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Mariana Galindo: “Porque não usar o poder da criatividade para alavancar os problemas sociais?”

Para Mariana Galindo, fundadora da Ttouch, uma agência de publicidade com impacto social, “hoje a agência que não é digital está fora” do mercado. E acredita que as estratégias de marketing terão de ter a sustentabilidade integrada.

22 de Maio de 2024 às 12:30
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    Bilhete de identidade Idade: 50 anosCargo: Ttouch, CEO e fundadora (desde 2020); Bar Ogilvy, MSTF Partners, Leo Burnett, DMB&B responsável pelo Serviço a Clientes e New BusinessFormação: Nova SBE, Programa de Liderança; MBA, Iscte Executive Education; Licenciada em Marketing e Publicidade, IADE 

    As empresas e os "marketeers" têm muita vontade e necessidade de lançar projetos com impacto social, mas ainda há pouco orçamento e muito em outras áreas, pela pressão do negócio, afirma a fundadora e CEO da Ttouch uma agência de publicidade com impacto social. Convidada desta semana das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Mariana Galindo tem uma longa experiência em agências de publicidade e lança-se para o seu projeto inspirada na sua filha. Numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, considera que a sustentabilidade será mais cedo ou mais tarde integrada nas estratégias de marketing, levando até em conta que quer a geração Z, mas também todas as outras, valorizam cada vez mais as marcas com impacto social.

     

    De tudo o que já fez, o que lhe vem à memória como mais gratificante? 

    O desafio nesta área de criar marcas é contínuo e diário. Estamos a falar de uma indústria que não é uma ciência exata, que envolve muito dinheiro e as ideias e estratégias muitas vezes não conseguem ser testadas antes de o gastarmos. O objetivo final é fazer com que cada pessoa seja impactada e tocada no seu coração para optar por aquela marca ou compra, o que implica um trabalho enorme de campo, que não é visível quando vemos alguma publicidade. E muitas vezes não funciona, outras funciona e a publicidade vende. Na Ttouch todos são muito interessantes e foi uma das razões que me fez também desenhar este projeto de publicidade com impacto social.

     

    O que é que isso significa?

    Trabalhei 25 anos em agências de publicidade, com ideias para vender, posicionar e construir marcas. É apaixonante, mas há uma altura em que me questionei: trabalho 12 horas por dia, prescindi de muita coisa e o que resulta deste trabalho? Vendas e consumo. Assim, friamente. E isso foi um vazio, sobretudo porque na altura tinha uma filha com 15 anos que largou tudo e foi para a Bósnia, dois anos, integrar a UWC - United World College, que inclui uma vertente social no currículo com 17 campos espalhados pelo mundo. São sempre países vulneráveis. No caso da Bósnia, era ainda um país ferido pela guerra. Foram dois anos em que ela, enquanto estudava, integrava campos de refugiados, lidava com um povo ferido, frio, doente, magoado, inseguro. E eu, os projetos de que gostava mais onde trabalhei, mais recentemente na Bar Ogilvy, acabavam sempre por ser sociais, como o Banco Alimentar ou a Fundação de Alzheimer. Nunca fui formada em sustentabilidade. Percebia aquilo que sentia e via. E pensei, se é isto que sei fazer melhor, criar marcas e vender, é com isto que vou tentar contribuir.

     

    A vossa proposta de ativismo social não é arriscada para as empresas? Esta é uma questão que se coloca muito nos Estados Unidos…

    A Ttouch tem três anos e meio. Estamos a caminhar e a aprender todos os dias. A proposta que trazemos é inovadora e tem a grande ambição de mudar o paradigma das agências de publicidade. Contra mim falo porque vou ter mais concorrência. Para nos posicionarmos rapidamente, o que fizemos foi abrir o canal do Instagram. Não tínhamos clientes, mas tínhamos vontade e criatividade. E começámos a trabalhar os temas sociais.

     

    Quer dar um exemplo?

