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Empresas enfrentam “tsunami legislativo” com novas regras

Os efeitos das novas regras europeias vão afetar empresas de todas as dimensões pelos vínculos que existem em toda a cadeia de valor.

02 de Fevereiro de 2024 às 15:30
Pedro Ferreira
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As novas regras de reporte de sustentabilidade impostas pela legislação europeia colocam grandes desafios às empresas. Não só às grandes empresas vinculadas à Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD, na sigla em inglês), mas também às pequenas e médias empresas que, ao integrarem cadeias de valor como fornecedores, também terão de corresponder a exigências a nível ambiental e social.

Este foi o tema que reuniu em debate Amândio Santos, presidente da Portugal Foods, Cristina Câmara, diretora de Sustentabilidade da APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, José Eduardo Martins, sócio da Abreu Advogados, Miguel Araújo, diretor-geral da Mobinov, e Nuno Bettencourt, partner de Audit & Assurance na Deloitte Portugal, na recente conferência do Negócios dedicada à governação. "Há desafios macro, como a transição digital e a transição climática, mas depois temos de ser capazes de partir estes desafios na sua mais pequena componente para depois estabelecer ações métricas", começou por sublinhar Nuno Bettencourt. E, a favor da competitividade, estes desafios "devem ser endereçados e atempadamente", acrescentou.

Referindo-se especificamente à CSRD, que entra em vigor já este ano para as grandes empresas e setor financeiro, "a regulação é extensa, complexa e está desenhada de forma diferente das anteriores normas". Para além disso, "os seus desafios vão além dos 1.103 pontos a reportar nos relatórios empresariais", sublinhou o partner da Deloitte. A regulação traz também outros desafios, por exemplo, na área do "greenwashing". Por isso, recomenda às empresas fazerem um caminho de antecipação: "Têm de olhar para a legislação e perceber qual é o ponto de chegada e qual é o ponto em que elas estão." Até porque, na sua perspetiva, "nenhuma empresa está preparada para responder aos desafios".

Um verdadeiro "tsunami legislativo", confirmou José Eduardo Martins sobre a nova regulamentação. "O novo relatório de sustentabilidade vai ter de incorporar seis normas ambientais novas", exemplificou. Porém, também referiu que "o que nos deve assustar não são as obrigações de reporte, porque elas servem para alguma coisa". O advogado chamou a atenção para questões de geopolítica e de interesses comerciais que possam estar a interferir na transição climática. "Há aqui uma guerra comercial disfarçada por detrás da obrigação que a União Europeia assumiu, e bem, porque essa é a obrigação das democracias, mas uma ditadura pode decidir adiar a sua transição energética, ou não a fazer, e fazer da sua transição energética um motor de negócio, como é o caso da China."

José Eduardo Martins assinalou ainda que Portugal é "uma economia fraca e exposta", sublinhando que tem "muitas dúvidas de que este tsunami passe da obrigação de fazer um relatório novo a uma verdadeira análise da dupla materialidade". Isto porque, se nos tempos mais próximos houver outro choque nas cadeias de fornecimento globais, tudo isto será afetado. "A União Europeia toda pesa 9% nas emissões e só a China pesa 27%, portanto, não sei se não vai haver aqui um momento de reflexão dentro da própria União Europeia, se por ambicionarmos demais não vamos ficar tolhidos", questionou. Ou seja, como sublinhou ao longo do debate, "eu não estou contra estas coisas, estou contra é sermos só nós a fazê-las".

O peso dos consumidores

Amândio Santos, presidente da Portugal Foods, diz que o setor agroalimentar tem "excelentes exemplos de aplicação de regras". Porém sendo um setor composto por PME, a gestão das mesmas é a sua principal preocupação. Como se implementa, então, na agenda de quem gere estas PME as exigências de sustentabilidade? "O setor tem de se mobilizar de forma que a sustentabilidade seja o motor central de decisão", defendeu. Até porque, assinalou, não são só as imposições regulamentares que devem impelir as empresas a abraçarem a sustentabilidade: "Tudo isto é uma enorme oportunidade e as empresas têm de pensar que, mais do que regulamentação, é a vontade dos consumidores e quem manda são os consumidores."
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