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Manuel Pina: “Modelo de subscrição de painéis solares devia ser considerado nos incentivos”

Nas próximas semanas ou meses vamos começar a sentir algumas disrupções na distribuição e entrega de equipamentos por causa do que se passa no mar Vermelho, afirma o presidente executivo da Otovo.

14 de Fevereiro de 2024 às 12:30
Duarte Roriz
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    Bilhete de identidade Idade: 34 anosCargo: Otovo, CEO (desde maio de 2022); Uber, diretor-geral (2019 -2022) e gestor operacional (2015-19)Formação: Mestrado na Escola de Negócios da Universidade Católica; Licenciado em Gestão na Nova SBE

    Faz a ligação entre as famílias que querem ter painéis solares nos seus telhados e os instaladores, com dois modelos, um de compra e outro de subscrição. O convidado desta semana das "Conversas com CEO" é o presidente executivo da Otovo, uma filial da empresa norueguesa que viu a pouca produção de energia solar que existe nos telhados portugueses. Nesta entrevista, integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Manuel Pina diz que "Portugal tornou-se rapidamente num dos mercados mais importantes da Otovo porque a penetração de sistemas de painéis solares nas famílias era baixa e por causa do modelo de subscrição", que não exige um investimento inicial.

     

    É a segunda empresa que lança em Portugal. Consegue comparar as duas experiências?

    Quando me juntei à Uber já existiam pessoas em Portugal focadas no lançamento, com quem tive a sorte de trabalhar. No caso da Otovo, aí sim, fui o responsável, desde a constituição ao recrutamento das primeiras pessoas. Existem algumas semelhanças no sentido em que estamos a começar um negócio que ninguém conhece e temos de o apresentar, explicar o que é, porque é que tem valor.

     

    O que faz então a Otovo, uma plataforma que liga quem quer instalar painéis solares em casa com os instaladores.

    Somos focados no autoconsumo de energia solar, de as pessoas poderem produzir a sua energia, quase como se tivessem uma horta indo comprar o resto ao supermercado. Fazemos isso através de dois modelos. O primeiro é o de compra única: paga o valor que esse sistema custa e fica com ele instalado, com uma garantia de cinco anos. O outro modelo é o de subscrição, o primeiro que existe em Portugal que, sem investimento inicial, permite que as famílias possam poupar a partir do primeiro dia.

     

    Como garantem que quem faz a subscrição vai poupar?

    Infelizmente ninguém pode garantir isso. O que garantimos é que, quando simulamos o sistema mais vantajoso para cada família, ele tem em consideração a exposição solar do telhado e os hábitos de consumo de energia. E isso diz-nos a poupança gerada. Agora, se tivermos um inverno particularmente exigente, com poucos dias de sol em que as produções baixam para todas as famílias, são fatores que não controlamos. 

     

    E quanto tempo se tem de estar em subscrição? Na prática, isso é uma prestação?

    Não é bem uma prestação, na medida em que o modelo de subscrição é chave na mão. Inclui todos os serviços até à instalação do  sistema e depois o acompanhamento na produção e na manutenção. No modelo de compra única damos garantia de cinco anos. No caso da subscrição, se alguma das componentes do sistema se avariar daqui a 15 anos, fazemos a substituição sem qualquer custo. O contrato de subscrição normal tem 20 anos, mas pode estender-se por mais cinco. Os painéis solares tipicamente têm um ciclo de vida de 25 a 30 anos. No final do contrato de subscrição, não podemos doar o sistema, porque legalmente não é possível, mas existe um valor residual para que possa ficar com os painéis.

     

    Os painéis solares vêm em geral da China, o que tem uma pegada de carbono maior. Que estratégias usam para ultrapassar esta questão?

    Temos uma lista dos equipamentos que permitimos que sejam instalados. Fazemos o trabalho de perceber se os fornecedores cumprem as mesmas regras que os instaladores que estão a trabalhar connosco. Também trabalhamos com marcas europeias que tendencialmente são um bocadinho mais caras. O cliente vai poder escolher.

     

    Já mediram a vossa pegada de carbono?

    Medimos anualmente e publicamos esses dados. E o que fazemos tem benefícios. A instalação de painéis solares substitui toneladas de emissões de CO2. 

     

    Compensam o que gastam de energia nos data centers.

    Vamos um bocadinho mais longe, por exemplo, nas deslocações ou uso de equipamentos eletrónicos. Na Otovo não existem carros para diretores, nem de serviço. Toda a gente é incentivada a usar os transportes públicos. Não existem viagens. Eu não tenho direito a carro como CEO. E prefiro, porque sou utilizador dos transportes públicos. Estas medidas às vezes são simbólicas, mas ajudam a que se ganhe uma consciência sobre a sua pegada. E existem, obviamente, benefícios para os colaboradores que queiram instalar painéis solares, como é o meu caso.

    Quem faz negócio em Portugal sabe que o ambiente fiscal é extremamente complexo e burocrático.

    Há algumas queixas de clientes no Portal da Queixa: erros nas moradas, dificuldades de contacto, atrasos na documentação para entregar ao Fundo Ambiental. Em que ponto está este problema?  