    Lembro-me de um ‘post’, quando uns jovens arriscavam uma condenação de 25 anos por terem ajudado um barco de refugiados. No ‘post’ víamos um barco cheio de refugiados e provocávamos as pessoas dizendo: ‘Se queres ajudar estes refugiados, faz ‘swap’’. E quando a pessoa virava o ‘post’, dizia: ‘Só por esse teu gesto de quereres ajudar arriscaste ter uma pena de 25 anos de cadeia’. Conseguimos que a pessoa sentisse na pele o que é querer ajudar, mas ter consequências. Temos de ter ideias que consigam chegar ao coração das pessoas. Porque não usar o poder da criatividade e das ideias para alavancar, pelo bem, os problemas sociais que temos? Como somos inovadores muitas pessoas têm dúvidas sobre o meu modelo de negócio. Tenho dois tipos de clientes. Um que é do terceiro setor: as associações, fundações. E acrescento valor a ajudá-los a comunicar com ideias. Muitas vezes essas associações gastam mais de 60% do tempo a tentarem financiar-se em vez de estarem a trabalhar na causa em si.

    O impacto social não se faz só no Natal.

    Além da comunicação ajuda-os também a financiarem-se?

    Ajudo-os a financiarem-se e a cruzar com quem tem o dinheiro. O outro tipo de clientes que tenho são empresas. Trabalho muito ao projeto, o que é um desafio como gestora. E isto é um reflexo daquilo que pode ser melhorado, porque o impacto social não se faz só no Natal, tem de ser continuado. E os projetos que tenho feito são com a EDP, com a Meo, com a Vieira de Almeida (VdA), a Sonae Sierra e a Refriango.

     

    O projeto de jovens a viver com pessoas idosas é vosso?

    Esse é um bom exemplo em que a Ttouch teve vários papéis. A Meo tem uma agência de publicidade e nós fomos envolvidos para ajudar a fazer o ‘walk the talk’, por causa da nossa relação com as associações. Havia uma associação a iniciar um projeto, que hoje se chama Une.Idades, unindo pessoas idosas com casas e jovens que precisam delas. Os mais velhos têm problemas, que podem ser financeiros, mas são sobretudo de solidão e podem ter espaço a mais. Enquanto há os jovens, também com problemas financeiros, e que não têm alojamento como estudantes. Esta associação veio ter connosco para darmos um nome ao projeto, que era apaixonante e com problemas difíceis. As pessoas da terceira idade não são fáceis, muitas vezes têm um problema de confiança e não querem abrir as suas portas. E a comunicação podia ter um papel muito importante fazendo com que entendessem que, ao abrirem as suas casas, estão a ser úteis e a ajudar. O ângulo para os convencer não tinha de ser financeiro, era poderem ajudar estes jovens.

     

    O projeto da Meo é na prática uma aliança com a associação?

    É outra coisa que fazemos diariamente: cruzar as duas dimensões. A Meo cria uma plataforma chamada partilhacasa.pt, em que agrega algumas soluções. A associação faz o ‘match’ entre a pessoa mais velha e o jovem, faz entrevistas, identificação de perfil… A associação ganha com a alavancagem da Meo, a Meo ganha porque consegue ser rigorosa e fazer o ‘walk to talk’.

     

    Não há aqui riscos de as empresas se envolverem em movimentos que podem ser politizados ou só entram no que é pacífico, como ligar idosos com jovens?

    Tudo depende de como se posiciona no mercado. E é isso que fazemos, identificamos territórios, do lado das causas, que façam sentido para aquela marca, em que os valores da marca coincidam com os da causa, e não seja uma coisa forçada. Para que quando uma empresa apoia determinada causa, enquanto tem impacto na sociedade, contribui também para o negócio, porque as marcas também precisam de vender.

    Escolho mais facilmente uma marca com impacto social.

    Na sua perspetiva, o ESG é estratégia de marketing? Ou as empresas devem todas ter um departamento de sustentabilidade separado?

