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Todos os anos Portugal, quando chega o tempo quente e as temperaturas altas, é assolado por fogos florestais, que devastam terras e destroem a biodiversidade. Algo que, segundo João Gonçalves, presidente do Centro PINUS, significa a perda de 37% (em volume) da madeira – dados referentes ao intervalo entre 2005 e 2019. Já no que concerne à área “perdeu-se 27% entre 1995 e 2015”. Situação que, revela o executivo, agravou o défice de madeira que existe em Portugal. Porque, num incêndio arde desde as plantas juvenis às massas adultas. Ou seja, a fileira do pinho – que tem um impacto social e económico significativo, basta pensar que a fileira é responsável por 80% dos postos de trabalho nas indústrias florestais, diga-se mais de 56,5 mil empregos.
Acontece que, na opinião de João Gonçalves, há um desajuste entre a política florestal e energética que se materializa nos riscos da queima de madeira de pinheiro-bravo para produção de energia e a grave ameaça à sustentabilidade de todo o setor florestal que essa atividade representa.
“Tudo começa com a Diretiva Europeia (sobre as energias renováveis) que aparece em 2009 e que considera as emissões de queima de madeira como sendo neutras”, aponta o presidente do Centro PINUS que esclarece que a Diretiva, aquando da queima de madeira para a produção de energia é considerada como neutra porque a madeira é renovável. “Demora é muito tempo”, aponta o executivo que acrescenta que “renovável não é sinónimo de sustentável”. Basta pensar que um pinheiro demora 45 a 50 anos a chegar à fase adulta não é, na opinião de João Gonçalves, lógico pensar que a queima dessa árvore é algo neutro porque a dita é possível plantar outra árvore no mesmo local. O executivo considera que deveria ser considerado todo o ciclo de vida da árvore, apontando que há falta de informação e que na prática “estamos a pagar para que se queime árvores, que poderiam ser utilizadas em usos mais nobres, e com valor acrescentado”.
Nuno Forner, da Zero, por seu lado, lembra que na legislação existe uma ligação entre a política florestal e a estratégia energética, contudo, acrescenta o ambientalista, constata-se que na prática esta contribui muito pouco para uma gestão sustentável da floresta e utilização dos recursos florestais. “É sabido que, em 2006, o governo português, com o objetivo de incentivar a produção de energia elétrica de fonte renovável a partir da biomassa florestal, lançou, um concurso público para a atribuição de capacidade de injeção de potência nas redes elétricas. Além do contributo para a produção de eletricidade com recurso aos recursos endógenos, neste caso a partir da biomassa florestal, esta medida também visava fomentar a boa gestão da floresta, a prevenção de incêndios e, em suma, promover o desenvolvimento da iniciativa e economia local a partir de recursos endógenos, com a valorização energética em centrais térmicas dedicadas de resíduos retirados da floresta”, diz.
Com o Decreto-Lei n.º 5/2011, e sucessivas alterações, estabeleceu-se um conjunto de medidas destinadas a promover a produção e o aproveitamento de biomassa florestal, efetuando uma ligação entre a estratégia nacional para as florestas aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 114/2006, de 15 de setembro, e na altura a estratégia para a energia com o horizonte de 2020 (ENE 2020). Na prática, refere Nuno Forner, assistimos a uma legislação que, no fundo, tem como objetivo bonificar o pagamento da eletricidade produzida em centrais dedicadas a biomassa, mediante um conjunto de deveres. Na opinião da Zero existem muitas dúvidas quanto ao cumprimento dos deveres por parte dos operadores, nomeadamente quanto à necessidade de aprovação de um plano de ação para 10 anos visando a sustentabilidade a prazo do aprovisionamento das centrais. “Algo nos parece que não está a ser cumprido”, aponta Nuno Forner, que acrescenta que a associação considera que a ausência de um quadro de critérios de sustentabilidade, que contribuam para a utilização sustentável da biomassa florestal, restringindo a valorização energética aos verdadeiros resíduos florestais com a aplicação da cascata de resíduos, em que se vai utilizando a biomassa segundo um lógica de mais valia, com a produção de materiais com valor acrescentado e que permitem o sequestro de carbono a médio e longo prazo, sendo a biomassa direcionada para energia quando não tem outro tipo de utilização mais nobre, continua a deixar a porta aberta à queima de troncos que são matéria-prima para outras indústrias.
Num ponto o ambientalista e o presidente do Centro PINUS concordam: existe uma indústria de produção de “pellets” de madeira que é completamente insustentável na medida em que utiliza madeira descascada para a produção de grandes quantidades de “pellets” que são na sua maioria exportados para países como a Dinamarca, Países Baixos e Reino Unido, onde são queimados em centrais ineficientes com um alegado selo de neutralidade carbónica e renovabilidade, que é questionável. João Gonçalves afirma mesmo que as indústrias de “pellets”, só na fileira do pinho, consumiram no ano passado, 20% de toda a madeira cortada. “Pellets” que foram exportadas para queimar noutros países. O executivo dá o exemplo do Reino Unido, que tem a maior central da Europa, que recebe de receita 1,7 milhões de libras por dia para produzir 6% da energia renovável do país.
