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Há alternativas à mobilidade elétrica?

Estará o mercado preparado para a proibição, a partir de 2035, da venda de veículos a combustão? E será a melhor solução? As opiniões divergem.

07 de Agosto de 2024 às 10:00
Especialistas convergem na ideia de que a mobilidade elétrica é a melhor solução nas pequenas distâncias.
Especialistas convergem na ideia de que a mobilidade elétrica é a melhor solução nas pequenas distâncias. Pedro Simões
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A Europa caminha para a mobilidade elétrica e isso é visível não só nas metas definidas pela Comissão Europeia, mas também na proibição, a partir de 2035, da venda de novos veículos com motor a combustão. Mas estará o mercado preparado? E será esta a melhor solução?

As opiniões divergem. António Comprido, secretário-geral da Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes (Epcol), lembra que 98% da energia usada nos transportes é fornecida por combustíveis líquidos. E que os combustíveis de baixo carbono têm como vantagem o não necessitarem que se faça uma substituição de todo o “hardware”. Sendo que o “hardware tem a ver com a produção de energia, com o seu armazenamento e distribuição, nomeadamente em termos de segurança, de abastecimento e finalmente, também do parque utilizador”. O executivo não põe em causa o papel da eletrificação que, segundo ele irá ter um papel crescente. No entanto, acredita que, para se cumprirem as metas da descarbonização é urgente investir na descarbonização dos combustíveis líquidos, que deixem de ter “predominantemente origem fóssil, como acontece hoje, e passem a ter predominantemente a origem renovável”.

Na mesma linha, a presidente da Associação de Bioenergia Avançada (ABA), Anabela Antunes, afirma que “os biocombustíveis avançados são uma das melhores soluções para a descarbonização da mobilidade”. No entanto, lembra que é importante sublinhar que só conseguiremos alcançar o net zero através de um “mix” energético completo, o que inclui também a mobilidade elétrica e outras alternativas, como os combustíveis sintéticos, que farão parte do futuro.

“Se quisermos eliminar os combustíveis fósseis, mesmo reaproveitando todos os resíduos e havendo um foco na economia circular, pode não ser suficiente para descarbonizar todo o setor dos transportes – rodoviário, marítimo e aéreo. Teremos de utilizar todas as formas de energia complementar”, afirma a responsável.

A par disso, a executiva acredita ser essencial “educar a sociedade sobre os combustíveis verdes e esclarecer informações menos corretas, aumentando assim a confiança dos consumidores nessas opções – e é neste contexto de promoção de um amanhã descarbonizado e sustentável que a ABA atua”.

Pedro Nunes, “climate, energy and mobility coordinator” na Zero, tem uma opinião completamente oposta. O ambientalista aponta que apesar de os biocombustíveis tradicionais – derivados principalmente de culturas alimentares como o milho, a cana-de-açúcar e a soja – terem um perfil de emissões de gases com efeito de estufa mais baixo em comparação com os fósseis, os benefícios ambientais são menores dos que os prejuízos, incluindo a desflorestação, a destruição de habitats e a concorrência com a produção de alimentos. “As implicações económicas de depender das culturas alimentares podem levar ao aumento dos preços dos alimentos e a conflitos de utilização da terra”, explica.

Por outro lado, defende o ambientalista, os biocombustíveis avançados são produzidos a partir de fontes de biomassa não alimentar, como resíduos agrícolas ou florestais ou outros resíduos como óleos alimentares usados ou gordura animal, permitindo maiores reduções de emissões de gases de efeito de estufa e não concorrendo com culturas alimentares. O que pode parecer uma solução verde, na opinião de Pedro Nunes, na verdade não o é.

“Isto porque, por exemplo, a sua queima origina emissões de gases com efeito de estufa que pode demorar anos, ou décadas no caso da madeira, até que o carbono emitido seja novamente capturado, e de poluentes que degradam a qualidade do ar.

E o incentivo à utilização de resíduos florestais, essenciais para a regeneração e biodiversidade, tem como resultado um aumento da pressão sobre as florestas. Por outro lado, embora os óleos alimentares usados ou a gordura animal possam ser matérias-primas mais sustentáveis, as quantidades disponíveis são muito limitadas, e há ainda o sério risco de fraude na cadeia de produção destes produtos”, frisa.

A questão dos transportes

Entre as várias divergências há uma convergência. A mobilidade elétrica é a melhor solução quando se trata de pequenas distâncias. Então de que forma se pode assegurar o acesso a transportes pela maioria da população?

“A chave está na adoção de políticas públicas eficazes de promoção de uma mobilidade integrada que sirva a população toda de uma forma ampla, eficaz, limpa e barata. Aí, o conceito de Mobilidade como Serviço tem um papel fulcral”, responde Pedro Nunes, que acrescenta que este é um modelo de transporte inovador que integra várias formas de serviços de transporte numa única plataforma.

