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O presidente e CEO do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) ou Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em português, defende que o capitalismo tem de ser reinventado para regressar ao modelo em que o capitalismo financeiro coexiste com o capital natural, humano e social. Em entrevista, Peter Bakker diz que cada vez mais as empresas vão acordar para o facto de que se não investirem em minimizar os riscos associados ao clima, à natureza ou à desigualdade, o impacto, ao final do dia, também será económico.
O World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) tem um projeto denominado "Visão 2050: Tempo para Transformar" à luz do qual, até essa data, mais de 9 mil milhões de pessoas serão capazes de viver bem dentro dos limites planetários (identificados por um grupo de cientistas liderados pelo sueco Johan Rockström). Mas esta visão carece de uma transformação em escala. Quais são as mudanças necessárias para atingir esse objetivo? Por onde começar?
O que fizemos foi olhar para os impactos que os grandes sistemas – como o alimentar, a energia ou os transportes – têm essencialmente nos grandes tópicos do clima, natureza, desigualdade, e perceber que soluções podem as empresas desenvolver para os limitar ou melhorar o estado do mundo. O problema é que qualquer visão de 2050 está tão longe que, certamente, muitos de nós não estaremos cá por essa altura e muitos responsáveis por empresas ou governos já terão deixado de o ser. Serve por isso como um bom ponto no horizonte, como uma ambição pela qual todos devemos lutar, embora seja pouco útil enquanto quadro de ação no sentido de mobilizar as pessoas a fazerem coisas. Assim, o que fizemos foi perceber quais são os tipos de transformações necessárias e desenvolvemos, de uma forma muito clara, uma agenda para 2030 deixando claro o que é preciso para que haja hipótese de alcançarmos a Visão 2050. A nossa organização trabalha principalmente para as empresas e é interessante constatar que hoje em dia qualquer conversa estratégica no seio das administrações é uma conversa de 2030, que qualquer investimento que faça, qualquer firma que compre, qualquer produto que lance, é um investimento de 2030. E, portanto, se pudermos educar administrações e líderes de empresas no sentido de lhes indicar quais são os passos transformadores que terão de ter tomado até 2030, então, teremos as empresas no caminho certo para avançar em direção à Visão 2050.
Sente que nos últimos anos as empresas fizeram progressos reais? Persistem conflitos internos, ou seja, uma certa resistência de investidores/acionistas. Qual é a sua perceção?
Não há uma resposta única para isso. Não reivindico que todas as empresas fizeram progressos, mas as líderes, aquelas com as quais trabalhamos [230 em todo o mundo], mudaram drasticamente a sua forma de pensar. Há dez anos tínhamos um grande debate sobre a meta para as alterações climáticas e esse debate parou, fixando-se o objetivo de conter o aquecimento global até 1,5 graus Celsius, depois tivemos um grande debate sobre os objetivos das emissões que era necessário estabelecer e esse debate também parou, com a conclusão de que precisamos de alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Em síntese: tudo isso foi aceite e encontra-se plasmado na Science Based Targets initiative, estando a ser implementado nos quadros de divulgação como o International Sustainability Standards Board (ISSB) ou no caso da União Europeia, por via da Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), que define as regras e os requisitos para as empresas relatarem impactos, oportunidades e riscos relacionados com a sustentabilidade. Penso que hoje em dia uma empresa não é mais considerada séria se não tiver uma meta para a neutralidade carbónica e um plano de transição para lá chegar. E, atualmente, diria que as metas de biodiversidade ou ao nível da natureza também começam a fazer parte das conversas, se bem que estão três ou quatro anos atrasadas em relação ao clima – que é o mais urgente dos nossos desafios. Já as relativas ao impacto social, isto é, debruçadas sobre a desigualdade, estarão também mais dois ou três anos atrás.
É um caminho em linha reta? Não. É relativamente fácil escrever um relatório como a Visão 2050, não é muito difícil fazer com que as empresas se interessem por essas transformações, mas depois, na realidade, fazer essas transformações é incrivelmente complexo.
Porquê? Quer dar um exemplo?
