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Paulo Teixeira: As políticas de Trump “podem ter efeitos no investimento das empresas fora dos EUA”

Uma multinacional americana pode começar a pensar até que ponto compensa investir fora dos EUA, afirma o diretor geral da Pfizer Portugal.

João Cortesão
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    Bilhete de identidade Idade: 54 anos
    Cargo: Pfizer Portugal, diretor geral (desde agosto de 2016); Vice-presidente da APIFARMA (desde 2017)
    Formação: MBA, ISCTE Licenciatura em Sociologia, Universidade de Coimbra (1995 

    Uma vez que a administração Trump está focada em trazer o máximo de investimentos para os EUA, o grande risco em vários setores, incluindo no farmacêutico, é levar a que, cada vez mais, alguns investimentos sejam canalizados para dentro do país. Esta é a perspetiva de Paulo Teixeira, ainda que colocando de parte, com prudência, a possibilidade de essa tendência colocar em causa a Pfizer em Portugal. "Não há nenhum indicador que, nesta fase, nos diga isso", afirma, acrescentado que "estamos a lidar com algo com o que provavelmente nunca lidámos". Convidado das Conversas com CEO, integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade, o diretor geral da Pfizer Portugal defende uma maior autonomia do Ministério da Saúde e dos hospitais como uma via para melhorar os cuidados de saúde. Numa entrevista de mais de meia hora que pode ser ouvida na íntegra em podcast falamos ainda dos preços dos medicamentos, do tempo Portugal leva a autorizar um novo fármaco e da regulação e políticas de diversidade, equidade e inclusão.

    Como é que um sociólogo vai parar à indústria farmacêutica?
    A minha expectativa, quando tirei o curso de Sociologia, era enveredar pela área das empresas, mas a minha ambição era ser diretor de Recursos Humanos. Quando acabei o curso desenvolvi alguma atividade relacionada com a sociologia. Estava em Aveiro e apresentava projetos de formação profissional. E achei que delegado de informação médica poderia ser um bom complemento para, mais tarde, chegar ao que era a minha ambição. O que é certo é que gostei imenso.

    E entra em 2005 na Pfizer. Nunca pensou mudar?
    Não. Comecei como delegado de informação médica numa companhia também americana, os Laboratórios Abbott, na região de Aveiro. Depois tive um convite para mudar de laboratório na região onde trabalhava, mas disse: estou disponível para mudar, mas se houver uma vaga em Lisboa. Senti que, para crescermos profissionalmente tinha de ser em Lisboa.

    Vivemos um separador histórico. Que desafios coloca a administração Trump à indústria farmacêutica?
    Sabemos que o secretário da Saúde é, enfim, um negacionista. Esta administração é altamente imprevisível e procura fomentar um clima de incerteza, porque acha que isso acaba por favorecê-la. Mas isso é o pior para as empresas. E, portanto, a resposta à pergunta é: não sei. Ainda há pouco tempo ouvimos a administração Trump a dizer que pode impor tarifas aos produtos farmacêuticos. O que pode criar disrupções em todo este sistema. O setor farmacêutico é dos mais relevantes para a economia americana, são multinacionais. Impor processos de disrupção  acaba por ser prejudicial para as companhias americanas e, ao final do dia, prejudica a própria economia americana. Espero que exista bom senso. Esta administração gosta muito de começar numa base muito exigente, com medidas quase impensáveis, para depois chegar a um meio termo que acaba por ser, se calhar, o que era o seu ponto de partida. Se as medidas forem altamente nocivas – com as taxas – , acaba por se repercutir também a nível global do ponto de vista dos preços e da cadeia de abastecimento. 

    Se forem implementadas medidas disruptivas, haverá algum efeito de contágio, mas não acredito que leve a um aumento dos preços [dos medicamentos].

    Isso significa que os portugueses têm de se preparar para a eventualidade de os medicamentos ficarem mais caros?
    Não acredito que isso aconteça. Os nossos medicamentos têm de ser aprovados na Agência Europeia do Medicamento e depois pela agência local. Os preços são negociados em Portugal. E os produtos da Pfizer são produzidos fora dos EUA.  Se forem implementadas medidas disruptivas, haverá algum efeito de contágio, mas não acredito que leve a um aumento dos preços.

     Se não é nos preços, é na rutura de stocks?
    Não. Podem ter efeitos no investimento das empresas. Uma multinacional, não só a Pfizer, mas as americanas, pode começar a pensar até que ponto compensa investir fora dos EUA. Sabemos que esta administração está focada em trazer o máximo possível desses investimentos para os EUA. O grande risco que esta administração pode provocar em vários setores, incluindo no farmacêutico é levar a que, cada vez mais, alguns investimentos sejam canalizados para os Estados Unidos. 

    E isso pode colocar em causa a Pfizer em Portugal?
    Espero que não e não há nenhum indicador que, nesta fase, nos diga isso. Existe ainda muito potencial. Estamos em Portugal vamos fazer 70 anos e acreditamos que ainda estaremos cá pelo menos mais 70.  Sabemos que estamos a lidar com algo com que provavelmente nunca lidámos. Isto acontece a uma velocidade quase estonteante. Em que tudo é possível. Esperamos que as coisas acabem por não ser tão graves quanto, à primeira vista, possam parecer.