A situação agrava-se “quando temos estudos científicos que indicam que queimar madeira para produzir energia emite mais CO2 que os recursos fósseis”, constata o presidente do Centro PINUS.
Na mesma linha Nuno Forner aponta que quando se impulsiona a queima de biomassa florestal, esta não é verdadeiramente renovável nem neutra em carbono. Primeiro porque a emissão de gases como o CO2 vai exigir várias décadas até que seja de novo sequestrado na floresta; segundo, a renovabilidade da floresta é algo que pode não ser verdade quando se assiste a uma pressão crescente sobre a mesma e a taxa de exploração seja superior à sua renovabilidade. Desde a década de 90 que a UE perdeu 25% da capacidade de sequestro de carbono, uma importante aliada no combate às alterações climáticas.
É preciso definir o que são resíduos da floresta
Significa que não se pode/deve aproveitar o material da floresta como biomassa para a produção de energia? Não. Podemos e devemos aproveitar os desperdícios florestais. Mas aqui entra outro ponto da polémica – para o Centro PINUS. Para João Gonçalves faz falta uma definição sobre o que são os resíduos da exploração florestal – de nome biomassa residual florestal. A questão é que hoje tem “uma definição ambígua e dá para tudo”. Opinião partilhada pelo ambientalista da Zero que afirma mesmo que a biomassa florestal residual deverá ser devidamente clarificada em que condições poderá ser utilizada desde que garantida a sua sustentabilidade. “Entre outros existem alguns pontos a realçar: utilizar os resíduos florestais cumprindo o princípio da cascata de resíduos, só promovendo a valorização energética no final da cadeia; apoiar somente unidades com elevados níveis de eficiência, isto é, num regime de cogeração com aproveitamento de eletricidade e calor, e não o que acontece na maior parte das unidades em que a produção única e exclusiva de eletricidade tem uma eficiência abaixo dos 40%; utilizar preferencialmente os resíduos florestais secundários, isto é, os resultantes do processo industrial; utilizar parte significativa dos resíduos florestais primários, isto é os retirados diretamente das áreas florestais, para incorporar nos solos, melhorando a quantidade de matéria orgânica que é em geral no país; utilizar pequenas unidades de produção locais que reduzam a componente de transporte”, refere.
Para o Centro PINUS a situação atual tem dois erros: por um lado é valorizado da mesma forma a queima de resíduos para a criação de energia e os incêndios florestais e, por outro, a legislação não elucida sobre os tipos de resíduos a queima. Sobre isto a opinião da Zero é a de que a legislação, que estabelece medidas para a promoção da energia a partir da biomassa florestal com um pagamento majorado da eletricidade que é produzida em centrais de biomassa, é muito vaga quanto ao que pode ser queimado nessas unidades, não proibindo de forma alguma a queima de troncos, deixando a porta aberta à sua utilização. A par disto, acrescenta Nuno Forner, a legislação refere que será publicada por portaria uma definição de “biomassa florestal residual”, o que nunca aconteceu.
O ambientalista aponta ainda que conhece-se no Decreto-Lei 64/2027 “a fração biodegradável dos produtos e desperdícios resultantes da instalação, gestão e exploração florestal (cepos, toiças, raízes, folhas, ramos e bicadas), do material lenhoso resultante de cortes fitossanitários e de medidas de gestão integrada de fogos rurais, e do controlo de áreas com invasoras lenhosas, excluindo os sobrantes das indústrias transformadoras da madeira, designadamente cascas, restos, aparas e serradura”. No entanto, “parece-nos que dada a especificidade deste instrumento legislativa a definição não é aplicável às centrais enquadradas no Decreto-Lei n.º 5/2011”.
• Neste contexto de escassez de madeira, o setor energético representa cerca de 1/4 do consumo nacional da madeira.
• O consumo para o setor energético é uma inversão do princípio de uso em cascata, em que a queima deve ser a última e não a primeira utilização da madeira.
• A evolução da procura tem aumentado nos últimos anos pela instalação de novos agentes da bioenergia, designadamente, indústria de “pellets”.
• A Indústria de “pellets” tem crescido, alimentada por políticas energéticas europeias.
• A maioria da produção nacional vai para centrais termoelétricas da Europa que recebem financiamentos para substituir o carvão por formas e produção de energia mais amigas do ambiente.
• O surgimento destes novos “players” introduziu uma forte competição pela madeira, causando uma elevada pressão nas indústrias nacionais existentes e uma alteração da dinâmica do mercado.