Outros sites Medialivre
Notícia

Jorge Portugal: “O país não deve parar pela crise política”

Temos confiança na administração pública e na capacidade de os organismos continuarem aquilo que são as suas missões, independentemente dos contextos políticos, afirma o diretor-geral da Cotec.

22 de Novembro de 2023 às 11:00
João Cortesão
  • Partilhar artigo
  • ...

Video Player is loading.
Current Time 0:00
Duration 45:54
Loaded: 0.36%
Stream Type LIVE
Remaining Time 45:54
 
1x
    • Chapters
    • descriptions off, selected
    • subtitles off, selected
    • en (Main), selected

    Bilhete de identidade Idade: 59 anosCargo: Diretor-geral da Cotec, Associação Empresarial para a Inovação (desde 2016); Consultor para a Inovação da Casa Civil do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (2007 a 2016); Consultor no Governo (2004-2007); Diretor no Grupo BES (2000-2016); Diretor no Grupo Sonae (1996-2000)Formação: Investigador no departamento de engenharia aeroespacial do IST (1988-1996) e Doutorado pelo Instituto Superior Técnico com a tese Modelação Física Matemática de Escoamentos Geofísicos.

    A crise política pode ter impacto nas estratégias empresariais de sustentabilidade e inovação? Jorge Portugal espera que não, quer pela confiança que a administração pública lhe merece, quer por estamos já numa fase de execução, nomeadamente no PRR. Convidado desta semana das "Conversas com CEO", o diretor geral da Cotec, Associação Empresarial para a Inovação, defende que as empresas mais competitivas, as que exportam mais e estão mais expostas à concorrência internacional são também as que têm estratégias ambientais, sociais e de governação. Somos ainda uma economia em que "o ‘core’ de criação de valor e de sustentabilidade é concentrado num número pequeno de empresas", afirma. Uma entrevista integrada na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast.

     

    Com a sua experiência o que é que mais o marcou?

    Começando pela área académica o meu doutoramento foi sobre modulação de dispersão de contaminantes. Esses modelos de dispersão são o "input" para os tais modelos climáticos planetários.

     

    De alguma forma esteve desde cedo ligado a estas questões ambientais.

    Desde o primeiro minuto. O meu trabalho foi financiado por uma bolsa da Direção-geral de Qualidade do Ambiente para poder prever as emissões das cimenteiras Secil e Cimpor. Foi há mais de 30 anos e foi também o primeiro contacto, por exemplo, com mercados de carbono e de trade de emissões que existiam de uma forma local nos Estados Unidos. Era uma ideia muito interessante do ponto de vista do que seria a capacidade de haver um controlo da poluição.

     

    Aquilo a que assistimos hoje é a uma aceleração dessas preocupações e dessas medidas de combater a poluição?

    A regulamentação está a evoluir e nos últimos 3 anos há novos atores que se comprometem com este tema. O primeiro é o setor financeiro e quando ele fala os outros setores ouvem. O setor financeiro tem assumido, há alguns anos, que é preciso olhar para a sustentabilidade, não só ambiental, mas social e de governo das empresas. E incorporar isso nas decisões de investimento. Também vemos uma consciência das empresas nas suas cadeias de abastecimento, que também têm de estar alinhadas com estes objetivos. E, no fim da linha, temos os consumidores que cada vez mais ficam preocupados. Há 30 anos era para mim muito claro que as empresas teriam de se preocupar com o seu rasto de desperdício e de poluição, fatores hoje considerados essenciais.

     

    E estamos muito diferentes?

    Estamos muito diferentes. Quando a Cotec foi criada, em 2003, Portugal estava na cauda da Europa na inovação, muito longe do que eram os países da Europa do Sul e bastante longe dos que investiam mais de 3% em investigação e desenvolvimento (I&D), como a Dinamarca ou Finlândia. Hoje temos um sistema científico que compete a nível europeu com os melhores. O sistema de educação e de formação profissional melhorou substancialmente. Exportamos talento reconhecido em todas as partes do mundo. Temos agora o desafio de o reter em Portugal. Em 2002, a economia portuguesa era ainda muito fechada. Assistimos à interiorização, num conjunto de empresas em todos os setores, de que a inovação e a internacionalização são cruciais para manter a competitividade.

