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Excesso de regulação pode travar competitividade

Empresas e gestores não estão preparados para dar resposta às exigências da nova Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa que, para as grandes empresas e para o setor financeiro, entra em vigor já este ano. A crescente introdução da inteligência artificial nos negócios obriga a repensar questões éticas e da qualidade dos dados.

26 de Janeiro de 2024 às 10:30
António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar Pedro Ferreira
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Naquele que foi o último de três encontros do Ciclo de conferências ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governação), promovido pelo Jornal de Negócios e integrado na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu esta semana em Cascais, os desafios da Governação ESG e das novas regras de regulação europeia, e a tecnologia, com a Inteligência Artificial (IA) a dominar as atenções da sociedade e das empresas, foram os temas em destaque numa manhã marcada pelo debate entre diferentes visões destas temáticas.

A abertura da conferência esteve a cargo de António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, que lembrou que a sustentabilidade "é a grande guerra e o maior desafio da humanidade". A mudança de comportamentos é, na perspetiva do governante, o ponto de partida para a descarbonização que minimizará os riscos climáticos. Reflorestação, repensar a utilização da água e dos solos, assegurar a proteção da biodiversidade são temas que Portugal tem que endereçar com medidas e estratégias práticas. "A tecnologia pode ajudar com as soluções e transformar múltiplos setores da economia", concluiu.

Perspetivam-se tempos difíceis para quem tem a responsabilidade de gerir um negócio, especialmente no espaço europeu. Entre as novas obrigações de reporte de sustentabilidade impostas pela Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD, sigla em inglês), aprovada pela Comissão Europeia no final de 2022, e a legislação que determina as regras base para a utilização da inteligência artificial - o AI Act -, os desafios para as empresas são complexos.

No caso da CSRD, "a regulação é extensa, mas os seus desafios vão além dos 1103 pontos a reportar nos relatórios empresariais", disse Nuno Bettencourt, que marcou presença no segundo painel de discussão, que debateu precisamente os efeitos das novas regras europeias de sustentabilidade nas PME. Para o partner da Deloitte, a tecnologia, nomeadamente a IA, traz desafios adicionais. "A precisão e a qualidade dos dados de suporte à IA e a outras tecnologias é essencial, assim como a transparência e a clarificação da informação que deve integrar os relatórios de sustentabilidade". Atualmente, defende o responsável da consultora, nenhuma empresa está preparada para responder a estes desafios, pelo que é fundamental a antecipação, o diagnóstico e a operacionalização de uma estratégia que é transformacional das empresas, e que tem que ser abordada no seu todo e não apenas nas cúpulas.

Recorde-se que a CSRD para o setor financeiro e as grandes empresas entra em vigor já este ano, com as PME cotadas em bolsa a juntarem-se a este grupo em 2027, com base em informação de 2026. Serão mais de 50 mil empresas a ter esta obrigação em toda a União Europeia (UE), e cerca de 900 em Portugal. "Nem empresas nem instituições financeiras estão preparadas para esta mudança", concordou José Eduardo Martins, presente no mesmo debate. O sócio da Abreu Advogados defende mesmo que "até as grandes empresas estão baralhadas", e alerta para o facto de, apesar de a Europa estar na dianteira neste tipo de regulamentação, corre o risco de perceber que vai sozinha. E, se assim for, em breve deixará de fazê-lo. Ainda assim, José Eduardo Martins defende que esta obrigação de reporte "não deve assustar".

Desafios setoriais vão além do reporte ESG

Mais do que o desafio regulatório ESG que, nas palavras de Miguel Araújo, "é apenas mais um" no setor automóvel, fatores como a resiliência e a competitividade são o que verdadeiramente preocupa e está no topo das prioridades dos gestores da área. Isto porque, como explica o diretor-geral da Mobinov, associação que reúne as empresas do cluster automóvel em Portugal, a indústria nacional neste setor representa grandes empresas internacionais, "com práticas pioneiras e vanguardistas, pelo que está preparada para dar resposta às exigências da sustentabilidade". No entanto, adverte, que se este mecanismo avançar demasiado depressa, "a Europa poderá perder competitividade face a outras regiões do mundo que não jogam pelas mesmas regras".

Já no setor agroalimentar, os maiores desafios e ameaças estão relacionados precisamente com a sua sustentabilidade que, como alerta Amândio Santos, "tem que ser o centro de todos os projetos e investimentos". Temas como a água, "sem a qual não há setor", os riscos impostos pelas alterações climáticas, e a escassez de recursos humanos obrigam a olhar o futuro sob uma perspetiva inovadora, em que a tecnologia também terá um papel central. Adicionalmente, aponta, "o apoio público para investimento tangível deve ser uma realidade, mas também para a capacitação da consciência dos empresários para estes temas".

Políticas públicas para a sustentabilidade: sim ou não?

Numa conversa de confronto ideológico, Marcos Perestrello, deputado do PS, e Pedro Reis, deputado do PSD, responderam ao desafio da jornalista e curadora da iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Helena Garrido, e procuraram elencar políticas públicas que possam incentivar uma melhor governação ESG nas empresas públicas e privadas.

Na opinião do representante do PS, nas questões da sustentabilidade é essencial envolver as pessoas, mas também estabelecer metas políticas ambiciosas no plano ambiental, cuja implementação seja, contudo, equilibrada. Já no que se refere à IA, o deputado socialista acredita que pode ser uma ferramenta importante, nomeadamente, no modelo de financiamento da segurança social. "Menos trabalho mais qualificado, mas mais bem remunerado, permitirá criar mecanismos adicionais de financiamento", explica.

Crítico de algumas políticas seguidas pelo governo cessante, Pedro Reis defende que a IA poderia ser aproveitada, por exemplo, "para descontaminar as decisões sobre projetos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou outros, e para simplificar o trabalho na administração pública". O deputado do PSD critica igualmente a falta de equilíbrio entre o apoio do PRR ao setor público, que conta com 90% da dotação financeira, e privado.
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