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Estará a Agenda 2030 em risco?

O mundo está a braços com os efeitos da pandemia, com as alterações climáticas e com uma guerra na Ucrânia que trouxe consequências globais e inesperadas. A meio caminho da Agenda 2030, cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável parece uma miragem.

10 de Agosto de 2022 às 11:00
Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram definidos pelas Nações Unidas em 2015. Margarida Carriço
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Erradicar a pobreza, erradicar a fome e garantir a todos acesso à saúde são os primeiros de uma lista de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que as Nações Unidas definiram, em 2015, para corrigir uma trajetória de desigualdades e destruição do planeta e criar um mundo social e ambientalmente mais sustentável. A meio caminho de cumprir a Agenda 2030, como estamos?

O Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2022 da Organização das Nações Unidas (ONU), baseado em dados de 200 países e territórios, fez o balanço e mostrou que a confluência de crises, dominada pela covid-19, as alterações climáticas e diversos conflitos, está a afetar o cumprimento de todos os ODS.

O documento, publicado em julho, mostra que ODS estão “em grave perigo” devido a esta multiplicidade de crises globais, criando por sua vez crises de spin-off na alimentação e nutrição, saúde, educação, ambiente, paz e segurança.

A pesquisa destaca sobretudo os efeitos devastadores da pandemia, que derrubou mais de quatro anos de progresso na erradicação da pobreza (ODS 1) e empurrou mais 93 milhões de pessoas para a pobreza extrema em 2020. A interrupção dos serviços essenciais de saúde (ODS 3) resultou numa queda na cobertura da imunização, pela primeira vez numa década e no aumento de mortes por tuberculose e malária. Também mais de 24 milhões de crianças e jovens estão em risco de nunca mais regressarem à escola, estando em risco o objetivo de dar a todos uma educação de qualidade (ODS 4).

Por sua vez, as alterações climáticas, que trazem ondas de calor crescentes, secas, incêndios e inundações apocalípticas, estão também a afetar milhares de pessoas em todo o mundo e a atrasar a Agenda 2030, adverte a ONU. As emissões de gases com efeito de estufa terão de diminuir em 43% até 2030, a fim de atingir o objetivo de aquecimento global não superior a 1,5 °C. Mas os atuais compromissos não cumprem este requisito e apontam para um aumento de quase 14 por cento até 2030, demonstra o relatório.

A acrescentar, estamos a assistir ao maior número de conflitos violentos desde 1946, com um quarto da população mundial a viver atualmente em países afetados por conflitos e um recorde de 100 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo. A guerra na Ucrânia está a criar uma das maiores crises de refugiados dos tempos modernos. Além disso, está a fazer disparar os preços dos alimentos, dos combustíveis e dos fertilizantes, ameaçando escalar uma crise alimentar global.

Este é o cenário que se vive a meio caminho e que pode pôr em causa o alcance das metas até 2030. “A Agenda 2030 das Nações Unidas está largamente dependente dos destinos do mundo”, refere João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal. Porém, apesar da necessidade de se responder a crises como a pandemia e a guerra, a capacidade de ação para o longo prazo não deve ser comprometida, adverte . “Se não formos bem-sucedidos na transição rápida para um modelo de desenvolvimento sustentável, teremos cada vez mais instabilidade e acontecimentos disruptivos, tais como crises económicas, pandemias, guerras e eventos climáticos extremos.”

É já claro que a pandemia empurrou milhões para a pobreza e limitou o acesso à saúde e educação, mas o relatório fala também na regressão do ODS 5 (igualdade de género), com as mulheres a representarem 39% do emprego total em 2019, mas a sofrerem 45% das perdas globais de emprego em 2020.

O ambiente continua sistematicamente a sofrer revés, com as emissões de CO2 a atingirem os níveis mais elevados de sempre em 2021 (ODS 13) e mais de 17 milhões de toneladas métricas de plástico a entrarem no oceano, prejudicando a vida marinha (ODS 14). “A pandemia de covid-19 criou não apenas uma emergência de saúde global, mas também uma crise de desenvolvimento sustentável”, assinala Luís Veiga Martins, Chief Sustainability Officer da Nova SBE, acrescentado que “estes acontecimentos a diversos níveis são um alerta para que, não só os países olhem para os 17 ODS como um todo, apesar dos inevitáveis trade-offs que têm de acontecer na tomada de decisão, mas também para a necessidade de não deixar ninguém para trás: países, cidades, empresas e acima de tudo as pessoas”.

