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Era uma empresa que estava praticamente desativada e uma das grandes devedoras do Novo Banco. Hoje exporta 95% da carne que produz, desenvolveu o projeto Ethical Meat focado na sustentabilidade ambiental e no bem-estar animal e está a lançar-se para a promoção da gastronomia portuguesa no exterior, com a venda também de peixe e produtos como o pastel de bacalhau e de nata. Clara de Moura Guedes agarrou a Monte do Pasto há nove anos e rejeita estar num setor destinado a ser pouco amigo do ambiente. "A criação de bovinos faz parte de um ecossistema agrícola com pastagens, que são sumidouros de carbono", afirma a presidente executiva nas "Conversas com CEO", entrevistas enquadradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30 e que pode ser ouvida na íntegra em podcast.
Tem formação em gestão, já foi professora e começou a sua carreira na L’Oréal. O que a levou para o setor agroalimentar?
O meu interesse é a gestão de empresas. Comecei na L’Oréal, na divisão Garnier. O meu segundo desafio já foi no setor alimentar, na Mars, em produtos de grande consumo. Depois, entrei mais no setor agroalimentar, na Queijo Saloio, onde tive a primeira experiência de "turnaround" de empresa. O desafio era passar de uma empresa familiar, que foi comprada por um fundo de investimento, para uma profissionalizada e com maior orientação para o mercado. Nunca tinha estado numa empresa portuguesa, tinha trabalhado em duas multinacionais, uma francesa, outra americana. As multinacionais foram uma excelente escola – não podia ter tido melhor do que estas duas –, mas é sempre dentro de algumas limitações em termos de capacidade de decisão.
E foi também esse desafio que lhe fizeram na Monte do Pasto?
Foi exatamente esse desafio. Mais complicado porque a Queijo Saloio estava numa boa situação económica. A Monte do Pasto era super problemática, uma das grandes devedoras do Novo Banco e o desafio foi muito maior. Os acionistas eram fundos de investimento e o Novo Banco, como maior credor, de certa maneira tinha influência nas decisões. A empresa estava praticamente desativada. Quando comecei não havia negócio ou era muito residual. Aqui não foi começar do zero, foi de menos 40.
A criação de bovinos é uma atividade "castanha". É possível fazer uma transição neste setor?
Muitas vezes vemos as coisas em pequenos quadradinhos e não de uma forma holística e mais global. É perfeitamente possível ter uma criação de bovinos que não é poluente e até contribui positivamente para o ambiente. Nós somos um exemplo disso.
Mas a criação de bovinos está no centro das emissões de metano. Como é que se consegue compensar isso?
A criação de bovinos faz parte de um ecossistema agrícola com pastagens, que são sumidouros de carbono. A gestão dessas pastagens pode ser feita de várias formas, umas muito mais positivas para o ambiente do que outras. Aliás, a Monte do Pasto tem uma certificação de baixo carbono e é sumidouro de carbono. A reestruturação começou em 2014 e, para mim, era óbvio que a sustentabilidade devia ser a nossa preocupação principal, mas também a diferenciação e produtos de valor acrescentado. Em Portugal não faz sentido concorrer na massificação de produtos. O que faz sentido é encontrar valor acrescentado em produtos ou serviços, onde possamos ser competitivos. Na Monte do Pasto desenvolvemos, com as universidades de Évora e do Minho, o projeto Ethical Meat ao longo de todo o processo, no tão falado "farm to fork". Porque a Monte do Pasto controla desde a criação dos bovinos, em que se toma conta deles e os faz crescer, até ao abate e a transformação da carne.
O que é que fizeram concretamente?
O que fizemos foi introduzir tecnologias, nomeadamente no maneio dos bovinos, focadas no bem-estar animal, reduzindo o nível de stress. Só aí, com o stress mais baixo, verificámos – isto foi tudo quantificado – um acréscimo de produtividade. Instalámos ainda painéis solares com características diferentes – as estrutura são mais altas –, para fazer o sombreamento dos animais. Consegue-se uma qualidade de sombra melhor do que a tradicional e somos autónomos em energia.
A Monte do Pasto já é neutra em carbono? Já fizeram essa contabilidade?
Essa contabilidade é difícil de fazer, como sabe, porque não há uniformidade nos critérios.
Mas os bancos já começam a ter alguns modelos, embora não sejam uniformes.
Participámos há muito pouco tempo num teste de implementação de um modelo de ESG, para o qual a Monte do Pasto foi convidada, pelo Novo Banco, para tentar avaliar a situação que temos nos 3 pilares. Esse projeto ainda está em curso. Mas fomos uma empresa escolhida para isso.
Existe da parte dos bancos pressão para que mudem a vossa atividade?
Connosco tem sido um bocadinho ao contrário. Somos tomados como exemplo. E ganhámos agora um prémio de sustentabilidade que o Novo Banco criou para distinguir as empresas que se destacam pela preocupação com a inovação e a sustentabilidade.
Há algum projeto para tornar a empresa ainda mais sustentável?
