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Gonçalo Lobo Xavier: “Não podemos correr o risco de morrermos todos a tentar salvar o mundo”

O diretor-geral da APED está convencido que há hoje caminho para a União Europeia repensar alguns calendários para o cumprimento das metas de sustentabilidade.

03 de Julho de 2024 às 12:30
Pedro Catarino
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    Bilhete de identidade Idade: 52 anosCargo: Diretor-Geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED); Membro do Comité Económico e Social, desde 2011; CIP, Confederação Empresarial de Portugal (2010-2012); Diretor Executivo - RECET - Portuguese Technological Centers Network (2002-12)Formação: Global Advanced Leadership Program - IMD Lausanne; Programa Avançado de Gestão, Porto Business School; Licenciado em Gestão e Administração de Empresas, Universidade do Minho

    As regras europeias em matéria de reporte ambiental e social têm de ser mais simples e com menos carga burocrática ou corremos o risco de não ter um produto na prateleira porque na cadeia de distribuição houve alguém que falhou nos reportes que são exigidos. Este é um dos alertas deixado por Gonçalo Lobo Xavier. E, em conjunto com a associação europeia do setor, vai tentar junto da Comissão Europeia que se repensem os calendários para cumprimento dos reportes não financeiros na área da sustentabilidade. Convidado desta semana das "Conversas com CEO", enquadradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, o diretor-geral da APED espera que até ao fim do ano se comece a pagar pelos sacos de plástico leves e daqui a dois anos seja possível devolver as garrafas de plástico e metal nos supermercados. .

     

    O que o levou a dedicar-se ao associativismo?

    Desde cedo envolvi-me em atividades associativas, como estudante. Sempre tive esse gosto, considerando que representar os interesses de vários tem valor acrescentado e mérito. O trabalho que tive a sorte de ir fazendo com a CIP e no Comité Económico e Social Europeu tem-me permitido ajudar diversos setores, estar atento a diferentes realidades. E isso permite ajudar a definir políticas de inovação, de transferência de tecnologia, de sustentabilidade.

     

    Um dos desafios da distribuição são as exigências de reporte de dados ambientais e sociais. Quais são aqueles que se revelam como mais difíceis?

    Chamamos a este movimento regulatório europeu um tsunami de legislação. Estamos a falar de questões tão diversas como a origem dos produtos, a sua rastreabilidade, a obrigação de confirmar as dinâmicas dos fornecedores quanto à pegada de carbono, à inclusão, à gestão de resíduos... É um reporte muito abrangente e exigente. Há várias diretivas no ‘pipeline’ para serem transpostas que colocam uma pressão enorme nas grandes empresas, mas as pequenas e médias também virão a seguir.

     

    E que papel é que a APED pode ter?

    Temos 212 associados de áreas diversas e de todas as dimensões e origens, o que torna maior o desafio. Hoje fala-se muito do lóbi e é isso que fazemos. Mas o lóbi não pode ter a conotação negativa que muitas vezes se lhe dá. O que fazemos é esclarecer os decisores políticos.

     

    A APED pensa também classificar-se como lobista em Portugal?

    Sim, parece-nos evidente e saudamos que haja regulação. Em Bruxelas sou lobista e obrigado a registar-me para ter acesso aos deputados, à Comissão. É importante que quem decide esteja esclarecido sobre os efeitos nos consumidores, na vida das empresas. É isso que fazemos. No reporte não financeiro, nenhuma empresa está contra os grandes objetivos da sustentabilidade. Mas muitas vezes, não podemos atingir as metas com a rapidez que se quer quando há questões estruturais, mesmo na economia portuguesa, por resolver. E que não permitem que, por mais investimento que façamos, alcancemos essas metas.

     

    E quais são esses problemas estruturais?

