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Pedro Vale: “A aplicação da IA generativa” à gestão“está a começar”

“Analise-me as vendas do ano passado e identifique-me as três principais divergências em relação a este ano”. É apenas um exemplo do que poderão oferecer as novas ferramentas de gestão, antecipa Pedro Vale.

13 de Novembro de 2024 às 12:30
Bruno Colaço
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    Bilhete de identidade Idade: 47 anosCargo: Cegid, vice-presidente de Engenharia para IA (desde 2023); Lytt, diretor de Tecnologia (21-23) Hitachi Vantara, VP de engenharia para dados, Pentaho (2017-21)Formação: Mestrado em Inteligência Artificial, Instituto Superior Técnico (2000-2002); Engenharia Informática (1995-2000)

    Temos de aceitar alguma ineficiência para termos uma sociedade mais justa, mais correta, mais igual.

    Analisar dados, elaborar relatórios, ler mails e sugerir decisões através de simples ordens coloquiais e até verbais. Estas são alguma das tarefas de gestão que poderão ser desempenhadas pela inteligência artificial generativa, usando agentes. A Cegid, tal como a sua concorrência, está a iniciar esse caminho que, tal como noutras áreas, promete revolucionar a gestão, admite o vice-presidente de Engenharia para a Inteligência Artificial da Cegid. Convidado desta semana das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Pedro Vale fala-nos do que pode mudar e de como a IA cria a possibilidade de produzir ferramentas de software que se adaptam ao utilizador, especialmente útil para as pequenas empresas. Uma área em que já estão a trabalhar em França. Defensor da regulação que a União Europeia já fez da IA, numa entrevista de mais de meia hora que pode ser ouvida em podcast, considera que não podemos aceitar a invasão da privacidade para criar modelos de inteligência artificial. Na sua perspetiva, temos de aceitar alguma ineficiência para termos uma sociedade mais justa.

    O que é que o levou a escolher esta área da inteligência artificial?
    Escolhi esta área da inteligência artificial na licenciatura. Era um dos ramos possíveis quando chegávamos a meio do segundo ano. Sempre me fascinou esta ideia de conseguir fazer com que o computador faça mais do que só seguir as ordens que lhe damos, conseguir que tivesse alguma autonomia e ser mais do que uma simples máquina que executa comandos. E desde pequenino que estive envolvido na informática. Os meus pais compraram-me um Spectrum quando era criança.

    A Cegid faz software de gestão integrando agentes de inteligência artificial. O que é que isto significa?
    A introdução da inteligência artificial no portefólio de produtos da Cegid já começou há algum tempo, por exemplo, com a capacidade de fazer a previsão com séries temporais. Com o início desta fase da IA generativa criaram-se as condições tecnológicas para olharmos para coisas como assistentes virtuais e agora agentes. E é nisso que a minha equipa tem estado a trabalhar.

    E quer explicar o que é um agente e a inteligência generativa?
    A inteligência generativa é o que está na base do ChatGPT, do Claude ou do Gemini. A IA generativa distingue-se da outra IA por ser capaz de gerar conteúdo novo, seja imagens, texto, ou o que for. Esta nova capacidade permitiu-nos começar a olhar para a IA como agentes, ou seja, programas informáticos capazes de interagir com o utilizador através de linguagem natural, escrevendo uma pergunta, via texto, ou mesmo através de voz. Por exemplo, numa aplicação de gestão de vendas posso pedir: "analise-me as vendas do ano passado e identifique-me as três principais divergências em relação a este ano". E o agente faz as perguntas à base de dados e extrai os que são relevantes, faz as análises para responder à pergunta e depois mostra essa informação de uma forma intuitiva, seja através de uma tabela ou gráficos.