    As empresas perceberam que era uma vantagem competitiva olhar para as condições de trabalho dos seus colaboradores, não apenas condições higiénicas, mas também motivacionais.

    As empresas estão mais amigas do ambiente, socialmente mais responsáveis, perante os trabalhadores, clientes e fornecedores, e também com uma governação mais racional?

    As empresas à frente na competitividade também o estão nas dimensões de sustentabilidade, seja ambiental, social ou de governo da empresa. Porque estão inseridas num ambiente competitivo que exige não só que produzam produtos ou serviços com qualidade e ao preço adequado, mas que a própria cadeia de produção seja cada vez mais escrutinada. Hoje, o escrutínio da cadeia de abastecimento e dos clientes finais começa a ser cada vez mais premente. E as empresas perceberam que era uma vantagem competitiva olhar para as condições de trabalho dos seus colaboradores, não apenas condições higiénicas, mas também motivacionais como, por exemplo, o salário, o desenvolvimento profissional, a formação.

     

    O segredo para melhorar os salários em Portugal passa por esta melhoria da competitividade?

    O segredo passa pela consciência dos empresários que só podem melhorar o seu valor acrescentado e a capacidade de se expandirem internacionalmente, com uma equipa capaz de, todos os dias, introduzir inovação no processo produtivo, no modelo de negócio, nas áreas de funcionamento da empresa, no chão de fábrica, no marketing, na logística.

     

    Há sempre este conflito de quem é a culpa de os salários em Portugal serem tão baixos. É dos gestores? É dos trabalhadores? Ou não podemos dividir assim o mundo?

    Estamos a falar de um ciclo ou virtuoso ou vicioso. O ciclo virtuoso é aquele em que a empresa apostou na diferenciação e na internacionalização. Uma vez entrei num chão de fábrica e vi que tinham muitas dezenas de células automáticas, de produção altamente eficientes e que funcionavam 24 horas. "Tem aqui muito muito investimento", disse. E a resposta: "Sim, sim, por metro quadrado é mais caro do que Nova Iorque". Respondi: "sem dúvida, mas é um investimento substancial". Ao que me responde: "sim, é um investimento substancial por oposição a eu ter menos Porches à entrada da fábrica".

     

    Há cada vez mais empresários que olham para as suas empresas como um bem social, como o sítio onde é preciso inovar para crescer ou boa parte da economia portuguesa ainda é marcada por empresários que querem a empresa para comprar a casa, o carro…

    Esse empresário a que se está a referir tem uma noção insustentável da sua empresa. Na Cotec temos um ponto de observação que é a guarda avançada. Temos uma economia em que o "core" de criação de valor e de sustentabilidade é concentrado num número pequeno de empresas. Temos se calhar três mil ou quatro mil grandes exportadores que exportam para mais 5 ou 6 mercados. E 10 mil empresas financeiramente robustas. Temos 1.100 empresas com o estatuto inovador da Cotec. É aqui que grande parte do valor da economia está a ser criado. Do ponto de vista estratégico, é necessário alargar este núcleo e o que nós vemos são mais empresas. Se calhar a taxa de alargamento é que precisa de ser estimulada. E o papel das políticas públicas, das associações é acelerar esta economia da inovação.

     

    Há algum conjunto de medidas das políticas públicas que podia fazer toda a diferença?

