Outros sites Medialivre
Notícia

Inês Franco Alexandre: “Hoje já temos uma sociedade mais conservadora do que em dezembro de 2024”

Os princípios de Diversidade, Equidade e Igualdade vão retroceder imenso, mesmo na Europa, antecipa a diretora da IES, Social Business School.

19 de Fevereiro de 2025 às 12:30
Sérgio Lemos
  • Partilhar artigo
  • ...
Video Player is loading.
Current Time 0:00
Duration 44:42
Loaded: 0.37%
Stream Type LIVE
Remaining Time 44:42
 
1x
    • Chapters
    • descriptions off, selected
    • subtitles off, selected
    • en (Main), selected

     

    Bilhete de Identidade Idade: 34Cargo: Diretora-executiva da IES - Social Business School, Comunidade Lidera, Presidente (Desde 2024), Coletivo Matéria, co-fundadora (desde 2024), Movimento Transformers (desde 2015) e Reformers, consultoraFormação: Mestrado em Desporto Adaptado, Universidade do Porto (2016-19), Licenciatura em Psicologia do Desporto, Escola Superior de Desporto Rio Maior (2011-13)
    Promotora e entusiasta do empreendedorismo social, Inês Franco Alexandre é a convidada desta semana de "Conversas com CEO" numa entrevista aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast. A liderar a IES, Social Business School, que se dedica a descobrir, impulsionar e escalar negócios sociais, é fundadora e participa em movimentos ou associações que são, eles próprios, projetos sociais. "O valor máximo de qualquer empreendedor social é extinguir o seu posto de trabalho", resolvido que está o problema que se mobilizou a resolver, diz. Fazendo parte da Geração Z diz que esta é uma geração em que joga contra ela o facto de ser melhor preparada do que a anterior, o que não acontecia antes. Numa entrevista de mais de meia hora podemos saber como gere o seu tempo para caber em tantas atividades e como está preocupada com o futuro. Não apenas pelos desafios que esta geração já tinha, mas também porque, com o novo presidente dos Estados Unidos, vivemos já numa sociedade mais conservadora do que no passado recente.

    Como é que tem tempo para tanta coisa?
    Na verdade, tenho ótimas equipas. E uma rotina muito simples. Ao domingo organizo a semana detalhadamente. Contabilizo todos os tempos, inclusive das viagens, na minha agenda física e depois passo tudo para a digital. Evito ao máximo fazer muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. Porque, em tempos, enfiei todas as coisas diferentes ao mesmo tempo e o resultado não é incrível. Ficamos com um cansaço extremo. E aprendi.

    Colapsou?
    Pré-colapsei.

    Qual foi o sinal de alerta?
    Uma valente crise de ansiedade e perceber que não conseguia sair daquele sítio sozinha. É assustador. E pensei, se isto está a acontecer aos 30 anos... Ativei então todos os mecanismos possíveis. Para além de tudo isto, de fazer bastante desporto e terapia todas as semanas, tento ser o máximo consciente possível.

    E ainda faz terapia?
    Sempre. Todas as semanas lá estou eu. Até a minha psicóloga me dizer "Inês não me venhas mais chatear" (risos).

    Jovens, seniores, projetos de soluções sustentáveis... Qual destes projetos é mais a sua paixão?
    A minha paixão à séria é a mobilização cívica e a envolvência com os jovens. Porque a participação cívica, se for treinada desde cedo, tem um impacto gigantesco em todas as outras áreas da sociedade e na forma como nos envolvemos. A Lidera aparece porque um grupo de jovens líderes quer impulsionar a transição climática no País. O Coletivo Matéria surge para dar espaço de decisão aos jovens. O Reformers nasce da vontade de fazer igual com os seniores. E o IES entra nesta vontade de trazer a capacitação da inovação social para os mais jovens.

    E como se financiam e ganham dinheiro?
    Tanto o movimento Transformers como o Reformers o que fazem é criar serviços e produtos que vendem, a municípios, a governos, a empresas...