    E que outro exemplo ou aplicações existem?
    É mais virado para a execução de ações. Por exemplo, um empregado envia um email a dizer: "estou doente hoje e amanhã, está em anexo o atestado médico". Temos agentes que estão a monitorizar esta caixa de correio, têm a autonomia de ler, interpretar e de serem capazes de efetivar a ausência do empregado no sistema de recursos humanos da empresa. Mas na Cegid, a nossa perspetiva é sempre de que a máquina complementa o humano. A máquina prepara o plano, diz "recebi este email, está aqui aquilo que vou fazer" e, depois, o utilizador humano é notificado e pode aceitar ou não. É uma forma de garantirmos, por um lado, que o controlo da execução continua a estar do lado do utilizador humano. E também, por outro lado, de conseguirmos automatizar muito trabalho. É muito mais fácil olhar para um relatório e dizer, "ok, segue, confirmo", do que estar a abrir o e-mail e ler.

    E conseguem ter programas para analisar currículos?
    Estamos a trabalhar em algo parecido, mas para fazer a correspondência entre o currículo e a vaga. Fazer a análise de um currículo é tecnicamente viável, mas temos de ter muita precaução em como o fazemos. Com a legislação europeia da IA, passa a ser uma aplicação de alto risco, porque tem um impacto direto na vida das pessoas. É preciso que o sistema de IA tenha a capacidade de explicar porque é que rejeitou aquele CV, para evitarmos que haja enviesamentos que estejam escondidos no modelo ou na forma como ele foi treinado.

    Como é que vê o desenvolvimento deste tipo de produtos para a gestão?
    A introdução destes agentes especializados abre perspetivas muito interessantes, por exemplo, em empresas mais pequenas. É uma área que estamos a explorar muito em França, onde os fluxos de trabalho das empresas são muito diferentes entre elas. A forma como um contabilista trabalha é diferente do outro que está ao lado. Este tipo de empresas pequenas é muito resistente a um software que obrigue a trabalhar de outra forma. E o sistema de agentes aprende com o utilizador. Temos a capacidade de oferecer fluxos de trabalho completamente customizáveis e que se vão moldando à forma como o utilizador trabalha. No software tradicional de gestão, o utilizador é que tem de se moldar. E esta inversão de paradigma é extraordinária.

    E qual é a diferença fundamental que identifica na experiência do utilizador?
    Uma experiência de utilizador mais simples, baseada em linguagem natural. Por exemplo, um gestor pode dizer: "apresenta-me o sumário do meu último dia". E o sistema é capaz de compor uma "dashboard" com os resultados do último dia ou da última semana. Não o obriga a percorrer não sei quantos menus para conseguir o que quer, ou então ter de ter uma equipa de pessoas a prepararem as tais "dashboards" e o relatório.

    As pessoas que preparam os relatórios é que têm o emprego ameaçado.
    Não obrigatoriamente, convertem-se as "skills" para outras tarefas. Como qualquer outra tecnologia, há trabalhos que deixam de ter tanta relevância, é verdade. Mas também há trabalhos novos e há outros que ganham importância.

    A história económica mostra que todas as revoluções tecnológicas acabaram por criar emprego, mas neste momento temos dificuldade em perceber o que é que essas pessoas podem passar a fazer.
    Sim, é verdade, estamos no olho do ciclone, não é? É difícil ter distância e perceber o que vai acontecer. Mas as pessoas que escrevem relatórios têm capacidades analíticas e de compreensão de dados, de análise crítica. Podem, por exemplo, passar a ser supervisoras do trabalho da máquina, podem ser configuradoras destes modelos, responsáveis por indicar ao modelo "estão aqui três ou quatro exemplos daquilo que quero que vejas", que é uma técnica que nós usamos. Podem ser parte da forma como ensinamos o modelo a trabalhar. Mostrar à máquina como é que ela deve executar.