O projeto Ethical Meat continua depois na embalagem. Trabalhámos com a Universidade do Minho na criação de um "coating" para os produtos, uma película para a carne que aumenta o seu prazo de validade, portanto, é muito mais sustentável. As nossas embalagens já usam sobretudo produtos que são matérias-primas. Neste exercício de ESG, há um grande caminho a percorrer. A obtenção dos dados para mim é um dos maiores desafios.
No próximo ano as grandes empresas terão de reportar um conjunto de indicadores de sustentabilidade. Vai afetar-vos?
Já nos toca de certa forma, mas chegámos aqui. Para nós é, de certa maneira, quase uma diferenciação positiva. Estamos há nove anos a desenvolver projetos no sentido de sermos mais sustentáveis. Para nós, é uma vantagem que as instituições financeiras não olhem exclusivamente para o balanço, mas comecem também a olhar para outros balanços.
Já encontra nos bancos outras preocupações que não apenas as financeiras?
Já. E sentimo-nos beneficiados com isso, porque já tínhamos estas preocupações e um conjunto de medidas implementadas que neste momento são valorizadas.
A única maneira de se tornar mais sustentável neste setor é através da compensação das emissões, não é verdade?
Não. Por exemplo, outro projeto que temos passa por reduzir emissões através de diferentes tipos de alimentação. Há um conjunto de mitos que não correspondem exatamente à realidade. Por exemplo, a criação mais intensiva é ambientalmente mais equilibrada. O período de criação para se chegar ao peso que se pretende é muito mais reduzido e, portanto, há menos emissões.
Mas o bem-estar animal não deve ser tão...
…É perfeitamente possível e nós somos também exemplo disso. Temos certificações internacionais em bem-estar e temos criação extensiva e intensiva. Isto é um ecossistema. A questão da biodiversidade é outro aspeto fundamental. Estamos no Alentejo, no sistema de montado, e temos um conjunto de iniciativas de estímulo da biodiversidade. É outra forma de compensar. E também por via de estimular a economia circular na alimentação e tentar utilizar a fertilização natural.
Todas essas medidas de compensação e de redução das emissões são rentáveis ou exigem que a carne do Monte do Pasto seja mais cara?
São rentáveis, efetivamente. No Ethical Meat tivemos um aumento de produtividade de 25%, houve reduções de custos. Este tipo de intervenções é rentável.
É rentável por poupança de custos ou porque há também uma procura por este tipo produtos sustentáveis?
Nestes casos foram rentáveis ao nível da poupança de custos. Por outro lado, penso que em Portugal devemos tentar ser sinónimo de produtos de valor acrescentado porque somos um país pequeno e temos qualidade. Desde o princípio que nos posicionámos na qualidade. E da qualidade faz parte integrante o bem-estar animal e o respeito por todos os fatores. O bem-estar animal, para nós, é um fator de sustentabilidade importantíssimo.
Já encontra no mercado disponibilidade para pagar um preço mais elevado pelo bem-estar animal e pela redução das emissões?
Julgo que sim. Exportamos 95% da nossa produção e em termos internacionais é evidente. Em termos nacionais acho que evoluímos muito rapidamente. Exportamos bastante para a Ásia. E para o Médio Oriente e Norte de África. Aí a exigência é muita também.
Mas esses mercados não se preocupam muito com o bem-estar animal, pois não?
Começam a preocupar-se muito. Hoje já ninguém consegue ignorar estas questões. São mercados onde não comem, na maioria dos casos, carne de porco, e são muito mais exigentes em termos de qualidade das carnes bovina e ovina. Outro projeto que temos é a promoção da gastronomia portuguesa com uma plataforma exportadora e de divulgação da gastronomia portuguesa. Para além da carne bovina e ovina e, nalguns mercados de porco preto e bísaro, também vendemos peixe português nos mercados asiáticos. Temos parceiros portugueses, tudo produtos nacionais, pré-cozinhados. Por exemplo, pastéis de bacalhau, rissóis, pastéis de nata…
Já sentem uma redução das vendas de carne por causa destas preocupações ambientais?
Não. O que sentimos é uma tendência muito marcada de aumento de procura de carne sustentável. Nos mercados asiáticos, por exemplo, estamos muito presentes em feiras. Este ano já estivemos no Japão, vamos agora à Índia. No ano passado estivemos no Vietname e em Singapura.
Falámos muito de ambiente e pouco do social…
…Estamos numa zona muito deprimida, no Alentejo profundo, numa zona onde, a seguir às câmaras municipais, somos dos maiores empregadores. A nossa sede é no Alvito. Temos um papel social importantíssimo. E a criação e retenção de talento é um grande desafio numa zona destas. Temos vindo a desenvolver um projeto de atração de recém-licenciados e de estímulo à sua fixação. Recrutamos pessoas da área da agronomia, de produção animal, mas também de gestão, da área financeira, de marketing. Temos, por exemplo, um gestor de sustentabilidade.
O maior desafio é sempre o ambiental e convencer os cidadãos em geral de que comer carne não agrava a nossa pegada de carbono?
O nosso maior desafio é sempre ser relevante para o consumidor e isso implica que sejamos ambientalmente sustentáveis. Não há outra forma. E que sejamos socialmente responsáveis e com uma governação que esteja de acordo com as melhores práticas e que dê garantias a todos os "stakeholders" envolvidos.