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Margarida Corrêa de Aguiar: “Poderíamos ter fundos para catástrofes climáticas”

Os riscos ambientais não têm uma oferta suficiente de seguros por razões de preço e desenho do produto, afirma a presidente do regulador do setor dos seguros e fundos.

Helena Garrido | Bruno Colaço - Fotografia 31 de Janeiro de 2024 às 12:30
Bruno Colaço
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    Bilhete de identidade Idade: 60 anosCargo: Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, presidente; secretária de Estado da Segurança Social do XV Governo Constitucional, adjunta do primeiro-ministro do XV Governo Constitucional; administradora delegada da Sociedade Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Portugal de 1993 a 2002Formação: Licenciada em Gestão de Empresas pela Universidade Livre e Programa avançado de para Executivos na Universidade Católica e Programa de Alta Direção da AESE

    À semelhança do fundo sísmico, que vai nascer em Portugal por decisão do Governo, muitos países têm criado instrumentos financeiros autónomos para segurar riscos catastróficos associados aos eventos climáticos extremos. Na perspetiva da presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), um fundo desses "pode contribuir para melhorar a cobertura seguradora destes eventos" a preços mais acessíveis. Porque uma das razões para o défice de oferta de seguros, que façam a cobertura de riscos climáticos, está no preço. Margarida Corrêa de Aguiar é a convidada de "Conversas com CEO" integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Nesta entrevista, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, falamos ainda das novas regras que as seguradoras têm de seguir no quadro da sustentabilidade, dos seguros de saúde, nos preços dos seguros e de Segurança Social. Um tema em que mostrou simpatizar com a criação de uma contribuição sobre os equipamentos.

     

    Nas funções que foi desempenhando, qual a que lhe vem à memória?

    Tenho dificuldade em escolher. O primeiro emprego é sempre muito marcante. E o meu foi num grupo de construção civil na área de orçamento e planeamento. Muito nova, tive o desafio de lidar com indicadores quantitativos, saber planear, organizar, controlar, monitorizar para que tudo corresse bem e procurando reduzir a incerteza.

     

    E quando começou o seu interesse pela área da segurança social? Escreveu até um livro.

    Nasce com a minha ida para o Banco de Portugal, quando sou convidada para administrar o fundo de pensões. Investi muito nesse tema, para o qual podemos olhar de várias perspetivas. Uma delas é que os fundos de pensões são muito valiosos quando enquadrados numa arquitetura global de proteção social na reforma. E rapidamente saltamos para outros temas como, por exemplo, a Segurança Social.

     

    Temos de tentar perceber como é que as tecnologias devem contribuir para esta sustentabilidade [da Segurança Social].

    A sustentabilidade da Segurança Social preocupa-a?

    Será sempre preocupante. A preocupação é assegurarmos que não deixamos para as gerações seguintes desequilíbrios que se vão repercutir de uma forma mais severa nas suas vidas. Encontrar um equilíbrio entre o que precisamos de ter hoje e o que temos de assegurar amanhã é o grande desafio, sobretudo num contexto de envelhecimento. Temos de nos ir adaptando, não só por causa do envelhecimento, mas também por fenómenos como o digital. As empresas hoje não funcionam só com trabalho intensivo, também atuam muito à base de tecnologias. Temos de tentar perceber como é que as tecnologias devem contribuir para esta sustentabilidade.

     

    E defende uma contribuição que abranja não só o trabalho, mas também os equipamentos, a tecnologia? É um tema que voltou…

    Agora voltou outra vez e é debatido até a nível europeu. Temos de ter muito cuidado, porque não podemos afugentar o investimento que também é necessário. Sendo tratado a nível europeu ajudaria bastante. É preferível olhar para isto a nível global do que tentarmos soluções individuais que depois podem ter impactos na economia. Houve várias tentativas já nesse sentido e alguns países tomaram decisões nessa matéria.

     

    Se queremos garantir essa sustentabilidade é inevitável tributarmos também os equipamentos?

    Colocar-lhes um desafio de darem esse contributo para a Segurança Social. Agora tão importante como isso é a questão de poupar para o futuro. Individualmente e coletivamente.

     

    Que impacto é que um conjunto de regras europeias no âmbito da sustentabilidade pode ter no setor segurador?

    Os setores segurador e dos fundos de pensões, como outras áreas do setor financeiro, têm um papel importantíssimo no desenvolvimento económico sustentável. 

    A nova diretiva da Corporate Sustainability Reporting Directive  (CSRD), que Portugal está a trabalhar na transposição, é muito mais exigente. Vai abranger mais empresas e pretende-se que a informação seja mais detalhada e compreensível. Para se saber como é que se posicionam em termos desta responsabilidade, que é zelar pela sustentabilidade. Esta diretiva vai também trazer maior exigência para as empresas, que têm de fazer esse reporte, e para as instituições financeiras, que vão ter de tratar essa informação para a disponibilizarem num segundo fluxo: a relação entre as instituições financeiras – neste caso as seguradoras e gestoras de fundos de pensões -, e os consumidores e investidores. Este segundo fluxo já está regulamentado na Sustainable Finance Regulation Disclosures (SFRD). As instituições financeiras já estão a preparar a informação para que os consumidores e investidores possam apreciar os atributos de sustentabilidade dos produtos financeiros oferecidos e combinar com as suas preferências.

     

    E a ASF vai ter algum papel neste domínio?