A maioria das pessoas compreenderá que temos de deixar de utilizar motores de combustão e que temos de começar a mudar para os carros elétricos. Todas as construtoras automóveis do mundo, seja na Europa, na China ou nos Estados Unidos estão de olhos postos nessa mudança, mas essa transição requer, por exemplo, muitos pontos de carregamento. Quem vai colocar os pontos de carregamento em Lisboa ou em Portugal? E será que a rede elétrica pode realmente aguentar? Certo é que temos a primeira geração de carros elétricos e todas as construtoras estão a investir fortemente em baterias melhores ou em motores mais eficientes, por exemplo, e a anunciar que vão lançar um modelo com maior autonomia ou algo do género, o que leva eventualmente as pessoas a seguirem um raciocínio idêntico ao que têm para com o telemóvel: têm um iPhone 14, poderiam comprar o 15 mas, se calhar, vão esperar pelo 16. Só que isso nunca se aplicou no caso da indústria automobilística, porque como a maior parte da tecnologia era relativamente estável não importava quando compravam um carro. Agora, de repente, importa, porque talvez queiram esperar pelo carro da próxima geração. Acontece que manter os volumes estáveis requer reservar muito dinheiro para investir nas novas tecnologias e deixa os acionistas muito nervosos, que considerando que talvez o carro elétrico não esteja a "descolar" tão rápido como o desejado, mantêm os motores a combustão por mais tempo no portefólio e, subitamente, todo o sistema começa a ficar instável. Em síntese: precisamos de uma transformação em massa do sistema. Tudo tem de mudar, desde a energia que usamos aos meios de transporte até à forma como utilizamos os edifícios ou produzimos alimentos, mas estando tudo interligado, a transformação para chegar a essas soluções não é linear. É um caminho muito acidentado, em que algumas pessoas sairão vencedoras e outras nem por isso.
Um dos fatores dissuasores relativamente aos carros elétricos é o preço. Como se consegue o equilíbrio de, por um lado, oferecer um veículo mais acessível chegando a mais consumidores e, por outro, deixar os investidores satisfeitos?
Um exemplo interessante é a Tesla. Tem dez anos, começou com um pequeno carro desportivo, muito caro, que apenas algumas pessoas podiam comprar, mas isso deu-lhes fluxo de caixa para construírem um grande carro também para poucos, mas acessível a mais pessoas do que o anterior e fazê-lo sucessivamente até chegarem ao Tesla Model Y – hoje o carro mais vendido em todo o mundo. Isso deu-lhe lucro e um balanço financeiro para poder avançar para um elétrico de 25 mil dólares que aparentemente será lançado neste ou no próximo ano, tendo a Renault feito também um anúncio semelhante. Não quero com isto dizer que toda a gente tem capacidade de pagar 25 mil dólares, mas é muito melhor do que 60 ou 70 mil. É o eterno problema da economia: é preciso escala para reduzir o custo e quando uma categoria de produto é nova leva algum tempo.
Foi nomeado um dos 100 líderes climáticos mais influentes do mundo na área dos negócios em 2023 pela revista Time. A Cimeira sobre as Alterações Climáticas (COP 28) foi um sucesso ou um fracasso?
Aprendi a dizer que as COP – estive em 12 ou 13 – são sempre um copo meio cheio, meio vazio. Acabam por nunca serem suficientemente ambiciosas, porque as Nações Unidas adotam este sistema de que todos os países têm de concordar com quase todas as palavras no documento final – e os países são muito diferentes seja nas suas visões ou estados de desenvolvimento – e, portanto, alguém como nós, que está realmente a envidar grandes esforços em lutar contra as alterações climáticas, desejaria um texto muito mais forte na parte em que temos de acabar com os combustíveis fósseis. No entanto, dado que a ONU tem de concordar unanimemente com o texto, o facto de nesta COP se falar, pela primeira vez, numa redução gradual dos combustíveis fósseis, é um enorme avanço, pelo que, desse ponto de vista, foi um sucesso muito maior do que parecia ser até três dias antes. Mas se for um passo mais adiante, diria que nem a ONU nem as COP vão salvar o mundo. Precisamos delas? Sim, porque precisamos de políticas e de regulamentos que as apoiem, mas para mim é o poder de inovação das empresas, combinado com os mercados de capitais, que precisará de ser o motor da mudança no mundo.
Tem defendido que precisamos de reinventar o capitalismo. Em que sentido?
