá-los e a conhecê-los. Qual a vantagem? “Só protegemos aquilo que conhecemos”, refere a responsável do Zoo Santo Inácio, que acrescenta que toda a lógica do zoo assenta nessa premissa: conhecer os animais para, também, ajudar a salvá-los e a protegê-los.

Afinal, “um parque zoológico, hoje, não é apenas uma montra de animais, não é o lado comercial de que se falava antigamente”, refere, referindo ainda que hoje os parques não vendem ou compram animais.

As trocas que existem entre os jardins zoológicos de todo o mundo não envolvem trocas monetárias. A receita do Zoo Santo Inácio é obtida através da bilheteira, do “merchandising” e de todas as compras feitas nos espaços comerciais.

Trabalho em rede

“Os zoos e aquários públicos são instituições de conservação que trabalham em rede e partilham o conhecimento entre eles e com a ciência, permitindo que outras entidades e decisores políticos decidam em prol da conservação”, afirma fonte do Oceanário de Lisboa, que acrescenta que este trabalho conjunto inclui programas de reprodução, aquisição de conhecimento científico, cuidar de animais resgatados e até funcionar como «arcas de Noé», garantindo a sobrevivência de espécies ameaçadas.

O Oceanário de Lisboa dá um exemplo. As lontras que habitam no espaço da capital foram encontradas muito debilitadas no Alasca, sem as progenitoras; eram bebés e não tinham aprendido ainda comportamentos essenciais para sobreviver na natureza. Por essa razão, não podiam ser devolvidas à Natureza. O Oceanário de Lisboa financiou a recuperação destas duas lontras no SeaLife Center, no Alasca, e a vinda para o habitat do Oceanário, onde são embaixadoras da espécie e, através da sua história, sensibilizam milhares de pessoas anualmente.

Mais recentemente, o Oceanário acolheu cavalos-marinhos e marinhas que estavam ameaçados por degradação do seu habitat, na Trafaria. Já o Zoo Santo Inácio ficou sem dois dos seus residentes. A Valentina, cria de hipopótamo-pigmeu, partiu para o Zoo d’Asson, em França, onde irá formar a sua nova família com o intuito de dar continuidade à espécie, originando uma nova linhagem genética. Isto é importante dado que, como lembra o Zoo, a espécie hipopótamo-pigmeu pertence ao Programa de Reprodução EEP, no qual o Zoo Santo Inácio integra, tendo já contribuindo com 3 nascimentos. O outro residente, um veado das Filipinas, macho, por seu lado, rumou até ao Parc Merveilleux, no Luxemburgo.

“Cerca de 80% do conhecimento atual sobre a natureza terrestre vem de zoos, porque é praticamente impossível, por exemplo, estudar o comportamento de um tigre na natureza”, afirma o Oceanário de Lisboa. Opinião partilhada por Teresa Guedes, que refere que “para percebermos o que é um tigre na natureza temos de recolher dados, para conhecermos a espécie e podermos salvá-la”. Informação que depois é partilhada entre todos os zoos, todos os parques naturais e todas as reservas. Assim como pelos visitantes. “É uma oportunidade incrível para mostrarmos às pessoas o trabalho importante que fazemos e para as angariarmos – connosco – para nos ajudarem a preservar”, aponta a responsável pelo Zoo Santo Inácio.

E se no caso de animais terrestres a recolha de informação é “algo” facilitada a situação torna-se mais difícil quando se trata de espécies marinhas, dado que exige andar submerso. “Os zoos e aquários podem dar este grande contributo à ciência: sabemos como cuidar e manter os animais (dos peixes aos corais, passando por mamíferos, como as lontras), e monitorizamos o seu bem-estar diariamente – o que em regra os cientistas, e instituições como universidades não sabem tão bem”, refere o Oceanário de Lisboa que dá como exemplo o projeto de reprodução sexuada de corais, em que o Oceanário é pioneiro. Os recifes de coral estão fortemente ameaçados e a sobrevivência futura de muitas espécies estará dependente do trabalho desenvolvido em ambiente controlado, por diversas instituições internacionais, comprometidas com a preservação destes habitats, tentado mitigar os efeitos das alterações climáticas. O Oceanário iniciou em 2021 o projeto de reprodução sexuada de corais, que se baseia na indução da maturação das gónadas e libertação dos gâmetas através da simulação das variações ambientais que ocorrem no meio natural, tendo sido um dos primeiros três aquários do mundo a fazê-lo. Em 2022, os ensaios incidiram em três espécies tropicais provenientes da Austrália. Os aquaristas do Oceanário possuem o conhecimento e a capacidade técnica para manter e reproduzir corais em ambiente controlado, uma vantagem que permite colaborar com outras instituições científicas. Por agora, “o objetivo do Oceanário é aumentar o número de espécies possíveis de reproduzir em aquário e contribuir para a conservação dos corais, através da realização de estudos e ensaios científicos no Oceanário e da partilha de dados, aprendizagens e material biológico para ensaios noutras instituições nacionais e internacionais”.

A própria biodiversidade está na génese destes espaços. Como refere o Oceanário, os seus dois principais eixos são a conservação das espécies e dos ecossistemas marinhos, e a sensibilização e educação para alterações de comportamentos em prol de um oceano (e um planeta) saudáveis. Já Teresa Guedes afirma que “os parques zoológicos têm três pilares: a preservação, a educação e a investigação”.

Recolher informação, ajudar na recuperação de espécies – muitas delas fruto de tráfico de animais – na medida do possível ajudar a reinseri-las no seu habitat natural e sensibilizar a sociedade para a importância da preservação da biodiversidade. Este é hoje o papel dos jardins zoológicos e dos oceanários. Como lembra o Oceanário, no aquário faz-se um grande trabalho para conhecer a biodiversidade que habita o oceano para travar uma crise de extinção iminente. Algo essencial dado que “estima-se que existam no oceano entre 700 mil a um milhão de espécies marinhas, mas apensas um a dois terços destas estarão descritas e menos de 18 mil estão avaliadas pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional da Conservação da Natureza (IUCN)”. E aqui o Oceanário tem um papel fundamental, dado que contribui para a avaliação de risco de extinção.

O Oceanário de Lisboa tornou-se o primeiro Centro de Sobrevivência de Espécies da IUCN, integrando a rede da Comissão de Sobrevivência de Espécies – e fruto desta parceria, entre 2018 e 2022, o Oceanário, contribuiu para a avaliação de risco de extinção de 21% das 3.263 espécies marinhas avaliadas nesse período em todo o mundo para a Lista Vermelha. “A maioria das espécies do Oceanário não tinha estatuto de conservação definido, e conseguimos acelerar essas avaliações, dando um contributo muito concreto para a conservação destas espécies marinhas”, constata fonte do Oceanário de Lisboa.

 

É uma oportunidade incrível para mostrarmos às pessoas o trabalho importante que fazemos e para as angariarmos – connosco – para nos ajudarem a preservar. Teresa Guedes
Responsável do Zoo Santo Inácio

 

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