    Temos várias iniciativas em curso. Existe um plano de ação a três anos. Dedicámos o ano passado à supervisão dos deveres de informação pré-contratual e periódica, que as seguradoras e as gestoras de fundos de pensões devem prestar aos consumidores. O que se supervisiona é a qualidade de essa informação, se é clara e compreensível, não induz em erro o consumidor, isto é, se há, ou não, fenómenos de "greenwashing". Há também aqui uma aprendizagem que os supervisores financeiros têm de fazer.

     

    Portugal é dos países com maior risco climático. Os portugueses têm de se preparar para seguros mais caros?

    Isto é um pau de dois gumes, como se costuma dizer. Em primeiro lugar, temos um problema de "protection gap". Na verdade, não temos suficiente oferta de cobertura seguradora para fazer face aos riscos ambientais.

     

    Isso significa que as seguradoras têm margem para oferecer novos produtos?

    Têm margem para oferecer novos produtos, mas há um problema também de acesso ao produto em termos de preço e de gestão de risco. É tudo uma questão de preço.

     

    Os produtos não aparecem porque os portugueses não têm poder de compra para eles?

    Há um problema de preço, mas também de desenho da cobertura. Portugal não tem uma cultura de risco. Já tivemos menos, mas temos de fomentar a responsabilidade individual e coletiva de proteção. O seguro é uma proteção financeira, mas nós também devemos agir sobre a magnitude dos danos provocados por um evento catastrófico. Para que, se o risco acontecer, provoque danos menos onerosos, menos graves. Nesta área temos um campo grande de trabalho que não é exclusivamente das seguradoras. As seguradoras podem fazer uma diferenciação do preço em função da prevenção que as pessoas ou as empresas colocam na gestão dos riscos. Finalmente, estes riscos catastróficos são severos e estão a acontecer até com mais frequência. Não atingem uma, duas ou três pessoas, mas uma comunidade ou um território. O que tem sido seguido em muitos países é a criação de instrumentos coletivos de proteção financeira, fundos financiados para segurar riscos catastróficos.

     

    Que tipo de fundo seria esse?

    A ASF foi mandatada pelo Governo para apresentar uma solução para a criação do fundo sísmico. Vai ser financiado por contratos de seguro com uma finalidade específica. Há uma acumulação de capital, uma preparação para acorrer a um evento catastrófico. Os números que temos apontam que apenas 16% do edificado habitacional tem um seguro sísmico. Se calhar, se o seguro fosse obrigatório, não teríamos tanto este problema.

     

    E o modelo do fundo sísmico pode ser replicado?

    Poderíamos ter fundos para catástrofes climáticas. Estes fundos podem também contribuir para melhorar a cobertura seguradora destes eventos. Juntam várias contrapartes para o seu financiamento, recursos públicos, privados e gestão profissional. E o Estado muitas vezes aparece como uma espécie de último recurso. Agora, este tipo de soluções envolve decisão política. Há riscos que têm um impacto de tal maneira catastrófico, que a acumulação específica de capital permite uma certa diversificação de risco para se conseguir soluções com um preço acessível.

     

    Estas novas regras e riscos podem afetar a rentabilidade e solidez do setor segurador?

    Uma das preocupações das empresas seguradoras e do supervisor é que não podem explorar seguros com rendibilidades negativas, isto é, os prémios que são cobrados têm que ser suficientes para fazer face à sinistralidade.

     

    E isso tem como consequência provável a subida dos seguros?

    Os seguros vão subir não apenas porque refletem o preço da economia, como vimos agora com a inflação. E este crescendo de fenómenos catastróficos tem uma repercussão em termos de exigência de capital e de rendibilidade. Isso tem de se refletir necessariamente nos prémios, nos valores que são cobrados pelas empresas.

    Vamos tomar a iniciativa de criar padrões de seguros de saúde para permitir comparar os preços face às coberturas oferecidas.

    Uma área que tem tido um grande crescimento é a dos seguros de saúde. Que papel a autoridade de supervisão pode ter aqui?

    Temos um programa em curso porque percebemos que havia um movimento de crescimento de seguros de saúde. Criámos um observatório dos seguros de saúde, que fornece informação clara e transparente sobre as variáveis e fatores que determinam os custos e os benefícios dos seguros de saúde. E vamos tomar a iniciativa de criar padrões de seguros de saúde para permitir comparar os preços face às coberturas oferecidas. Hoje é praticamente impossível a um cidadão comparar o seguro de saúde da empresa A com o B ou C. Com estes seguros padrão há muito mais transparência. Vai permitir comparar e que o mercado se acerte em termos de preços e de serviços que estão acoplados.

     

    As seguradoras estão melhores do que no passado nos comportamentos éticos. Tínhamos as letras pequeninas. E nos seguros de saúde as pessoas queixam-se muito.

    Queixam-se, mas nós não temos muitas reclamações. Temos muito mais reclamações no ramo dos incêndios do que nos seguros de saúde. Em termos de "governance" deram-se saltos qualitativos muito importantes. As empresas estão sujeitas a um conjunto de boas práticas e de regras que melhoram a forma como se relacionam com os clientes e a gestão dos próprios riscos, que vão influenciar o preço dos seguros. E tudo isso é auditável. Deixámos de ter as letras pequeninas. Está tudo mais acessível. Não sei se compreensível, porque, infelizmente, os níveis de literacia financeira têm ainda lacunas muito grandes. E os consumidores são muito importantes para ajudarem a regular o mercado. Consumidores bem informados sabem fazer contas, sabem decidir melhor e também ajudam a fazer uma regulação do mercado. Têm um papel importantíssimo e tornam o mercado muito mais equilibrado, muito mais justo.

     

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