    No caso do atraso de faturação, tivemos um problema no ano passado. Quem faz negócio em Portugal sabe que o ambiente fiscal é extremamente complexo e burocrático. As faturas têm um template específico. E uma empresa como a nossa, habituada a trabalhar noutros países, quando quer replicar as suas práticas em Portugal, precisa de fazer um esforço adicional, que queremos garantir que cumprimos. Mas às vezes a adaptação demora um bocadinho. Estou convencido que esses sistemas estão resolvidos. Os erros na morada vieram da relação entre o sistema de faturação, homologado pela autoridade tributária portuguesa, e o nosso sistema interno de registo de dados do cliente. Depois existem os temas de comunicação e já é diferente. No final do ano passado, nós, tal como a maior parte das outras empresas do setor, tivemos um volume muito grande de procura, por causa do Fundo Ambiental. As candidaturas abriram em agosto, fecharam em outubro e o anúncio de abertura foi em julho. E dois meses e meio não é muito para ter o sistema instalado a funcionar, porque só assim se podem candidatar. Isso gerou um pico de contactos, para o qual nenhuma empresa estava preparada, e houve alguns atrasos nos tempos de resposta. Quando existe esse tipo de reclamações, olho para todas. O que tentamos é garantir que essas reclamações são sempre respondidas no canal onde foram feitas. Neste caso, no Portal da Queixa. O que faz com que sejamos, na nossa área, a empresa com maior classificação no Portal da Queixa, o que é algo que, dentro do problema, me orgulha.

     

    Porque é que Portugal ainda tem muito poucos painéis solares nos seus telhados?

    É uma pergunta que eu ainda me faço. Um dos principais dados que me fizeram juntar à Otovo foi perceber que a penetração de painéis solares no mercado residencial em Portugal era muito baixa. Sobretudo quando temos uma das posições mais premiadas da Europa para a produção de energia solar. Não quero insinuar que sei a resposta a essa pergunta, porque eu próprio penso nisso várias vezes.

     

    Podemos colocar hipóteses.

    A primeira hipótese é que, até 2022, o custo da energia não era uma preocupação muito grande nas contas domésticas. Mas, em 2022, vários fatores triplicarem. E vimos pela primeira vez nas famílias a preocupação com o custo de eletricidade. A segunda hipótese é porque as principais opções não incentivavam ao autoconsumo. As grandes operadoras que faziam e fazem a comercialização desses sistemas fazem-no, e de forma bastante justa, como um complemento do seu principal negócio, a venda de energia. Usam a instalação de painéis solares para atrair os clientes, tal como outros programas, como apoio e reparações de eletrodomésticos. 

     

    Qual tem sido o crescimento?

    Começámos do zero, portanto, em 2023,  foi muito alto. Esperamos que o crescimento em Portugal em 2024 seja a dois dígitos.  Portugal tornou-se rapidamente num dos mercados mais importantes da Otovo porque a penetração de sistemas de painéis solares nas famílias era baixa e o modelo de subscrição, sendo único, é bastante alto. Mais de dois terços das nossas vendas são no modelo de subscrição, o que prova também a importância que as pessoas dão ao investimento inicial. Isto ajuda também a explicar aquilo que considero que são os ângulos mortos do Fundo Ambiental ou dos incentivos.

    (…) o modelo de subscrição de painéis solares deve ser considerado quando falamos de incentivos fiscais ou financeiros.

    Já têm algum concorrente neste modelo de subscrição?

    Começamos a ver algumas empresas a olharem para o modelo de subscrição. Agrada-me que as pessoas tenham mais do que uma opção. Isso ajuda-nos também a mostrar aos reguladores e decisores políticos que o modelo de subscrição de painéis solares deve ser considerado quando falamos de incentivos fiscais ou financeiros.

     

    Qual é a vantagem de ir ter com vocês em vez de ir diretamente ao instalador?

    Para o cliente, a primeira vantagem é que o processo é feito de forma bastante simples. Não precisamos de marcar uma visita e o cliente ficar à espera que vá lá alguém para olhar para o telhado, tirar fotografias… Temos um conjunto de ferramentas para, na hora, darmos logo uma estimativa do custo do sistema e do seu tipo. O cliente pode ter rapidamente acesso a toda a informação. Mas a principal vantagem é para o instalador, empresas pequenas em que muitas vezes o dono é o instalador, que têm uma ou duas equipas e que aquilo que sabem fazer melhor é a instalação e não a visita ao cliente. Podem fazer aquilo que fazem melhor e instalar mais vezes porque estão menos tempo a deslocarem-se a casa dos clientes.

     

    Não sai mais caro do que se for diretamente ao instalador?

    O próprio instalador, muitas vezes, quando vende diretamente tem sempre de colocar uma margem para o custo dos ‘nãos’. O custo ‘não’ é importante porque não vendemos a todos os clientes que nos procuram e a proposta não dá receita.

     

    E como é que se financiam para os modelos de subscrição?

    Vendemos alguns destes contratos de subscrição que fizemos na Europa a um fundo inglês e depois a uma seguradora suíça. Aproveitamos os contratos de subscrição para nos financiarmos e assim dependemos menos de capital de fundos de investimento, sobretudo de risco, do que uma startup ou uma "scale-up" normal.

     

    Que impactos têm os conflitos que rodeiam a Europa sobre esta transição para uma economia de carbono zero?

    Já assistimos a dois. Em 2022, houve uma grande disrupção na cadeia de valor, porque a energia se tornou muito mais cara. Isso acelerou a procura, mas também teve um impacto negativo na cadeia de distribuição. Agora estamos a assistir àquilo que potencialmente se vai desenvolver nos próximos meses, este conflito no mar Vermelho. Estamos a falar de uma cadeia de produção que depende de equipamento que vem da China para a Europa. Não está ainda a ter impacto, mas assumo que nas próximas semanas ou meses vamos começar a sentir algumas disrupções na distribuição e entrega.

     

    Um projeto de energia solar vai ficar mais caro ou demorar mais tempo a concretizar?

    Se o custo da energia e do equipamento não se alterar, pode ficar mais caro porque podemos ter de pagar mais para fazer um desvio grande [pelo cabo da Boa Esperança]. Mas outra das formas de se combater isso, e foi o que aconteceu em 2022, são prazos de instalação e de entrega mais longos.
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