    Este tipo de produtos de gestão com IA já é muito procurado pelas empresas em Portugal?
    Há uma curiosidade muito grande por parte das empresas sobre o que nós e a concorrência estamos a fazer em termos de inteligência artificial. Na Cegid, recentemente, no Primavera V10, introduzimos um assistente virtual que já é capaz de responder a perguntas sobre os dados do utilizador e de fazer algumas coisas, como olhar para as vendas no ano passado e dar os três "insights" principais. Estamos claramente no início. A aplicação da IA generativa e toda esta parte dos agentes no mercado empresarial está a começar. Toda a indústria está a começar este percurso de agentes na área da gestão.

    A gestão vai sofrer uma revolução no sentido de a produtividade poder aumentar significativamente?
    Acho que sim. Mas todas as áreas de trabalho vão sofrer essa revolução. Olho mais para o impacto, ou seja, em que áreas é que a inteligência artificial pode ter mais impacto. Claramente, é a área da saúde, através da automatização de coisas como análise de radiografias. Também nos estudos climáticos a utilização é muito direta. Aliás, temos pessoas em Portugal que estão a trabalhar ativamente nessa área e a desenvolver, por exemplo, modelos que são capazes de prever fenómenos extremos. O que é extraordinário, porque se conseguirmos prever estes fenómenos, temos algum tempo para reagir antes de acontecerem. Outra área que gosto muito é a aplicação da inteligência artificial à agricultura que tem um potencial fabuloso. Podemos ter a capacidade de analisar quase planta a planta e saber quando temos de atuar para evitar perder a cultura ou prevenir uma doença. Sempre foi uma área em que nunca consegui trabalhar, mas que é muito importante.

    O que a União Europeia fez com a legislação sobre a inteligência artificial é o caminho correto.

    Há razões para termos medo da inteligência artificial?
    Não. Há muito barulho nessa comunicação e muito aproveitamento mediático à volta da inteligência artificial. É uma ferramenta que deve ser controlada pelos utilizadores humanos e, enquanto ferramenta, é extremamente poderosa. Agora, se é uma ferramenta que deve ficar exclusivamente nas mãos das empresas informáticas, acho que não. E o que a União Europeia fez com a legislação sobre a inteligência artificial é o caminho correto.

    Mas isso não cria uma desvantagem competitiva para a UE?
    Creio que não. Ainda não vi onde é que está essa desvantagem competitiva. Esses argumentos são lançados pelas empresas americanas que não querem fazer mais dois ou três passos para garantirem que estão dentro da lei. Não sei qual é a vantagem competitiva que perdemos. Para mim, a inovação não precisa de ser feita à custa dos direitos fundamentais das pessoas. E é isto que a legislação europeia pretende.

    Há quem considere que há excesso de regulação na UE ou que regula cedo demais, não permitindo que se desenvolva a inovação e depois acabamos por não ter as Google...
    A minha opinião não é essa. Se estamos a fazer uma inovação que vai contra os direitos fundamentais das pessoas e que, por exemplo, tira o direito de privacidade, é uma questão legítima perguntar se isto é uma inovação que se deve fazer. Em termos puramente tecnológicos e intelectuais, a base de dados que a China está a construir, com os dados dos habitantes, é fabulosa. Quem me dera que pudesse ter os meus "data scientists" a trabalhar sobre aquilo, porque de certeza que vou aprender muita coisa. Mas a base de onde está a partir esta inovação não é aceitável. Não podemos aceitar que as pessoas tenham a sua privacidade invadida para podermos criar modelos de inteligência artificial. Isso não me parece correto.

    Temos de estar dispostos a pagar o preço de a tecnologia não se desenvolver tanto em nosso benefício para nós termos a nossa privacidade protegida?
    Sim. A defesa dos nossos direitos sobrepõe-se à eficiência da tecnologia. Para mim é um princípio base. Não acho que a nossa sociedade tenha de ir numa direção em que é 100% eficiente. Acho que 100% de eficiência não é aquilo que queremos em termos de sociedade. Temos de aceitar alguma ineficiência para termos uma sociedade mais justa, mais correta, mais igual. É a minha perspetiva.

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