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Num mundo altamente interconectado, os problemas só se conseguem resolver juntando várias perspetivas, defende o presidente executivo da Beta-i, o convidado desta semana das "Conversas com CEO" integradas no projeto Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista de mais de meia hora, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Diogo Teixeira fala do seu percurso e dos projetos que já concretizou e que estão em andamento. É na ligação entre as startups e as grandes empresas que está o centro do que gosta de fazer, abrindo caminho para a inovação. Quis ser jornalista e hoje é um empreendedor que quer ver a empresa crescer, mas continuando a ser um bom lugar para trabalhar.
Tem já uma carreira muito diversificada o que já permite perguntar o que o marcou mais?
Toda a vida sonhei em ser jornalista e consegui entrar para a RTP por concurso público. Passei um ano e meio maravilhoso como jornalista da RTP. E em 2001, há um novo governo, um novo ministro com a tutela e uma grande redução de custos e mudança de administração. Decidem então que os 22 jornalistas que tinham entrado por concurso público tinham de sair. E ,em janeiro de 2003, tive de sair. Foi um dos dias mais tristes da minha vida. Hoje, olhando em perspetiva, esse foi provavelmente o dia mais feliz da minha vida, porque foi isso que me fez voar para não sei quantas áreas. Esta coisa de ser empreendedor, criar empresas, trazer pessoas para as nossas ideias, nunca sonhei isso. O meu sonho era ser jornalista e, se calhar, se não me tivessem mandado embora da RTP naquele dia, teria continuado ali minha carreira.
E há assim alguma personalidade que o tenha marcado?
Tive vários chefes, vários líderes e alguns marcam-nos pela positiva e outros pela negativa. Nos meus dois ou três primeiros empregos tinha sempre um documento "word" aberto em que escrevia todas as coisas que os meus chefes faziam e que eu não gostava. Para que se um dia eu viesse a ser chefe não cometer aqueles erros. Já os cometi a todos, os que estavam na lista. Enquanto líder já cometi erros por inexperiência, teimosia, medo ou também por sonhar e por achar que é por ali. Mas cometemos os erros com o melhor que sabíamos naquela altura e, por isso, não nos devemos penalizar por esses momentos.
Passou do jornalismo para a comunicação e marketing, o que é frequente. Mas como é que se faz uma transição do marketing para a inovação?
Pela curiosidade e por nunca estar contente. Tinha responsabilidades de estratégia numa consultora relevante, na área do marketing, do "branding". Estava com cerca de 30 anos e sentia que não estava a produzir a mudança que queria nos meus clientes. Sentia que se estivesse a pensar os produtos e serviços de raiz, com os clientes que iriam usar esses produtos e serviços, podia ter um impacto maior. E foi isso que me fez, em 2009, conjuntamente com sócios, abrir a Couture. Foi das primeiras empresas de inovação no sentido em que usávamos o "design thinking" ou o "design service" para pôr o cliente no centro. Costumava dizer que éramos a única empresa em Portugal que empregava antropólogos. O nosso processo de inovação começava com os antropólogos a acompanharem as pessoas no seu quotidiano para encontrarem oportunidades de negócio, serviço ou de produto para os nossos clientes. Nunca se pergunta qual o produto ou serviço que quer, mas sim o que é que torna as pessoas mais ou menos contentes em determinadas circunstâncias. Por exemplo, um projeto para a Sumol Compal para identificar oportunidades de lançar novos snacks para crianças. Acompanha-se as crianças de manhã, em casa, antes de irem para a escola, nas refeições nas escolas e ao fim do dia quando são os pais ou os avós os vão buscar…
Porquê antropólogos?
O antropólogo é alguém que chega a um contexto, observa, mas depois retira-se e entrega as notas. E depois entrava outra equipa, da qual eu fazia parte, para em cima daquilo detetar oportunidades de desenvolvimento de produtos ou serviços, centrada nas necessidades do cliente.
Mais tarde entra para outro tipo de inovação, mais focada nas startups e nas suas oportunidade, com a fusão com a Beta-i…
A Couture fez um percurso de 2009 a 2017. Éramos uma empresa já com alguma dimensão em Portugal e trabalhávamos com as principais marcas. Mas sentia que havia uma dinâmica muito interessante de inovação no ecossistema português, que juntava startups e grandes empresas, que nós conhecíamos de perto, mas que não estávamos a conseguir trazer para o nosso negócio. Eu já era mentor de startups na Beta-i. E a Beta-i estava a profissionalizar a sua área de consultoria e sabia que não tinha uma cultura de serviço. E ficou a marca Beta-i que era a mais forte.
E o que é que a Beta-i faz?
O nosso propósito é resolver problemas relevantes para as empresas, as pessoas, a sociedade, através da inovação colaborativa. Hoje vivemos num mundo altamente interconectado, em que os problemas não se podem resolver apenas a partir de uma perspetiva. Temos de juntar várias perspetivas, vários conhecimentos à volta do mesmo desafio para que rapidamente se consigam encontrar soluções.