    Na gestão dos resíduos e dos biorresíduos faltam ainda infraestruturas, mas os timings das metas e a dimensão dos objetivos não são alterados. Falamos muito da mobilidade elétrica, mas faltam infraestruturas e pontos de carregamento suficientes para o investimento e eficiência que se pretende. Na eficiência energética tem de se perceber que tal obriga a uma capacidade de investimento que, porventura, as grandes empresas têm, mas as mais pequenas não. Um exemplo académico: se até 2030 temos de ter a maior parte dos parques de estacionamento dos centros comerciais ou das empresas cobertos por painéis solares, é evidente que o processo legislativo e o licenciamento têm de ser mais céleres. Não estamos a falar apenas de investimento do Estado em infraestruturas, mas também em agilidade nos processos.

     

    As empresas só não vão mais depressa por causa do Estado?

    Não posso dizer isso, mas há áreas em que o Estado não tem tido capacidade de resposta que permita às empresas cumprirem os seus objetivos. Outro exemplo: o sistema de depósito e reembolso, ou seja, a devolução de garrafas [de plástico e metal]. A APED geriu um projeto piloto em 23 estabelecimentos em todo o país e demonstrou que o consumidor, quando bem orientado, cumpre a sua responsabilidade ambiental. Este projeto já acabou há dois anos, tempo suficiente para a tutela tomar a sua decisão. Mas só agora vai ver a luz do dia. Demorou tempo demais. E agora temos de ter tempo para o operacionalizar. É preciso reorientar os espaços e comprar as máquinas – estamos a falar de milhares de equipamentos. O que achamos razoável é que esteja concluído daqui a 24 meses, mas o objetivo é antecipar.

     

    O combate aos plásticos leves vem no Orçamento de Estado deste ano, mas foi adiado por razões operacionais.

    Quando acaba esse problema?

    É uma questão operacional que, mais uma vez, não é da nossa responsabilidade. Explicámos ao Governo anterior que muitas questões estavam por esclarecer. O Governo diz que o retalhista deve cobrar 4 cêntimos ao consumidor, mas esses sacos de plástico muito leves vêm em rolos de 500 a 600, o que obriga o fornecedor a fazer alterações para se vender em loja. Depois há a questão que a Autoridade Tributária ainda não esclareceu: têm IVA ou não? Diria que a medida vai ver a luz do dia em breve.

     

    E até ao fim do ano vamos pagar 4 cêntimos pelos sacos leves?

    Exatamente. O retalho tem um papel importante de induzir bons comportamentos. E queremos estar sempre do lado da solução. Não podem é fazer-nos exigências sem clarificar como as operacionalizamos, porque ficamos com o problema nas nossas mãos e nas nossas lojas.

     

    A nossa taxa de circularidade é a mais baixa da União Europeia. O que está a falhar?

    A economia circular abarca muitas dimensões e muitas dinâmicas. A questão dos têxteis será o exemplo mais flagrante. Há objetivos para voltar a inserir os resíduos têxteis na cadeia de produção, mas isso exige tecnologia e um trabalho muito grande de seleção. E a tecnologia ainda não está perfeitamente madura.

    Há muita gente a deitar fora produtos porque não sabe ler os prazos de validade.

    Mas a Holanda tem uma elevada taxa de circularidade e não tem também essa tecnologia. Há outras coisas que se podiam fazer?

    A reutilização das embalagens. E na circularidade, também temos questões como o combate ao desperdício alimentar, que passa por mais literacia, por exemplo, na gestão dos prazos de validade. Nós, as famílias, somos responsáveis por mais de 45% do total do desperdício alimentar. Há muita gente a deitar fora produtos porque não sabe ler os prazos de validade.

     

    O "consumir até" significa que posso consumidor depois de…?

    Ainda pode consumir. Se aquele prazo passar pode comer aquela bolacha. Ela pode é já não estar nas melhores condições. O "consumir até" é no sentido de estar melhor se consumir até àquela data. Aliás, a APED vai lançar uma campanha nas suas lojas, a partir de Setembro, para as pessoas perceberem as indicações dos prazos de validade.

