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Banca avalia risco climático de empresas, mas faltam dados

Agricultura, “utilities” e transportes são os setores mais vulneráveis. CGD já tem um simulador de risco físico, Crédito Agrícola vai implementar um normativo para o crédito e BPI vai passar a considerar os riscos sobre a natureza em 2025.

06 de Novembro de 2024 às 13:30
Clark Wilson
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O setor bancário em Portugal enfrenta uma “exposição significativa” a empresas suscetíveis aos impactos das mudanças climáticas. Entre os maiores riscos estão o stress hídrico e térmico, bem como incêndios e inundações, que podem ter efeitos negativos no balanço das instituições financeiras. A informação consta do Relatório Anual sobre a Exposição do Setor Bancário ao Risco Climático do Banco de Portugal (BdP), publicada em julho. Os setores mais afetados incluem a agricultura, as “utilities” e os transportes.

Apesar de o BPI ter exposição a setores considerados intensivos em carbono, essa exposição não é considerada significativa. O impacto dos riscos climáticos nos restantes riscos é atualmente considerado residual.
Bárbara Costa Pinto
Diretora executiva de Sustentabilidade do BPI

Quanto à exposição do setor bancário aos riscos de transição, por via da carteira de empréstimos concedidos às empresas, esta é limitada, de acordo com indicadores baseados na intensidade carbónica. “A intensidade carbónica ponderada pelo valor dos empréstimos concedidos supera a intensidade carbónica média da economia, indicando que o peso dos setores mais intensivos em carbono na carteira de empréstimos é superior ao seu peso no valor acrescentado bruto (VAB) total das empresas, facto também observado na área do euro”, pode ler-se no documento. Os indicadores colocam Portugal numa posição intermédia na área do euro onde, apesar de tudo, se tem verificado uma tendência de redução da intensidade carbónica da carteira de crédito bancário a empresas, revela o supervisor.

Em termos de setores da atividade, identificam-se focos de vulnerabilidade ao risco de transição na agricultura e nas “utilities”, para os quais se identifica uma pegada carbónica elevada e crescente, e nos transportes, que regista uma proporção elevada de empréstimos na classe de maior risco de crédito, embora apresentando uma trajetória de descida.

Tendo em conta que os riscos climáticos físicos estão associados a potenciais impactos económicos e financeiros decorrentes do aumento da frequência e da intensidade dos desastres naturais resultantes de alterações climáticas, o BdP salienta que as alterações climáticas configuram uma fonte de riscos para a economia e para as instituições de crédito. Estes riscos são de natureza muito variada e, por isso, “constituem uma fonte potencial de risco sistémico para o sistema financeiro”, identifica o supervisor financeiro.

A falta de dados ESG e de mecanismos de validação desses dados tem sido um dos grandes desafios do setor bancário, a nível nacional e europeu, no que diz respeito a acelerar a transição para uma economia mais sustentável e resiliente.
Filipa Saldanha
Diretora de Sustentabilidade do Crédito Agrícola (CA)

A situação coloca desafios ao setor bancário na hora de avaliar os riscos que representam as suas carteiras de clientes, tendo os bancos já desenvolvido ou estando em fase de desenvolvimento de metodologias que aprimorem essa análise. Porém, “precisamos de mais e melhores dados granulares ESG relativamente às atividades dos clientes bancários”, assinala Filipa Saldanha, diretora de Sustentabilidade do Crédito Agrícola (CA), acrescentando que “a falta de dados ESG e de mecanismos de validação desses dados tem sido um dos grandes desafios do setor bancário, a nível nacional e europeu, no que diz respeito a acelerar a transição para uma economia mais sustentável e resiliente”.

Avaliação do risco climático

A exposição dos bancos varia consoante as características da sua carteira de clientes. No caso do Crédito Agrícola, Filipa Saldanha reconhece que o banco tem a particularidade de ter “uma quota de mercado elevada e proximidade natural a setores bastante vulneráveis aos impactos climáticos, como é o caso do agrícola e o do turismo, assim como a um conjunto muito grande de micro e PME, as quais naturalmente têm mais constrangimentos financeiros e de recursos humanos, comparativamente às grandes empresas, para se prepararem adequadamente para a sua jornada climática”.

Neste sentido, de forma a integrar mais informações sobre os riscos climáticos dos clientes, o banco está a desenvolver metodologias que lhes permitam identificar e quantificar os riscos físicos e de transição associados à sua carteira de crédito e de investimentos.

Filipa Saldanha refere também que o banco ”espera implementar num futuro próximo um normativo de concessão de crédito que identifique os setores para os quais tem de existir uma análise condicionada a critérios que permitam garantir que os nossos financiamentos incentivam efetivamente a transição climática e ambiental dos nossos clientes. Ainda estamos no início da jornada, com um enfoque que admitimos pender mais para os investimentos em mitigação (isto é, descarbonização) do que adaptação”.

