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Bilhete de identidade Idade: 52 anos
Cargo: Aon Portugal, CEO (desde novembro de 2021); Professor no ISEG e na Universidade Autónoma; Banco Popular (2012-2017)
Formação: Doutorado em Gestão Estratégica (2012); Licenciado em Gestão (1996)
Todas as empresas com alguma dimensão fazem hoje um estudo de impacto climatérico quando analisam um novo investimento, uma nova fábrica ou uma nova localização, afirma Carlos Freire, considerando que, apesar dos novos riscos geopolíticos, a sustentabilidade não vai sair da agenda por causa das alterações climáticas. Convidado desta semana das "Conversas como CEO" numa entrevista de mais de meia hora realizada antes da crise política em Portugal e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Carlos Freire considera que os principais riscos são as alterações climáticas, as tensões geopolíticas, os ciber-riscos e a gestão de talento. É esta área de negócio, de desenho de medidas de atração e retenção de talento, que tem crescido mais, especialmente após a pandemia. Cargo: Aon Portugal, CEO (desde novembro de 2021); Professor no ISEG e na Universidade Autónoma; Banco Popular (2012-2017)
Formação: Doutorado em Gestão Estratégica (2012); Licenciado em Gestão (1996)
Passou da banca para a gestão de risco. São atividades muito diferentes?
São diferentes na abordagem do mercado. A banca tem uma vertente um pouco mais de curto prazo, porque tem de financiar a economia, enquanto os seguros têm sempre uma perspetiva mais de médio a longo prazo, estamos sempre a trabalhar numa proteção de risco futura. Claro que a banca também tem a componente de incumprimento e trabalha modelos preditivos. Mas nesta área há uma vertente mais de consultoria, de ‘advisory’, em áreas muito abrangentes, o que é a riqueza da função.
Também dá aulas. Identifica algumas alterações no pensamento dos jovens?
Claro. Diria que esta geração é mais imediatista, quer um resultado rápido. Também percebo, porque os cursos ficaram em três anos. Por isso, há cada vez maior adesão aos mestrados, doutoramentos, que também dou e em que metade dos alunos são estrangeiros. As pessoas sentem que essa formação adicional é realmente necessária e fundamental.
Quais são as áreas de negócio mais importantes da Aon em Portugal?
Vou começar pelos seguros. Os três produtos que têm uma maior taxa de penetração são o ramo automóvel e os acidentes de trabalho, porque são seguros obrigatórios. Mas, curiosamente, o ramo de saúde passou a ser o segundo mais importante, apesar de não ser obrigatório, com 4 milhões de pessoas seguras atualmente. Mas, nas nossas áreas de atuação, estes ramos, tirando a saúde, não são os mais importantes. Os mais importantes são aqueles em que conseguimos fazer uma análise de gestão de risco do cliente.
E depois recomendar-lhe a carteira ótima de seguros?
Exatamente. O seguro é sempre a última fase. O nosso processo é identificar o risco, quantificá-lo, ver qual é o impacto que pode ter, para fazermos a sua correta transferência. Estamos a falar de propriedade, aquilo que a empresa tem de ativos, chamemos-lhe assim, e da parte de responsabilidades de diversas ordens com terceiros. Por exemplo, um seguro muito conhecido de diretores e administradores é de responsabilidade e, mais recentemente, a parte de ciber-risco. Depois temos a parte de pessoas que, na Aon em Portugal, representa hoje 35% da atividade e vinha de 10%, com a área de risco a representar 90%. Uma área muito alavancada a seguir à covid-19, que hoje é absolutamente chave.
Avaliam o risco da empresa na área de capital humano e recomendam um produto?
É um pouco de tudo. A nossa atuação é no sentido de a empresa baixar a rotação dos seus colaboradores, retendo-os com benefícios. A nossa abordagem é feita na lógica de avaliar o que preocupa mais os colaboradores, o que valorizam mais nos benefícios que a empresa atribui. Muitas vezes fazemos ‘focus group’ para ter o ‘feedback’ dos colaboradores e construir planos à medida.
Mas os benefícios estão associados a seguros?
Não. Juntamos, por exemplo, cheques de infância, subsídio de refeição, internet em casa – um benefício para quem trabalha a partir de casa. É muito customizado e procuramos agrupá-los, comunicá-los e dar o impacto. Por exemplo, um colaborador que ganha 2.500 euros, com os benefícios o que recebe pode ser 3.000 ou 3.500. Com isto está menos propenso a sair da empresa porque vai querer o equivalente ao salário mais benefícios. E existe uma preocupação adicional com aquilo que designamos como ‘upskilling’ e o ‘reskilling’. Uma forma de reter as pessoas é dar-lhes mais formação e, neste caso, fazemos um programa para que se possam requalificar.
Os vossos clientes nesta área são empresas grandes ou identifica também esse tipo de preocupações em empresas mais pequenas?
Identifico em toda a tipologia de empresas, se bem que a nossa atuação está mais preparada para empresas médias e grandes. Temos escritórios em Lisboa e no Porto onde há uma vertente industrial significativa. E é no Porto que esta área mais cresce, precisamente porque os empresários têm um conjunto de condições, como trabalhar por turnos e aos fins de semana, que os leva a valorizar estes fatores. Tem de haver incentivos adicionais para atrair as pessoas, porque a indústria sofreu muito na rotação e atração dos colaboradores.
Estamos noutra geração de empresários, as empresas estão a reformular-se.