    As políticas públicas servem para poder colmatar falhas de mercado. E nos mercados da inovação há sempre muitas falhas, porque, por definição, são imperfeitos, têm assimetrias de informação e há que interferir com políticas que os ajudem a funcionar melhor. A Cotec, dentro dos seus espaços de intervenção, tem áreas importantes. A primeira é o incentivo à investigação e desenvolvimento (I&D) e à sua aplicação em contexto empresarial. Mais do que incentivos à I&D, é preciso aplicar os seus resultados em contexto empresarial para criar valor. A isto chama-se inovação.

     

    E esses incentivos à I&D são insuficientes?

    Não é uma questão de quantidade, mas de propósito. Neste PRR foi introduzida uma regra em que não é apenas a despesa que conta, mas é o "output" do trabalho colaborativo dos incentivos. Cada vez mais, as métricas de sucesso do financiamento às empresas em I&D é o resultado da aplicação em mercado em termos de novos produtos. A relação entre a universidade e as empresas também mudou. Há cada vez mais empresas a trabalhar com universidades. E houve quase uma explosão cósmica de interfaces, nos últimos anos, que vamos ter de consolidar, até porque alguns não terão viabilidade. E à medida que massificamos a formação superior de licenciatura e mestrado, mais vamos precisar de formação avançada, a nível de doutoramento, nas empresas. Temos vindo a defender e a trabalhar para que os doutoramentos em ambiente empresarial sejam um instrumento fundamental de ligação duradoura entre a academia e as empresas. Neste domínio, estamos atrás dos mais avançados, como a Alemanha, a Finlândia, a Noruega, o bloco nórdico. 

     

    Em que medida é que a crise política pode afetar a inovação e a sustentabilidade? Ou é apenas um sobressalto?

    Temos de confiar. O país não deve parar pela crise política. Temos confiança na administração pública e na capacidade de os organismos continuarem aquilo que são as suas missões, independentemente dos contextos políticos. Estamos a terminar um quadro de financiamento, o Compete 2020, a executar um programa de financiamento associado ao PRR e às agendas mobilizadoras, e estamos a começar um novo programa que é o 20/30.

    Olhávamos para a China como a fábrica do mundo e é evidente que era um modelo que, nem para os chineses, nem para o resto do mundo, era sustentável.

    O mais problemático é o PRR…

    Tem datas. Estas atividades, já no terreno, não têm nenhuma razão para terminar ou para desacelerar. As regras estão definidas, os programas em curso, os consórcios constituídos e a trabalhar. Porque é que há de haver uma desaceleração? Diria que um dos grandes desígnios para o país é a capacidade de executar, e cada vez mais depressa. É nesse sentido que nos devemos concentrar todos.

     

    A pandemia e agora os conflitos que cercam a Europa criam a tendência de algum protecionismo. Pode ter impacto na economia portuguesa ou até pode ser uma vantagem?

    Temos de balancear aquilo a que chamamos protecionismo. É evidente que vemos uma tendência na Europa, e fora dela, de os estados olharem para as suas grandes empresas, os seus campeões nacionais. Mas para Portugal, país de pequenas e médias empresas, temos de trabalhar essencialmente na componente de interligação da economia a nível global e essa não vai cair. É evidente que a pandemia revelou que há riscos nas cadeias de abastecimento e que é necessário ter redundâncias. Não podemos otimizar as cadeias de abastecimento ao máximo da sua eficiência. Temos de ter fornecedores alternativos, pontos de fabrico mais próximos do mercado.

     

    E vai ficar por aí?

    A evidência empírica e as conversas que tenho mantido correspondem a esta maior resiliência das cadeias de abastecimento, de produzir próximo dos mercados, até por uma questão de sustentabilidade. Mas o mundo está intrinsecamente interligado. E nós temos de nos colocar nessas cadeias de abastecimento. Pode haver aqui algumas restrições, mas não estamos a ver, como alguns apontavam, um regresso a mercados fechados ou economias em circuito fechado. Olhávamos para a China como a fábrica do mundo e é evidente que era um modelo que, nem para os chineses, nem para o resto do mundo, era sustentável.

    Mais notícias