     

    Mas com o iogurte, por exemplo, é diferente...

    O iogurte tem um prazo de validade. Tivemos eleições europeias e a Europa virou à direita. As políticas de sustentabilidade podem sofrer algum retrocesso? As empresas querem estar do lado da solução, querem ser sustentáveis. Em março vimos os agricultores europeus a manifestarem-se e a porem em causa toda a cadeia de distribuição. Em causa estavam as obrigações que a Europa está a impor à produção agrícola europeia que, conceptualmente, estão muito bem, mas não são cumpridas por outras geografias. O que deixa os agricultores incomodados e zangados, porque depois entram no mercado interno produtos de outras geografias que não cumprem nenhum dos requisitos que os europeus têm. E isso é concorrência desleal. O que os agricultores conseguiram foi sensibilizar de tal forma a Comissão Europeia que houve uma revisão de algumas das metas. Há muitos casos em que os objetivos e o timeline são tão curtos e exigentes que vai obrigar a uma reflexão e a uma recalendarização.

     

    Independentemente do resultado eleitoral, tinha de ocorrer sempre?

    A comissão liderada por Von der Leyen reagiu rapidamente e teve bom senso para tranquilizar os agricultores. Espero que isto não faça escola e que não venha a indústria automóvel ou outros para a rua, parar Bruxelas. Mas a verdade é que se abriu um precedente e pelo menos há caminho para repensar algumas das exigências, sobretudo o timeline do cumprimento das metas.

     

    Ou seja, o setor da distribuição vai pedir que se repensem os calendários?

    Estamos organizados para isso com os nossos parceiros espanhóis, com o Eurocommerce, a nossa associação europeia. Não pomos em causa o objetivo e a necessidade de acelerar certos processos. Mas não podemos pedir às empresas que, em pouco tempo, revolucionem toda a sua cadeia de valor, ou que consigam convencer os fornecedores a cumprir objetivos e a alterar procedimentos para que o reporte não financeiro evidencie esse esforço. Independentemente deste aumento do peso da direita no xadrez europeu, parece-me que vamos ter, com a Hungria e a Polónia, algum caminho para rever a velocidade. Não pondo em causa os objetivos, porque de maneira nenhuma queremos isso, mas tem de haver algum bom senso porque não podemos correr o risco de morrermos todos a tentar salvar o mundo.

    Nos períodos em que o Governo anterior caiu e imediatamente antes das eleições houve uma quebra de confiança dos consumidores.

    Isso significa recalendarizar, por exemplo, as regras do combate à desflorestação?

    É preciso suavizar a carga burocrática, ter procedimentos mais gerais e certificados. As leis têm de ser muito claras, mais simples e com menos carga burocrática, sob pena de ficarmos completamente bloqueados e não podermos ter um produto na prateleira porque na cadeia de distribuição houve alguém que falhou e, de repente, estamos sem fornecimento. E explicar, a quem está a fazer a legislação, que a forma como estão a querer impor este tipo de regras, vai ser muito mais prejudicial para o mercado do que o suposto bem que está por detrás e que está na cabeça do legislador.

     

    Vivemos também uma situação de incerteza política em Portugal. É uma preocupação para o setor?

    Qualquer cidadão prefere viver com governos estáveis que possam exercer a sua política. A instabilidade política tem um preço que se reflete na confiança do consumidor. Nos períodos em que o Governo anterior caiu e imediatamente antes das eleições houve uma quebra de confiança dos consumidores. Não tanto no retalho alimentar, mas sobretudo no consumo de outros segmentos, como equipamentos elétricos, no grande eletrodoméstico e mesmo na moda, no têxtil. Os nossos retalhistas verificaram essa redução e isso é fruto da instabilidade política e da incerteza. Preferimos sempre que os governos cumpram as legislaturas porque é melhor para estabilizar, por exemplo, a legislação fiscal, que deve ser simples, amiga das empresas para se poder investir, criar mais riqueza e para distribuí-la melhor.

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