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Formação: MBA, Universidade de Columbia (2003-2005); Engenharia Industrial, Instituto Superior Técnico (1995-2000)
A fábrica de unicórnios de Lisboa está a estrear o hub da Sustentabilidade e vai lançar no fim do ano o seu quarto bairro inovador, este dedicado à inteligência artificial. O diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa é o convidado desta semana das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Durante mais de meia hora, numa entrevista aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Gil Azevedo fala-nos da sua ambição de fazer de Lisboa uma das capitais de inovação a nível internacional e de como já atrai negócios em concorrência com Dublin. O primeiro hub que foi criado, dedicado ao "gaming", diz, já colocou o país no mapa internacional deste setor. E o prémio que Lisboa recebeu, de Capital Europeia de Inovação, permitiu lançar um concurso de inovação social nas categorias de educação, saúde e apoio à integração de imigrantes que conta com 325 candidaturas.
Trabalhou no Emirates Islamic Bank. É diferente de um banco da Zona Euro?
A experiência em banca não é assim tão diferente. Tem os mesmos produtos, mas com estruturas diferentes para ser considerado um banco islâmico. Na cultura muçulmana não se pode fazer dinheiro com dinheiro. Os produtos são estruturados para existir uma troca comercial. O crédito automóvel, por exemplo. Aqui, vai ao banco, pede dinheiro emprestado, compra o carro e fica com o carro. Na banca islâmica, o banco compra o carro, o cliente paga ao banco em prestações, mas o carro pertence ao banco até o cliente o pagar na totalidade.
E porque deixou esta carreira na banca e voltou para Portugal?
Estive mais de 10 anos neste banco. Quis regressar a Portugal. Despedi-me e vim a pensar nos próximos passos. Nesse período o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que tinha anunciado este projeto, conheceu o meu perfil e convidou-me para o lançamento da Fábrica do Unicórnios. A ambição é que Lisboa seja uma das capitais de inovação a nível internacional e apoiar startups, fazê-las crescer e torná-las empresas globais.
E que resultados já têm?
Se tivesse de apontar um resultado, obviamente que foi a eleição do Unicorn Factory Lisboa e da cidade de Lisboa como Capital Europeia de Inovação. Sendo essa a nossa missão, de criar este centro europeu de inovação, o prémio vem demonstrar que de facto conseguimos. E passámos de apoiar 50 novas startups por ano em 2022 para mais 250 este ano.
A transição digital tornou-se ainda mais desafiante com a inteligência artificial. Que contributo estão a dar para esta transição?
Toda a nossa missão está focada na transição digital. Temos cinco grandes áreas. A primeira é a de incubação, que apoia projetos numa fase inicial. Temos depois uma área de "scaling up", para startups que já estão numa fase de expansão internacional. A terceira é a de internacional, onde damos apoio a empresas que queiram ter operações em Portugal. Em quarto lugar, o empreendedorismo, apoiando jovens universitários e de ensino secundário. Por fim, a rede de espaços físicos, a que chamamos hubs, os "innovation districts", criando centros de excelência em áreas específicas. Este conjunto de cinco peças permite ajudar todo o país a fazer esta transição digital e tecnológica. O nosso primeiro hub foi o "gaming", juntando profissionais da indústria de videojogos, estúdios, universidades e núcleos de estudantes. Temos o hub Web 3 para toda a área de cripto e blockchain. E lançámos agora o nosso hub de Sustentabilidade para projetos com soluções para as "smart cities" do futuro, mobilidade e energia. E, por fim, vamos lançar, no final do ano, o hub de inteligência artificial. Tudo áreas que estão a captar muito investimento e que a ter um forte foco da União Europeia e das empresas, para integrarem nos seus modelos de negócio.
E quais são os resultados que têm obtido nesses hubs?
O melhor exemplo é o hub de "gaming", em que há um antes e um depois. Antes tínhamos empresas de videojogos que ninguém conhecia. Aquele espaço físico permitiu que 20 empresas se juntassem, mas a comunidade é bastante maior. O "gaming" tem agora uma visibilidade muito maior a nível internacional. Já levámos uma comitiva de estúdios de videojogos a São Francisco e à Alemanha e o feedback das comunidades locais foi que não conheciam que Portugal pudesse ter esta indústria. Estamos a ser capazes de colocar o "gaming" em Portugal no mapa internacional.
O que gostaria de ver daqui a cinco anos nesta fábrica de unicórnios?
Tenho a grande ambição de a fábrica de unicórnios não ser apenas local, de Lisboa e de Portugal, mas integrar uma rede internacional de inovação a uma escala global. Podemos fazer parte de uma União Europeia de Inovação, para dar às nossas empresas acesso a mais inovação e às startups mais mercados. E, desta forma, conseguir ter os tais grandes "players" internacionais de tecnologia com ADN português e os nossos unicórnios.
Nesta área muito do talento vem de fora?
Neste momento temos cerca de 55% de projetos internacionais e 45% nacionais. O que é uma simbiose quase perfeita, porque os internacionais trazem perspetivas que não temos, trazem talento e criam emprego. E como a comunidade local tem um conhecimento muito profundo do mercado, conseguem, ao associarem-se, criar modelos de negócio muito inovadores.
Identifica algumas regularidades nos projetos que são de iniciativa internacional?