Não há nada de errado com o capitalismo, mas cometemos um erro nas últimas décadas que foi fazer com que o capitalismo se tornasse só capitalismo financeiro, pelo que precisamos de voltar à posição em que coexiste com capital natural, com o capital humano, com o capital social, ou seja, ao paradigma em que todos os capitais carecem de fazer parte do capitalismo. Há 25 ou 30 anos inventou-se o tripé "pessoas, planeta, prosperidade". É um conceito que muitas pessoas ligadas à sustentabilidade ainda usam e que é ótimo não fosse o facto de o dinheiro pesar muito mais do que o resto. Portanto, o que estamos a defender é que precisamos integrar o desempenho climático, o desempenho ao nível na natureza e, ao longo do tempo, também o desempenho no plano social, no desempenho dos negócios.
Está otimista em relação a isso?
Está a acontecer.
Mas ainda existe muito "greenwashing".
Sim. E porquê? Porque as histórias que as empresas podiam contar não eram baseadas em informações padronizadas. Uma empresa conta uma história, outra conta outra história e ambas soam bem, mas não sabemos se podemos compará-las. Só que, agora, temos um International Sustainability Standards Board (ISSB) ou uma Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) que descreve como devem divulgar as suas emissões ou outros impactos, pelo que o poder de ter dados padrão permite ver quem está a fazer um melhor trabalho. Ou seja, passa a haver uma espécie de regra contabilística para esses impactos como há, por exemplo, para se calcular lucros. E quando tivermos dados comparáveis, os investidores podem perceber, por exemplo, que determinada empresa tem melhor desempenho climático. É claro que precisamos de olhar para o desempenho financeiro, porque as empresas precisam ter fluxo de caixa que as permita operar, mas também integrar o desempenho ao nível do carbono, da natureza e do ponto de vista social. Penso, aliás, que no clima há coisas a acontecer. Por um lado, acho que nos estamos a aproximar de um mundo onde as divulgações climáticas serão obrigatórias e, por outro, começamos a perceber que os riscos associados às alterações climáticas estão aqui e agora e têm impacto económico. Temos a avaliação europeia do risco climático, mas agora precisamos de trazer isso para o patamar das empresas. Se estiver na agricultura, por exemplo, a sua produção será menor por causa de fenómenos como secas ou golpes de calor, pelo que terá de pagar mais por matérias-primas que precisa para as suas culturas. Se estiver na indústria e precisar de transportar bens de e para uma fábrica, pode não ser capaz de usar barcos por não haver água suficiente no rio durante o verão e, por isso, ser obrigado a fechar essa unidade. Ou seja: se conseguirmos que as empresas entendam melhor esses riscos, de como são reais, de repente, elas têm não apenas um problema moral ou climático, mas também um caso financeiro para resolver. E, depois, se esses riscos forem comunicados aos investidores, os mercados de capitais apoiarão esses investimentos e, assim, teremos o capitalismo a apoiar a ação climática em vez de resistir a ela. Mas tudo começa – mais uma vez – com dados comparáveis, os quais teremos a partir de 2025.
Nesta estrada acidentada, como referiu, receia que mudanças no cenário geopolítico – este ano há eleições na Europa e nos Estados Unidos e temos duas guerras em curso – possam trazer uma reversão em alguns domínios?
Estamos a fazer uma verdadeira trapalhada no mundo e isso não facilitará a implementação de um quadro regulamentar político consistente. Certo é que, independentemente dos resultados que as eleições trouxerem ou de qualquer que seja o conflito, o risco das alterações climáticas só se vai agravar, mas chegará uma altura em que não poderemos mais negar que temos de mudar – e radicalmente. Tenho esperança de que iremos mudar antes de atingirmos esse ponto. Embora não seja o argumento mais convincente, costumo fazer um paralelismo com a pandemia. Quando a covid apareceu fomos todos apanhados de surpresa, mas pusemos o nosso cérebro coletivo a funcionar e no espaço de um ano tínhamos vacinas quando, em circunstâncias normais, seriam precisos sete ou oito. O clima é como a covid, com a diferença de que vai ser muito pior quando realmente se tornar mau. Mas – novamente – estou otimista que as empresas assumirão a liderança. E quanto mais participarem – e a maneira de o fazer é por via das comunicações obrigatórias dos impactos –, mais rápido poderemos avançar. É certo que os regulamentos são realmente dolorosos para algumas empresas e há um grande lóbi contra, o que exige muita vontade política para o fazer, mas uma divulgação obrigatória não vai fazer mal a ninguém e acredito que vai acabar por acontecer.
