- Partilhar artigo
- ...
Cargo: Adene - Agência para a Energia, desde 2011, e presidente desde agosto de 2020; Conselho Consultivo da ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, conselheiro; Gabinetes de governos na área da Energia (2005-11; 2014-15 e 2018- 19).
Formação: Mestrado Executivo em Gestão e desenvolvimento de Liderança: Católica Business School.
Está ligado há cerca de duas décadas à energia, tendo feito parte de vários gabinetes governamentais. Quando olha para trás quais as mudanças que foram fundamentais?
Nestas últimas duas décadas destacaria a ambição, com uma grande aposta nas energias renováveis, o que nos levou à posição confortável que hoje temos, de liderança neste setor. E a ambição não foi só nos objetivos, foi também na política pública. Conseguimos definir e implementar políticas que serviram e ainda servem o setor. E há, na energia, um entendimento da esquerda à direita em relação àquilo que é preciso fazer. Daí ter sido possível evoluir positivamente nestes últimos 20 anos.
E quais deviam ser agora as prioridades?
Apostar muito na eficiência energética, na literacia energética e na energia solar que foi aquela em que não houve muita ambição. Houve uma grande aposta na hídrica, no eólico e nos últimos anos começámos no solar. Temos ainda de apostar muito na descentralização, que é extremamente importante para cumprirmos as metas.
Somos um dos países com piores indicadores em pobreza energética. Não identificou isso como uma prioridade por alguma razão?
A literacia energética tem uma relação direta com a pobreza energética. Sim, Portugal vive aí uma situação muito grave. Temos entre 1,8 e 3 milhões de pessoas nessa condição com impacto no bem-estar social, na economia, na qualidade de vida, na saúde, na produtividade. Portugal já tem a sua estratégia de longo prazo de combate à pobreza energética, que demorou algum tempo, é verdade.
Papéis não nos faltam, não é? Mas aqui a questão é que parece que não se fazem progressos.
A estratégia demorou, mas foi aprovada. Já temos uma estrutura que a vai operacionalizar e outras unidades para dar apoio, nomeadamente ao nível consultivo e estratégico. E há iniciativas bandeira, como o Espaço Cidadão e Energia, previsto na Estratégia de Combate à Pobreza Energética e que se liga à prioridade de literacia. Serão 50 espaços de apoio ao cidadão pelo país para dar informação e apoio técnico ao cidadão. Por exemplo, quem tem uma dúvida sobre a leitura da fatura, quer mudar as janelas em casa, o que é que deve fazer? Mas também vamos usar esse espaço para recolher informação que nos permita melhorar a política pública em matéria de pobreza energética. A estratégia tem muitas medidas.
Daqui a cinco anos teremos então melhores indicadores de pobreza energética?
Dentro de cinco anos estaremos um pouco melhores, mas não são suficientes, porque a intervenção necessária é grande, ao nível do parque edificado. Temos de nos preocupar com a construção anterior às diretivas europeias, que é um número considerável. Não se resolve em cinco anos, mas irá resolver-se certamente em 10 ou 15 anos.
Como podemos conciliar esta necessidade de ganhar escala na energia solar com os impactos muito negativos que podem existir nas comunidades?
Muito recentemente Portugal começou a apostar na energia solar, com os leilões, com bons resultados. Hoje já não estamos a falar nem de tecnologia, nem de critérios que havia há 15 ou 20 anos. Para instalar um parque solar tem de se seguir regras muito mais apertadas e a tecnologia é mais moderna e eficiente. Os projetos estão a ser bem avaliados e estamos a trabalhar na conjugação entre a agricultura e o solar. Queremos apresentar uma proposta ao Governo para apostar no agrovoltaico. Acreditamos que é um caminho a seguir. Claro que os painéis solares não podem estar instalados no chão, terão de estar a uma altura adequada para conviverem com a agricultura. Mas os estudos que fizemos, os casos práticos que já vimos, inclusive no sul de Espanha, mostram que é possível, é bom, é aconselhável e é um caminho que devemos seguir para mostrar que é possível ter parques solares e agricultura.
E na produção descentralizada, o que impede que usemos de forma mais eficaz tantos telhados que temos?
A aposta no descentralizado em Portugal é recente. Precisamos de mais solar e temos muitos telhados que podemos usar. Mas as entidades que lideram os processos também têm de ter condições para ao implementar e gerir. Recentemente foi criada uma estrutura para poder agilizar tudo o que tem a ver com os licenciamentos renováveis. O problema não é tanto não haver interesse ou informação, porque as instituições, no caso a Adene que tem esse papel, estão a funcionar bem. Somos procurados, damos informação, fazemos manuais, ajudamos os municípios a prepararem os seus cadernos de encargos. Esta estrutura é criada para dar resposta à problemática do licenciamento, averiguar o que está a correr mal, o que pode ser melhorado e como é que podemos acelerar o licenciamento. Sem acelerar o licenciamento, os projetos não serão implementados. É aí que deve estar a grande aposta. Porque precisamos mesmo de acelerar.