Temos projetos de todos os setores a nível internacional. Nota-se mais algumas geografias, nomeadamente Brasil, Reino Unido, EUA e um bocadinho a Europa de Leste, aí também fruto da instabilidade que tem havido. Falo todas as semanas com novas pessoas que se juntaram a Portugal e todas referem a capacidade de acolher e de as fazerem sentir-se parte desta comunidade.
Qualquer empresário queixa-se imenso da burocracia em Portugal. Como é que as startups se poupam a esses problemas?
Infelizmente, também as afeta. A parte inicial de se instalarem em Portugal tem vários desafios e percalços. Felizmente que a vontade de estar cá é mais forte. E é aqui que nós temos de ajudar para que estas barreiras sejam um bocadinho mais fáceis para quem vem de fora, porque acabamos por beneficiar muito deste talento internacional.
Identifica vantagens de Portugal mesmo em relação à Irlanda?
Já são 13 os unicórnios internacionais que nos últimos dois anos se instalaram em Lisboa. E tivemos mais um unicórnio internacional, a Iterable, que abriu o seu escritório da Europa em Lisboa. Estava na dúvida entre Dublin e Lisboa. Optou por Lisboa por esta capacidade que temos de acolher e sermos mais abrangentes, não somos uma ilha afastada do resto da UE. Apesar de a Irlanda fazer parte da União, acaba por estar ali um bocadinho no seu canto, especialmente desde a saída do Reino Unido. Portugal tem a centralidade, a capacidade de ser bastante diverso a nível de cultura e é muito acolhedor.
E porque é uma vantagem? Ser acolhedor pode não ser uma vantagem…
Estas empresas vivem muito das pessoas que recrutam e da capacidade de reter talento. Para o talento, viver em Portugal ou na Irlanda é muito diferente. E temos ótimo talento a sair das universidades. Têm acesso a pessoas muito bem formadas.
Há um outro lado desse sucesso, que é o aumento do preço da habitação. Face à vossa responsabilidade social, podem contribuir para solucionar este problema?
Temos de facto essa preocupação. Mas queria esclarecer que o preço das habitações tem subido em toda a Europa, independentemente se são centros inovadores ou não.
Muito mais em Portugal.
Não existe essa ligação direta à inovação. Mas a inovação pode ter aqui um papel muito importante, pode ser usada para resolver os problemas das cidades, para melhorar a qualidade de vida dos residentes.
Pode ser usada para acelerar a oferta de habitação?
Também. E o acesso à habitação. Foi com esse objetivo que o presidente da Câmara de Lisboa nos lançou o desafio de usar a inovação para soluções que tenham impacto no dia a dia das pessoas. E lançámos este concurso chamado Innovation for All em três categorias: educação, saúde e apoio à integração de imigrantes. E o sucesso da iniciativa foi fantástico. Tivemos 325 candidaturas para este prémio de inovação social. Conseguimos trazer empresas de todos os espetros e de mais de 45 países. E é vamos continuar a apostar nesta área.
E essa área começou quando?
Este projeto foi resultado do prémio Capital Europeia de Inovação, no montante de um milhão de euros. Uma parte significativa deste valor vai para a inovação social. O concurso está na fase de avaliação. Vamos ter nove finalistas, três por cada uma das categorias que vão ter a oportunidade de implementar os seus projetos em Lisboa com o nosso apoio. E em maio de 2025 será anunciado o vencedor por categoria.
Que obstáculos gostaria de ver retirados e fariam a diferença no desenvolvimento do vosso projeto?
Temos um problema mais local e outro associado à comunidade europeia. A nível local, temos ainda alguma legislação que torna difícil, às startups portuguesas, poderem vingar e crescer em Portugal. Os unicórnios portugueses, a certa altura, têm de mudar a sua sede para fora de Portugal por questões fiscais e regulatórias.
Fora da Europa também ou só fora de Portugal?
Embora seja generalizado à comunidade europeia, em Portugal é especialmente um problema. Tivemos uma primeira lei das startups o ano passado, mas a legislação ainda tem de evoluir bastante para ser eficaz. Na União Europeia temos poucos projetos inovadores. Nos EUA temos a Google, Microsoft, a Amazon, na China as "Temu" e "Alibaba" da vida. E a Europa ficou um bocadinho atrás, é mais consumidora de tecnologia do que inovadora. Estamos numa nova fase que é a inteligência artificial. A União Europeia tem de ser capaz de criar condições para a inovação, não sendo apenas um aparelho regulatório. O grande problema da Europa é que regula muito cedo, tornando difícil a inovação em escala, como acontece nos EUA e na China. É um tema muito bem referido no relatório que o Draghi. A inovação é fundamental para o crescimento e desenvolvimento da Europa e a Europa ainda não está em condições de ser uma máquina inovadora.
O relatório Draghi e o perfil desta nova Comissão vai no sentido de uma Europa menos regulada?
Tem de ter uma regulação facilitadora com responsabilidade. Regular sem ter essa regulação nos EUA ou na China tem pouco efeito. Podemos ter aqui 30 salvaguardas à inteligência artificial, mas se não existirem noutras geografias a tecnologia continuará a ser desenvolvida. A transformação da inteligência artificial vai mudar muitos modelos de negócio. E vamos ter de tomar a decisão: queremos ser consumidores de inovação de outras geografias ou queremos ser nós os produtores dessa inovação.