A economia circular desempenha um papel importante nesta transformação, mas apesar de o conceito estar mais na moda do que nunca, segundo o Circularity Gap Report de 2023, a circularidade no mundo encontra-se em declínio. Devemos culpar as empresas por isso?
A economia circular tem sido, durante demasiado tempo, um conceito muito promissor, mas sem levar a metodologias implementáveis. Também aqui entendo que o avanço passa por medir quão circular é uma empresa ou uma indústria. A nossa organização está a trabalhar num protocolo de circularidade – tal como fizemos há 20 anos quando criámos o relativo aos gases com efeito de estufa – que apresentará métricas. Veremos depois como poderemos direcioná-las para um ISSB ou outra estrutura de divulgação de dados comparáveis. Penso que quando começarmos a fazer isso iremos assistir a uma enorme aceleração. Detesto o termo "greenwashing", mas esta é uma área em que é fácil contar a versão de uma história, mas difícil provar que é a correta. Além disso, durante muito tempo, o movimento de sustentabilidade foi um movimento ideológico de salvar o mundo. Nada contra – é ótimo, adoro pessoas apaixonadas por isso –, mas para mudar um negócio é preciso trazer factos para cima da mesa.
Como convencer uma grande empresa a pôr princípios da economia circular à frente de resultados financeiros?
O que vemos cada vez mais é que a contradição entre resultados financeiros e formas de sustentabilidade não existe. Porquê? Porque o desempenho de sustentabilidade impulsiona o desempenho financeiro. Veja-se o caso da energia: a partir do momento em que uma empresa se começa a concentrar em reduzir as emissões, começará a apostar mais na eficiência, a investir em fontes renováveis e, portanto, a economizar. No WBCSD, por exemplo, a forma de convencer as empresas a seguir nessa direção passa pelos critérios de adesão. Temos cinco e anualmente elaboramos uma tabela em que as pontuamos com base no desempenho que têm em cada um desses parâmetros. Ora, ninguém gosta de fazer má figura e o mesmo acontece com as empresas. Na mesma lógica, se tivermos um conjunto de dados comparáveis de divulgação obrigatória nenhuma empresa quererá ter uma nota pior do que os seus pares seja em matéria de emissões ou ao nível de outro tipo de impactos. Mais: no final do dia, se uma empresa não fizer determinadas mudanças, considerando os riscos associados ao clima, à natureza e à desigualdade, arrisca um duro golpe nas contas. Por razões de confidencialidade não posso revelar o nome, mas para dar um exemplo conheço uma empresa que produz produtos de base agrícola com proventos de 1,2 mil milhões ao ano, que fez uma análise, nas zonas do mundo onde cultiva, sobre como o clima pode impactar o rendimento dos produtos. A conclusão a que chegou é que a médio prazo pode ver os lucros voarem como resultado do aumento dos preços como consequência de uma produção menor devido ao clima. Essa empresa está agora a olhar para esses dados, porque hoje é uma empresa com enorme sucesso, mas dentro de cinco anos pode deixar de o ser. É verdade que os resultados poderão sair beliscados à conta dos investimentos que terá de efetuar para encontrar novas soluções, mas o cenário será muito pior caso não os faça. E acho que mais e mais empresas vão acordar para isso.
Como mencionou, muitas vezes, na transição para um mundo mais sustentável, há um forte lóbi, como no caso dos combustíveis fósseis, a travar políticas nessa direção. Como se equilibra esse jogo?
Não se equilibra. Há uma pequena percentagem de grandes empresas que publicam relatórios em que informam, por exemplo, das organizações das quais são membros, mas é um facto que temos de tornar a atividade de lóbi muito mais transparente. No nosso caso, exigimos às empresas que a estratégia de lóbi seja consistente com a sua estratégia de sustentabilidade. Por outras palavras: não pode reivindicar pela frente ser totalmente a favor das energias renováveis e depois, por trás, fazer lóbi contra elas.