    Não. Cada vez que falo com o departamento de sustentabilidade dizem-me: ‘Adorava fazer, mas não tenho dinheiro, está no marketing, na comunicação’. E nós vamos tentar explicar aos senhores da comunicação aquilo que vendemos na sustentabilidade. Estamos num período de transição. Espero que em muito pouco tempo isto funcione como na transição para o digital. Na minha indústria havia agências digitais e ‘above the line’ e de design. Hoje a agência que não é digital está fora. As estratégias de marketing terão de ter a sustentabilidade integrada. Vão ter de o fazer porque a geração Z só aceita trabalhar em empresas assim.  E não apenas esta geração. Escolho mais facilmente uma marca com impacto social. Imagine uma Padaria Portuguesa que gasta rios de dinheiro em comunicação a vender que tem o pão mais fofinho e quente, o almoço a 9,99 €. Sim, isso é relevante. Mas se tirar uma grande fatia desse investimento de marketing e conseguir integrar alguém da comunidade com um problema de trissomia 21 ou de autismo para ajudar a levantar a loiça – as mesas estão sempre cheias de cafés – o que é que vai contribuir mais para a imagem?

     

    Esta responsabilidade social aumenta as vendas?

    Se calhar vai fazer-me optar entre duas pastelarias. Posiciona muito mais uma marca e é um argumento mais de venda para a pessoa lá voltar do que estar a fazer campanhas do Dia da Mãe ou do Pai. 

     

    Integra também o Conselho Estratégico da Rede Capital Social que liga financiadores a projetos sociais. Que contributo pode dar esta rede?

    Não sou a pessoa mais indicada para falar desse projeto porque é muito recente. Fui convidada para dar um nome à associação, fazer um logotipo, uma imagem, apresentações. O que a Rede Capital Social vem fazer é algo que algumas fundações, nomeadamente um cliente nosso, a Fundação Ageas já faz, que é apostar em filantropia. Em Portugal não temos filantropos, porque também não há esse dinheiro. Somos um país relativamente pobre. A Rede Capital Social junta pequenos empresários para dar escala aos projetos e fazer com que cresçam, a médio prazo. E está a falar com decisores e a provocá-los no sentido de dizer: em vez de todos os anos no seu orçamento andarem a dar 5 mil aqui, 10 mil ali e a competirem uns com os outros, vamos juntar-nos.

    [A directiva europeia sobre ‘greenwahing’] vai fazer com que as marcas tenham de investir mais

    Que impacto é que pode ter a nova diretiva de ‘greenwashing’ aprovada pela Comissão Europeia?

    O que isso vem dizer, basicamente, é que se não fazes não podes dizer. Pode trazer mais disciplina. Mas também vai fazer com que as marcas tenham de investir mais e a fazerem melhor. É mais um elemento para esta jornada. E já que estamos a falar da jornada, falemos do projeto da EDP, que está nas corridas há mais de 25 anos e sentia falta de também haver entrega. Era preciso desenhar um projeto de impacto social e de terreno e vieram ter connosco. E ajudámos a criar clubes de corrida em zonas como o Zambujal e a Cova da Moura, com miúdos entre os 6 e os 16 anos, que três vezes por semana têm treinos, enquanto têm a possibilidade de comer uma refeição. O papel da Ttouch num primeiro momento foi desenhar o projeto através de uma associação parceira, a Social Innovation Sports. E os três conseguimos lançar recentemente estes clubes de ‘running’ na Cova da Moura e no bairro do Zambujal.  Num deles já começou e já temos 20 inscrições.

     

    Neste pilar mais social da sustentabilidade, há algum sintoma de retrocesso por parte das empresas ou estão cada vez mais empenhadas neste tipo de projetos?

    Há muita vontade e muita necessidade. As empresas e os marketeers querem muito fazer, mas depois infelizmente, ainda temos muito pouco orçamento nestas áreas e muito mais no resto, a vender argumentos funcionais que vende muito mais rapidamente, porque a pressão do negócio existe.

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