    A maneira mais eficaz de pensarmos melhor é utilizarmos os pensamentos uns dos outros.
    Há muitas empresas?
    Nas empresas temos duas áreas, uma de filantropia e outra do mecenato. Por exemplo, a Fundação Ageas investe nos Reformers. É mais ou menos semelhante a investimento de risco. No Transformers, temos um projeto com a Coca-Cola, o ‘Bora Jovens’ que tem como objetivo diminuir o número de jovens NEET [Not in Employment, Education or Training] no mundo. Nós estamos a vender um serviço de consultoria e de formação.

    E avaliam os resultados desses projetos?
    Sempre. Sabemos que o Transformers diminui o número de reprovações em 44,3% e aumenta a participação cívica em mais de 80%. Sou uma defensora da avaliação porque sem isso não sabemos se estamos a ter um impacto positivo ou negativo.

    O que é que faz uma escola de negócios com impacto social como a IES, que agora dirige?
    O IES descobre, impulsiona e escala negócios sociais. Estes negócios podem ser associações, como os Transformers, ou comunidades como o Lidera, ou startups que estão a trabalhar numa luva que descobre o cancro na mama mais cedo... Temos ciclos de formação para as diferentes áreas do empreendedor social, alguém que se dedica a resolver um problema social. Numa primeira fase, num Bootcamp de Ideação, de 2 dias, desenham o projeto, levam um "pitch" para investidores e depois fazem o ‘scaling’. Temos um programa imersivo só para escalar. Uma das nossas grandes preocupações é garantir que todos os projetos que passam pelo IES ganham robustez no seu modelo de negócio para serem independentes.

    E quais é são os seus objetivos agora para a IES?
    Lançamos no IES um novo posicionamento. Eu entro para trazer uma nova energia, para sermos como uma "one-stop shop" [OSS] em que um empreendedor chega e tem tudo. Posso conceber a minha ideia, criar o meu modelo de negócio, escalar, mas também trabalhar a comunicação, avaliar o impacto, fazer as candidaturas. Agora também estamos na consultoria e na produção de conhecimento, que está ocupado muito por universidades ou por consultores.

    Quem são os vossos principais clientes?
    Muitos municípios que criam centros de inovação social. Por exemplo, ajudámos a montar o que é hoje o Centro de Inovação Social (CIS), o CIS Porto, em que qualquer pessoa do município pode submeter um projeto. Passa por uma avaliação e, depois, faz connosco todo o processo de capacitação. Temos projetos que trabalham o envelhecimento ativo, uma plataforma digital de troca de serviços para imigrantes ou um serviço de terapia acompanhado com cães.

    Há projetos com imigrantes que estejam a desenvolver?
    Sim. Há uma forte vaga – e ainda bem – de projetos superinteressantes e até de negócios sociais. Temos um restaurante de comida síria, o Mezze, que integra famílias sírias. No Porto, temos uma associação, a Meeru, que garante casa, educação e saúde aos imigrantes que recebe. Existe um projeto que gosto muito, o Speak, uma plataforma em que os imigrantes ensinam a sua língua e os portuguesas ensinam o português. São projetos que passam ou passaram pelos bootcamps do IES. Os empreendedores vêm até às nossas formações e nós construímos as pecinhas todas com eles e levamo-los até à linha final, que se espera que seja extinguir o problema social. O valor máximo de qualquer empreendedor social é extinguir o seu próprio posto de trabalho.

    [Esta geração Z] precisa de fazer muito mais para ter o mesmo que os pais tinham.
    Faz parte do grupo de reflexão do Presidente da República, "O Futuro Já Começou". Que contributos é que lhe têm ficado na memória?
    É um grupo de reflexão com 33 jovens das mais variadas áreas que partilham as suas visões sobre o mundo, a atualidade e o País. Mais do que os contributos, tem-me ficado na memória o talento inexplorado que temos. São pessoas que estão a fazer coisas extraordinárias, desde a medicina, psiquiatria, à NATO, aos oceanos, à escultura, à pintura, ao ativismo... É assim que nasce o Coletivo Matéria, para replicar isto numa escala maior fora destes grupos. Porque a maneira mais eficaz de pensarmos melhor é utilizarmos os pensamentos uns dos outros.