Europa na liderança

A nível europeu, a progressão da Agenda 2030 aparenta ser mais otimista. O Eurostat, gabinete de estatística da União Europeia, publicou o relatório dos progressos dos ODS na União Europeia (UE), em maio passado, indicando que houve uma evolução positiva na maioria dos objetivos nos últimos anos, em consonância com as prioridades da Comissão esplanadas no Pacto Ecológico Europeu, na Estratégia Digital e no Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

O relatório “Desenvolvimento Sustentável na União Europeia” indica que a UE tem feito progressos significativos em quase todos os aspetos da pobreza (ODS 1). No entanto, é visível uma ligeira deterioração neste ODS em 2020 devido à pandemia. Foram também realizados progressos significativos na área da energia limpa (ODS 7), bem como na inovação e infraestruturas (ODS 9). Até 2020, as energias renováveis representaram 22,1 % do consumo final bruto de energia. No entanto, as importações de combustíveis fósseis continuam a cobrir mais de metade da procura de energia da UE, não se refletindo as implicações no mercado da energia resultantes da guerra na Ucrânia.

Modernamente, na UE têm vindo a registar-se progressos nas áreas da saúde e bem-estar (ODS 3), proteção da vida marinha (ODS 14), igualdade de género (ODS 5), cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11), redução das desigualdades (ODS 10), consumo e produção responsáveis (ODS 12), educação de qualidade (ODS 4), ação climática (ODS 13) e erradicação da fome (ODS 2).

O destaque mais negativo vai para a proteção da vida terrestre (ODS 15), indicando o relatório que se verificou um ligeiro afastamento dos respetivos objetivos, o que indica que os ecossistemas e a biodiversidade permaneceram sob pressão das atividades humanas. Embora a área florestal da UE e as áreas terrestres protegidas tenham aumentado ligeiramente, a pressão sobre a biodiversidade continuou a intensificar-se, refere o Eurostat.

Afunilando mais um pouco, como estamos em Portugal em matéria de cumprimento dos ODS? Segundo o Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2022, Portugal ocupa a 20.ª posição entre 163 países, com um score de 79,23, sendo que 100 é quando todos os ODS são cumpridos, não existindo nenhum país nessa condição. Numa escala de semáforos, em Portugal, a verde está apenas o ODS 7 relativo a energias renováveis e acessíveis. O país tem ainda muito trabalho a fazer no ODS 2 (erradicar a fome); no ODS 12 (produção e consumo sustentáveis); no ODS 14 (proteger a vida marinha); e no ODS 17 (parcerias para a implementação dos objetivos). Tem, no entanto, feito progressos nalguns objetivos, tais como o ODS 5 (igualdade de género) ou ODS 6 (água potável e saneamento).

A velocidade de transição é realmente muito díspar, no mundo, Europa ou Portugal. Mas João Meneses salienta que “o facto de nunca termos tido tanto acesso a conhecimento e a tecnologia e de nunca termos sido tão ricos – o PIB mundial e o PIB per capita nunca foram tão elevados – deveria tornar possível alcançarmos a Agenda 2030 dentro do prazo”. Por isso, “se não formos bem-sucedidos na concretização da Agenda 2030 é porque não estamos a tomar boas decisões no que toca à aplicação dos principais recursos que temos ao nosso dispor: conhecimento, capital e criatividade”, acrescenta.

É a Agenda 2030 uma utopia?

Esta diversidade de fatores que intervêm na realidade faz o mundo andar a várias velocidades, e não podia ser de outra maneira. Mas o facto é que já vamos a meio caminho de cumprir a Agenda 2030 e muito ainda está por fazer. Por isso, para o responsável do BCSD Portugal, “neste momento, a Agenda 2030 parece-me ferida de morte, ou seja, é algo utópica. Mas as utopias são importantes. É fundamental não perdermos a esperança nem desmobilizarmos nesta fase”. Mas isto implica muita cooperação e ajuda a quem mais precisa: “Sem um plano global de apoio aos países em desenvolvimento, não seremos capazes de cumprir a Agenda 2030. Ou temos uma ação rápida, conjunta, coordenada e determinada dos países do G20, das instituições multilaterais e do setor privado – em especial do setor financeiro – no sentido de sermos bem-sucedidos na concretização da Agenda 2030, ou ficaremos muito longe de alcançar a generalidade das 169 metas que dão corpo aos 17 ODS, até 2030”, sublinha João Wengorovius Meneses.

A necessidade de todos continuarem empenhados nestes objetivos é também destacada por Luís Veiga Martins. Os desafios globais a nível do desenvolvimento sustentável “exigem um sistema multilateral forte. O ODS 17 (parcerias para os objetivos) apela à necessidade de em conjunto acelerarmos uma resolução favorável desta pandemia e uma recuperação sustentável, inclusiva e resiliente”. É assim fundamental fortalecer a capacidade de a comunidade internacional responder aos múltiplos desafios com que se depara. E para isso já existe um guia. Para o Chief Sustainability Officer da Nova SBE, “os ODS definidos e acordados entre todos os países são o ‘mapa da mina’ para ultrapassar a situação. Eles são a linguagem universal, um farol, no ajuste da rota necessário para que possamos alcançá-los em 2030. Felizmente, os ODS existem para que se mantenha o referencial.”

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