    Um dos problemas deste setor prende-se com as questões reputacionais. É muitas vezes acusado de ser ganancioso e tem sido muito mediático o caso das gémeas. Como explica que existam preços tão elevados nos medicamentos?
    Se calhar, a própria indústria farmacêutica nunca fez o suficiente para explicar os preços. Olha-se sempre para indústria como tendo preços altos. Mas não é tanto assim. Um medicamento ou uma vacina demora entre 10 a 15 anos. O custo médio de desenvolver um medicamento ou vacina, atualmente, é acima de 3.500 milhões de dólares. A indústria farmacêutica é das que mais investe, em investigação e desenvolvimento, daquilo que são todas as suas vendas, em termos médios, à volta de 14%, 15%.  E a taxa de rentabilidade…Por exemplo, a Pfizer investe anualmente oito a nove mil milhões de dólares e a taxa de retorno anda na ordem dos 3%, 4%.  A inteligência artificial está a dar um contributo grande, porque permite ganhar tempo e, naturalmente, reduzir um pouco os custos. Mas podemos dizer que, em termos médios, 97% do investimento que é feito anualmente é jogado fora.

    A margem de rentabilidade do setor não devia ser mais baixa?
    Não é assim tão alta. Há indústrias que têm margens superiores. Não digo que alguns medicamentos não são caros, mas tendemos a olhar para a questão sempre numa perspetiva de preço e não de valor. Ou seja, não olhamos para o contributo que vai trazer em termos de redução das hospitalizações ou de outros medicamentos. Infelizmente, não se faz essa medição.

    E como é que podem contribuir para melhorar o acesso?
    Essa é uma das nossas preocupações. Na Pfizer, temos uma política em que procuramos estabelecer uma lógica de preços, tendo em consideração a capacidade de pagar por parte dos países. Os preços em Portugal são diferentes dos da Alemanha ou dos EUA. E, em países subdesenvolvidos, a Pfizer tem programas em que os medicamentos são fornecidos praticamente a custo de produção.  Agora, Portugal é um país onde, infelizmente, ainda vivemos e convivemos com grandes atrasos em termos de acesso. Na Europa Ocidental, Portugal é dos países onde se demora mais tempo a conseguir trazer inovação. Diria que a principal razão são fatores de índole orçamental, na tentativa de evitar que haja um aumento de despesa com medicamentos. 

     Há medicamentos inovadores que não são autorizados para poupar dinheiro ao SNS?
    Não digo que não sejam autorizados, demora-se é muito a conseguir esses medicamentos, mais do que se devia. O estudo anual da EFPIA, Federação Europeia da Indústria Farmacêutica e Associações, avalia todos os países da União Europeia em termos do tempo de acesso, desde que o medicamento é aprovado até ser dispensado. E o tempo médio em Portugal é de mais de 700 dias, praticamente dois anos. 

    Tem de haver uma reforma hospitalar e incentivos para os hospitais passarem a operar de uma forma muito mais profissional e com mais autonomia.

    O que era preciso mudar com maior urgência?
    Tem de haver uma reforma hospitalar e criar incentivos para os hospitais passarem a operar de uma forma muito mais profissional e com mais autonomia. Há vários ministros de Saúde que são muito vocais, mas quase que podemos dizer que quem gere a saúde, em muitos casos, acaba por ser o Ministério das Finanças e não o da Saúde. Uma verdadeira autonomia do Ministério da Saúde e dos hospitais, para que os gestores façam o seu trabalho, sendo avaliados, podendo ser recompensados ou penalizados, como acontece nas empresas, poderia marcar a diferença e permitir que passássemos a dar melhores cuidados de saúde. Os hospitais das parcerias público-privadas são um bom exemplo. Funcionaram muito bem, geraram poupanças para o Estado e permitiram que as populações fossem mais bem tratadas.

    Enfrentamos uma tendência de desregulação, com as diretivas da sustentabilidade na primeira linha da simplificação.  Isto pode ter já um impacto?
    Estamos ainda a perceber o que poderá ir para a frente. Temos o aspeto positivo de procurarmos regulamentar algumas áreas para salvaguardar os cidadãos europeus. Mas, em demasiadas situações, acabamos por regular de uma forma excessiva. E agora estamos perante uma administração que parece que quer meter uma pedrada em tudo, como nas práticas de diversidade, inclusão e equidade. 

    Também está a desaparecer no vosso grupo?
    Nós mantemos todas as práticas de diversidade, inclusão e equidade. Foi reiterado pela empresa.

    E não têm medo de represálias?
    Espero que sejamos capazes de manter práticas que, acreditamos, contribuem para criar um clima mais diverso, mais inclusivo. Está mais do que demonstrado que as empresas mais inclusivas, mais diversas, acabam por ser mais produtivas. Agora, nas práticas da sustentabilidade, é importante haver alguma desregulamentação.

    Que áreas é que identifica como mais importante?
    Tem a ver com o tratamento das águas residuais. Por vezes, tomam-se determinado tipo de decisões baseadas em informação não totalmente informada. Assume-se que a indústria farmacêutica e a de cosméticos é responsável por 90% dos micropoluentes que surgem nas águas residuais. E, obviamente, existem estudos que dizem exatamente o contrário. E impor medidas que penalizem, de uma forma muito específica, duas indústrias...

    …Como é que vão penalizar?
    Não sabemos. Através de multas, muito provavelmente. Ainda está em discussão. Mas é uma diretiva europeia que, se avançar, vai ter de ser implementada nos próximos anos. E isso preocupa-nos porque nem sabemos o impacto que isso possa ter.

    Qual é o maior desafio deste ano de 2025? 
    Estamos, felizmente, numa fase em que continuamos a trazer inovação. Essa é a nossa principal missão: conseguir com que os doentes portugueses consigam ter acesso a essa inovação terapêutica. E, ao mesmo tempo, internamente, continuarmos a contribuir para uma empresa onde os colegas se sintam valorizados, para conseguirmos reter o nosso talento e atrair o talento de fora. 

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