    Estamos a falar da geração Z. Pensa que vai, de facto, viver mais pobre do que os seus pais?
    Já está a viver. É uma geração que tem mais oportunidades, mais acesso ao mundo, mas que precisa de fazer muito mais para ter o mesmo que os pais tinham.

    Mas tem a certeza? Ou é uma perceção porque é uma geração mimada como, frequentemente, se diz?
    (Risos). Não, não, não. Tenho a certeza que existem vários tipos de hierarquias dentro desta geração. Não podemos tomar a parte pelo todo.

    As generalizações são sempre perigosas, não é?
    Exatamente. Sabemos que a maioria dos jovens em Portugal recebe mil euros por mês e que arrendar uma casa em Lisboa pode custar mil euros por mês.

    Nem todos podem viver em Lisboa.
    Nem todos podem viver em Lisboa, nem todos podem viver no Porto. Mas as melhores oportunidades estão em Lisboa, no Porto ou possivelmente lá fora. Esta é uma geração que começou a emigrar para ter melhores oportunidades e agora começa a emigrar também por necessidade. Que era uma coisa que nós víamos no tempo dos nossos pais e avós.

    O que era preciso fazer?
    Estão a trabalhar-se em algumas medidas interessantes. Está a ser feito um esforço no financiamento e no arrendamento para a habitação. Ainda assim, é completamente irrealista acharmos que estas medidas vêm compensar a discrepância económica entre gerações. Somos a geração mais bem preparada de sempre…

    …Sendo que isso é verdade para todas as gerações. A nova geração é mais bem preparada do que a anterior.
    Mas até agora isso jogou a favor das gerações e na nossa começa a jogar contra nós. Não há espaço para tanta gente bem preparada. Não aproveitamos bem os nossos recursos. Têm surgido muitos pactos para a empregabilidade jovem, que as empresas assinam. Mas, na prática, é pouquíssimo palpável. Andamos todos a correr atrás da cenourinha, do que é visível aos outros. Os pactos dão notícias, assinamos um pacto e saímos nas notícias.

    Este novo mundo, que está a ser disruptivo através do novo Presidente dos EUA, que desafios coloca?
    Não podíamos ter um pior líder, numa melhor posição. Voltamos a retroceder em relação à figura da mulher. O facto de pessoas que são transgénero não poderem praticar desporto, faz-nos retroceder…

    …Isso é controverso, mesmo na tribo do desporto, não é?
    É controverso e deixo essa discussão para a tribo dos desportistas. Foco-me nos direitos humanos. E aqui descemos milhões de degraus nestas últimas semanas, que demoramos 20 ou 30 anos a subir.

    Os princípios de diversidade, equidade e igualdade vão retroceder? Mesmo na Europa?
    Vão, imenso. Mesmo na Europa, claro. Porque é um tipo de discurso que tem muito impacto. O facto de os EUA deixarem de financiar a Organização Mundial de Saúde, de saírem do Acordo de Paris…Têm um impacto gigantesco a todos os níveis.

    Pensa que é uma mudança das preferências do eleitorado que se poderá traduzir numa sociedade mais conservadora?
    É um reflexo de existirem poucas opções e, acima de tudo, pouca literacia sobre o que são as escolhas dentro dessas opções.

    Mas o povo é burro?
    O povo não é burro. O povo segue aquilo que, para o seu eu pessoal individual, é mais seguro, se vivesse completamente sozinho e isolado. Mas nenhum de nós vive completamente sozinho e ainda bem.

    Receia viver boa parte da sua vida numa sociedade mais conservadora?
    Hoje já temos uma sociedade mais conservadora do que em dezembro de 2024. Vai ser preciso muito mais resistência popular do que foi até agora. E é por isso que continuarei a envolver-me em todos estes projetos. Precisamos de aprender a resistir e de aprender a educar a resistir. E de aprender a expor e a comunicar para os tempos que estão para vir. Precisamos de não ser mais uns a polarizar o discurso, mas precisamos de estar aqui para garantir que esta resistência é feita.
    Mais notícias