Há uma melhoria na atitude e na forma de gerir por parte dos empresários portugueses? Há claramente uma melhoria. O perfil está a mudar. Estamos noutra geração de empresários, as empresas estão a reformular-se. Cada vez mais vejo melhores exemplos de empresas familiares que adotam estruturas profissionais de gestão, até as que estão nas quartas ou nas quintas gerações. Não digo que as gerações anteriores desvalorizassem, mas estavam muito mais focados na solidez e no crescimento do negócio. Nos EUA, por exemplo, onde as startups ganham rapidamente escala, só quando o negócio estabiliza é que há uma maior preocupação com os colaboradores. Por exemplo, a Nvidia, empresa que a Aon acompanha internacionalmente, não tinha nenhuma preocupação com os colaboradores e hoje é das que mais se preocupa.
A DEI (diversidade, equidade e igualdade) também é uma preocupação das empresas portuguesas?
Cada vez mais. Estamos a fazer muita atividade de consultoria nestas áreas, na transparência salarial e no equilíbrio. Claro que as diretivas e os regulamentos ajudam, obrigam a muita coisa. Mas tenho exemplos concretos de que as empresas estão a antecipar esse movimento. Mesmo na indústria.
Está a haver um recuo nestas políticas de DEI nos EUA. Identifica essa tendência em Portugal?
Não há nenhum projeto que tenha sido parado. Acho que é um efeito temporário. As empresas estão hoje numa tensão política muito significativa, para além da geopolítica. E não creio que estas empresas estejam a fazer isso numa perspetiva de retroceder. Vão, talvez, atrasar um pouco.
As declarações que têm vindo a ser feitas na banca americana, no retalho e até a Disney são só para agradar a Donald Trump? Estavam a ser verdadeiras antes e agora é que estão a ser falsas?
Os decisores têm de tomar decisões de curto prazo, porque têm os trimestres para apresentar resultados e os acionistas e o mercado sempre a verificarem. Acho que é uma pausa. E algumas dessas empresas não tinham essa área tão desenvolvida. E não é uma questão de agradar, é a preocupação com o negócio. É no sentido de dizer: vamos ter precaução porque não sabemos qual é a consequência e, depois disto, retomamos. Creio que é isso que se está a perceber.
Na Europa há uma agenda de simplificação dos regulamentos e das diretivas relacionadas com a sustentabilidade. Que impacto é que pode ter?
Na Europa temos a energia mais cara e isso é um fator de competitividade nas empresas. O que a Europa está a procurar fazer é ser independente do ponto de vista energético. Não temos gás natural, não temos petróleo e tem de se apostar em energias que possam tornar a Europa independente. Nós entendemos que simplificar vai diminuir os custos, vai trazer um melhor resultado.
O estudo do impacto climatérico é hoje fundamental, em todas as empresas com alguma dimensão, quando analisam um novo investimento, uma nova fábrica ou uma nova localização.
E a sustentabilidade vai ser uma das sacrificadas com a prioridade de investimento em defesa? Creio que isso pode verificar-se. Não há dados ainda, isto está tudo a começar. Mas há esse risco. O que sabemos, pela análise que fazemos, é que a sustentabilidade não vai sair da agenda por causa das alterações climáticas que têm impacto em todos os países. Qualquer país ou qualquer economia, se desvalorizar esta componente, não vai conseguir operar de uma forma eficiente. O impacto económico daquilo que foram todos os eventos, de acordo com os últimos números que lançámos, representou 368 mil milhões de euros, dos quais só 39% estavam seguros. O que quer dizer que tudo o resto é um impacto direto na economia. Aliás, o estudo do impacto climatérico é hoje fundamental, em todas as empresas com alguma dimensão, quando analisam um novo investimento, uma nova fábrica ou uma nova localização.
O mundo Trump criou enorme volatilidade, risco, incerteza. Para a Aon é aumentar o negócio?
Independentemente de Trump, a complexidade e a interdependência que os riscos hoje trazem às empresas tornaram o nosso trabalho mais útil. A nossa atuação tem um impacto direto na conta de resultados da empresa. Na parte de pessoas, estimamos que a nossa atuação pode impactar até 3% da receita de uma empresa. Na parte de capital, procuramos trazer para o negócio capital que seja mais eficiente para a proteção dos riscos. O capital ressegurador normalmente é mais acessível do que os mercados financeiros e, se houver um balanço entre as duas vertentes, ajuda a empresa a ter maior rentabilidade. Existem muitas oportunidades, não da componente política, mas da complexidade de riscos atuais. Por exemplo, a complexidade das cadeias de distribuição ou a componente ‘cyber’. Uma empresa, quando estabelece hoje a sua cadeia de valor, analisa não apenas uma substituição para os seus fornecedores, mas também graus de interdependência de risco com outras empresas.
E no quadro de todos estes riscos, Portugal pode retirar benefícios de eventuais deslocalizações?
Portugal tem todas as condições. Podemos crescer noutras áreas para além daquilo que tem sido a evolução na área de serviços. Portugal é uma das principais localizações de ‘reshoring’. Temos milhares de pessoas a trabalhar em Portugal para a Europa.
Quais são os maiores riscos que identifica para este ano?
Durante esta conversa, já falamos um pouco sobre os principais riscos, mas eu elegia quatro. Desde logo, as alterações climáticas. Depois, as tensões geopolíticas, toda esta componente de tarifas vai trazer muitos desafios. Em terceiro lugar, a parte de ‘cyber’ onde, especialmente as grandes empresas, vão exigir a quem colabora com elas tornarem esse seguro quase obrigatório. E é fundamental, porque vivemos numa sociedade digitalizada. E finalmente a gestão do talento. Com as novas gerações, alterações sociais, um pouco também a polarização, é fundamental uma empresa ter uma estratégia para a gestão do seu talento.