E como incentivar as pessoas, o cidadão comum, a apostar mais no seu telhado para produzir energia?
Temos todo o setor privado a querer investir no descentralizado. Não é por falta de interesse. E temos os municípios muito interessados em projetos de autoconsumo e também de comunidades de energia renovável. O problema do licenciamento tem atrasado significativamente a implementação destes projetos. Um problema que não é apenas português. Nos fóruns em que participo lá fora o licenciamento é sempre destacado.
Há outra questão que se está a levantar: a energia renovável começa a ser menos rentável. Pode ter algum impacto nesta transição?
Não, a aposta na energia renovável deve continuar e até aumentar. A própria Agência Internacional de Energia diz isso. É mais barato apostar na energia renovável do que na fóssil e continuará a sê-lo. Pode é haver, com os preços mais baixos, um desincentivo ao investimento em grandes projetos, porque deixam de ser rentáveis. Mas nós trabalhamos para o consumidor. E temos de dar ao consumidor uma energia que seja renovável e barata.
A Adene é responsável pelo desenvolvimento da plataforma para o mercado voluntário de carbono, em Portugal, que está planeado começar a funcionar no início do verão…
Já não vai ser no início do verão. Houve alguns contratempos. Mas até ao final do ano teremos essa plataforma operacional, desenhada em conjunto com a APA. O mercado voluntário de carbono pode ser muito importante porque vem introduzir esta componente de compra e venda, de reconhecimento daquilo que é o trabalho que se faz e da compensação do que as empresas fazem. Será bom para as grandes empresas e para as pequenas empresas que são quem vende. E a plataforma irá permitir muito mais transparência.
Que contributos é que a Adene está a dar na eficiência hídrica?
A Adene neste momento tem duas grandes vertentes. Uma é a gestão do sistema de classificação que é o certificado dos edifícios aplicado à eficiência hídrica. Classifica um determinado imóvel e dá informação sobre como melhorar os seus níveis de eficiência hídrica. Por outro lado, estamos a ter um papel muito relevante na monitorização do consumo de água nos hotéis no Sul do país. Foram dadas medidas de melhoria a todos os estabelecimentos hoteleiros e estamos a confirmar se essas medidas estão a ser implementadas e se estão a cumprir com as exigências da redução dos consumos. Porque é mesmo importante reduzirmos os consumos e sermos mais eficientes.
Esteve em vários gabinetes governativos. Se agora estivesse lá, que recomendação daria?
Continuar a apostar muito nas pessoas, em política pública trabalhada com o setor para as pessoas. Se tivesse de escolher bandeiras de política pública no setor da energia, destacaria o combate à pobreza energética e a aposta no solar.
Estamos a viver um conflito na Europa que não sabemos quando acaba. Que riscos coloca para a transição para uma economia descarbonizada?
A guerra na Ucrânia mostrou a dependência da importação de energia fóssil e uma Europa vulnerável. Houve respostas várias a nível dos diferentes países e Portugal foi um caso de sucesso. Os preços da eletricidade em Portugal cresceram muito pouco se compararmos com o que aconteceu na União Europeia. Agora temos outra guerra que está a criar igualmente um impacto forte nos mercados europeus e globais.
No Médio Oriente, no mar Vermelho…
…Sim. Estas guerras têm um impacto enorme no setor de energia e obviamente na vida das pessoas. A Europa tem de acelerar a aposta nas energias renováveis, tem de ganhar a sua independência. É muito importante criar uma estratégia europeia de armazenamento, e o setor tem pedido isso. Fala-se das baterias, como é óbvio, mas falta uma estratégia agregada a nível europeu que possa ser aplicada pelos diferentes Estados-membros. Não basta apenas produzir energia, precisamos de armazenar, até porque um dos grandes problemas da energia renovável é a sua intermitência que o armazenamento resolve parcialmente. Já devíamos ter começado a trabalhar a nível europeu nesse processo. Nós já apresentámos um estudo que pode ajudar a acelerar a implementação de uma estratégia de armazenamento de energia e que até possamos ser pioneiros para ser usada a nível europeu.
Mas as tecnologias já estão suficientemente maduras?
Existem variadíssimas tecnologias, umas mais maduras do que outras. Este estudo de armazenamento que a Adene lançou mostrou quais os caminhos que podemos seguir. Mas não pode ficar apenas por Portugal, toda a Europa tem de trabalhar nesse sentido. A guerra infelizmente está para ficar e o seu impacto também está para ficar. E por isso temos de trabalhar em políticas, não a longo prazo, mas que tenham impacto no curto e no médio prazo. O cidadão precisa que quem está a decidir, seja no Parlamento, seja na Comissão, seja nos governos, pense em política com impacto no curto e no médio prazo.