Os utilizadores podem planear, reservar e pagar vários tipos de serviços de mobilidade, como transportes públicos, partilha de viagens, partilha de bicicletas, mobilidade a pedido em automóveis elétricos e aluguer de motociclos elétricos através de um interface digital unificado, geralmente uma aplicação para o telemóvel.

A Mobilidade como Serviço proporciona assim viagens personalizadas, eficientes e flexíveis, adaptadas às necessidades individuais, permitindo otimizar rotas, reduzir o tempo de viagem e aumentar a conveniência.

O ambientalista explica que ao integrar o transporte público, desejavelmente eletrificado, com bicicletas e veículos elétricos e outras opções de baixas emissões, a Mobilidade como Serviço reduz significativamente as emissões de gases com efeito de estufa e diminui o consumo global de energia no setor dos transportes. “Se bem implementada, pode servir eficientemente a população, fazendo reduzir a dependência do automóvel privado e os encargos financeiros daí advindos, promovendo a igualdade entre segmentos da população e reduzindo a pobreza de transportes, incluindo em zonas rurais normalmente mal servidas.”

Tal opinião é partilhada por Anabela Antunes, defendendo que uma abordagem diversificada e integrada é essencial para assegurar uma transição justa para todos os segmentos da sociedade, apoiando opções acessíveis a todos e que melhor respondem às necessidades de cada um.

Esta é, aliás, uma ideia consensual: a de existir uma solução integrada, que contemple vários tipos de soluções. “Não há que apostar em soluções únicas”, afirma António Comprido, acrescentando que há que apostar nas soluções mais adequadas para cada situação, sendo que, em muitas delas, “um motor de combustão interna com combustíveis progressivamente descarbonizados continuará a ser a melhor solução”.

O caminho para a mobilidade elétrica traz vantagens e desafios. No caso dos biocombustíveis estes não obrigam à substituição dos veículos – perspetivam-se uns quantos cemitérios de viaturas – e dão maior possibilidade de escolha aos consumidores.

Já a mobilidade elétrica, e como aponta Pedro Nunes, oferece inúmeras vantagens em relação aos veículos tradicionais com motor de combustão interna, beneficiando o ambiente, a economia e a sociedade. Para o ambientalista, os principais benefícios ambientais incluem a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a melhoria da qualidade do ar, uma vez que os veículos elétricos não têm emissões de escape e podem ser carregados com energia renovável, sendo uma ótima forma de a aproveitar e gerir, pois constituem, se vistos agregadamente, uma gigante bateria que pode ser usada para armazenar energia renovável em redes inteligentes.

Adicionalmente “os veículos elétricos têm custos operacionais e de manutenção mais baixos, promovem a independência energética e podem criar empregos, operando de forma mais silenciosa, reduzindo por isso a poluição sonora”. Mas, como diz o ditado, nem tudo o que reluz é ouro. Pedro Nunes alerta para os desafios ambientais, tais como o impacto ambiental e as preocupações éticas relacionadas com a extração de metais raros como o lítio e o cobalto para a produção de baterias, juntamente com as complexidades de eliminação e reciclagem de baterias. Enfrentar estes desafios requer práticas de mineração sustentáveis, tecnologias avançadas de baterias, maior utilização de energias renováveis e sistemas de reciclagem eficazes. Sem esquecer os “desafios de infraestrutura de carregamento, pois a sua implantação implica elevados custos iniciais, pressão sobre as redes elétricas e a necessidade de estações de carregamento rápido”.

“Os biocombustíveis, particularmente os avançados feitos a partir de matérias dos residuais, terão o seu lugar e, portanto, tudo isto vai coexistir, como disse, dependendo muito das circunstâncias de cada país”, essa é a convicção de António Comprido, que acredita num “mix” energético e que espera que a Comissão Europeia adote uma estratégia (das políticas energéticas) mais equilibrada.

Mesmo porque “a Europa representa 8% das emissões mundiais, os transportes representam 25 a 30%”, o que significa que, “mesmo com uma varinha mágica, se conseguíssemos pôr todo o transporte terrestre eletrificado, e com e com toda a produção de energia elétrica renovável, mesmo assim, nós íamos contribuir em termos de um problema que é global, com uma redução de 1 a 2% das emissões totais”.

 

Os biocombustíveis avançados são uma das melhores soluções para a descarbonização da mobilidade Anabela Antunes,
Presidente da Associação de Bioenergia Avançada

 

 

As implicações económicas de depender das culturas alimentares podem levar ao aumento dos preços dos alimentos e a conflitos de utilização da terra. Pedro Nunes
“Energy and mobility coordinator” na Zero

 

 

Os biocombustíveis, particularmente os avançados feitos a partir de matérias dos residuais, terão o seu lugar e, portanto, tudo isto vai coexistir, como disse, dependendo muito das circunstâncias de cada país. António Comprido
Secretário-geral da Epcol - Empresas Portuguesas de Combustíveis e Lubrificantes

 

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