Dê-nos um exemplo relacionado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Nós trabalhamos transversalmente a área da sustentabilidade. Obviamente que os Objetivos são 17 e são latos. Por exemplo, na área da transição energética. Gerimos há seis anos um projeto que se chama ‘Free Electrons’, ou seja, Eletrões Livres. Junta a EDP e sete outras grandes empresas de energia do mundo que perceberam que se inovarem em conjunto, o fazem muito mais rápido, porque têm mais meios, menos risco e aprendem entre elas. Estamos com este projeto há sete anos e já foram testadas 159 tecnologias novas, entre startups e estas grandes empresas de energia, que resultaram em mais de 100 milhões de euros, que estas empresas investiram, para o desenvolvimento de pilotos para transformá-los e escalá-los em produtos.
E são vocês que lideram essa iniciativa?
Nós ajudamos as empresas a identificar os problemas comuns, depois vamos a todo o mundo à procura das melhores startups que tenham capacidade para os resolver. Acrescentamos valor à startup. Se fosse sozinha bater à porta daquele cliente, nem sequer lá entrava. É uma formiguinha, não cumpre o "compliance", não tem o número de colaboradores necessários para ser um fornecedor destas grandes empresas, muito focadas na eficiência, mas que têm que andar a uma velocidade superior à do mercado. E essa é a nossa tese: é preciso as empresas trabalharem com outras empresas. Até 2050 temos provavelmente o maior desafio que a humanidade já teve, o "net zero". Isto não se vai fazer por via das empresas de energia sozinhas, das universidades a trabalharem sozinhas, com reguladores a trabalharem de uma forma reativa àquilo que a inovação está a fazer. Mas também não se vai fazer só pela via dos disruptores, das startups, dos inovadores. É preciso trabalhar em consórcio, em conjunto. Desde 2014 que temos esta teoria, que é preciso trabalhar em colaboração.
Os projetos essenciais que hoje lidera são na maioria ligados à sustentabilidade, no sentido dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas?
Diria que sim. Há dois ODS que estão muito ligados com o nosso propósito: o 9, da Inovação, e o 17, que nos diz para fazermos tudo isto de uma forma colaborativa [parcerias pra o desenvolvimento]. Mas, por exemplo, um dos ODS tem a ver com a saúde... E, entre 2022 e 2023, fizemos um projeto absolutamente fantástico, liderado pela Roche, para melhorar a vida de doentes com demência, nomeadamente de Alzheimer. Deste projeto saíram quatro pilotos e foram investidos cerca de 300 mil euros para testar estas novas tecnologias. Está a ser testada uma forma de deteção precoce de Alzheimer através de análises de sangue. Há também um projeto piloto, com uma startup canadiana, que desenvolveu 15 exercícios neurológicos, com realidade 3D, para que as pessoas que estão numa fase inicial de Alzheimer possam fazer exercícios ao cérebro, partindo da lógica de que o cérebro é um músculo e precisa de ser trabalhado. E também para doentes que já estão com Alzheimer, está a ser testada uma pulseira, de uma startup americana, que controla, através dos movimentos do pulso, como está o doente, evitando que, por exemplo, tenha de ir tantas vezes ao médico, ou que, quando vá ao médico, leve dados.
Têm procurado também candidatar-se em consórcios do Programa de Recuperação e Resiliência?
Estamos em quatro consórcios que vão ter o início das suas atividades entre setembro e dezembro. O PRR deu ainda origem aos "digital innovation hubs" que estão a ser criados no país. E aí estamos a trabalhar na área daquilo que se chama a economia azul, a economia do mar.
Qual é que é o desafio que identifica como mais importante para a Beta-i?
É quase um desafio pessoal: sermos uma empresa mais global não fazendo isso à custa da saúde e do bem-estar das pessoas que trabalham connosco. É uma quadratura do círculo porque normalmente quando as empresas crescem, tornam-se menos humanas. Temos tido uma gestão próxima, humana, a pensar no coletivo. E gostava de manter isso sabendo que a empresa tem de crescer. Só vamos conseguir aumentar o impacto, o resultado dos pilotos de investimento que é feito na inovação, se trabalharmos cada vez mais em projetos mais globais, com empresas com maior capacidade de investimento. Hoje os problemas são globais e se trabalharmos a uma escala local vamos conseguir resolver problemas muito pequeninos para aqueles que nós ambicionamos. Somos uma empresa de serviços em que só há duas coisas que têm valor: as pessoas e a informação que fomos criando ao longo dos anos. Queria muito conseguir crescer e que as pessoas continuassem a sentir que esta é uma empresa boa para se trabalhar e que produz bem-estar. Porque senão, não faz sentido.