O BPI, por seu lado, diz que avalia periodicamente a materialidade dos riscos climáticos da sua carteira de clientes, sobretudo o impacto no crédito. Neste caso, “apesar de o BPI ter exposição a setores considerados intensivos em carbono, essa exposição não é considerada significativa”. “O impacto dos riscos climáticos nos restantes riscos é atualmente considerado residual”, refere Bárbara Costa Pinto, diretora executiva de Sustentabilidade do BPI.

Segundo a responsável, a avaliação dos riscos físicos e o impacto nos parâmetros de crédito do BPI já está a ser considerada na gestão do risco do banco. “Estão cobertos na avaliação de riscos físicos os riscos de inundação, marítima e fluvial, risco de incêndio, risco de ondas de calor e risco de seca extrema. Para além dos riscos mencionados, o banco irá passar em 2025 a considerar também os riscos sobre a natureza”, revela Bárbara Costa Pinto. Paralelamente, a instituição dispõe de um conjunto de mecanismos e ferramentas de avaliação e gestão dos riscos climáticos, nomeadamente através da classificação dos seus clientes numa escala de rating ESG, “que incorpora uma vertente de riscos físicos e que passará a ser considerado no processo de decisão de crédito, podendo em determinadas circunstâncias ser um fator decisivo na atribuição ou não de crédito a um cliente”, refere.

O banco também possui mecanismos internos para avaliar o impacto dos eventos climáticos, através de testes de stress com impactos na carteira de crédito, continuidade e riscos operacionais, numa perspetiva de curto, médio e longo prazo, explica a diretora de Sustentabilidade.
No caso da CGD, fonte oficial do banco referiu ao Negócios que a exposição a empresas vulneráveis a riscos climáticos “está identificada e quantificada, estando uma parcela muito significativa associada a muitas empresas com compromissos de redução de carbono da sua atividade divulgados em planos de transição específicos, cuja implementação é monitorada e apoiada pela CGD”. O processo de decisão de crédito da Caixa já integra a avaliação do rating ESG, “uma métrica que é determinada com informação pública dos clientes e que é atribuído a qualquer empresa que venha pedir crédito à Caixa”, explica a fonte oficial. Este rating de ESG inclui uma avaliação do risco climático, tanto do risco de transição como do risco físico. Paralelamente, e como ferramenta de suporte às áreas comerciais e áreas de risco de crédito, “a CGD desenvolveu um simulador de risco físico que identifica 11 riscos físicos (inundações, incêndios, seca, sismo, etc.) ao nível de cada freguesia de todo o território nacional e que permite identificar os riscos a que um cliente ou empresa está sujeito”, acrescenta.

Na sua política de risco de crédito, a CGD integra também um conjunto de critérios de exclusão e limitação setorial que visam excluir financiamentos a atividades que prejudiquem gravemente o ambiente e o bem-estar social. “Em julho de 2023, foi aprovada a política de Gestão de Risco Climático e Ambiental que visa identificar e mitigar os riscos climáticos e ambientais do seu portefólio, garantindo que as empresas financiadas pela Caixa estão alinhadas com os objetivos de sustentabilidade. Paralelamente, foi aprovada a política de Financiamento Sustentável e Transição Energética, com o objetivo de direcionar fluxos de capital para atividades que sejam mais sustentáveis e apoiar as empresas na adaptação dos modelos de negócios para modelos mais eficientes, circulares e menos intensivos em carbono”, explica a fonte oficial.

Ajudar as empresas a reduzir riscos

Uma das formas de reduzir a exposição dos bancos ao risco climático das empresas é ajudar essas mesmas empresas tornarem-se mais resilientes. Neste sentido, os bancos têm implementado medidas para ajudar as empresas a fazerem esta transição. Bárbara Costa Pinto dá conta de que “há vários anos que o BPI conta com uma política de gestão de riscos ESG, revista periodicamente, por forma a apoiar as necessidades dos seus clientes na transição para uma economia mais sustentável, mas que também inclui restrições e limitações de concessão de crédito relativamente a setores mais impactados pelos riscos climáticos”. O banco dispõe de vários produtos de financiamento específicos para empresas na área da sustentabilidade, entre os quais linhas de crédito para apoio à transição sustentável, para projetos de eficiência energética e economia circular ou para apoiar o empreendedorismo.

A CGD também tem uma gama de soluções para apoiar as empresas na transição energética, incluindo produtos específicos como a linha de crédito “Caixa InvestEU Green” que visa apoiar investimentos que contribuam para a transformação verde e sustentável das empresas. Outras iniciativas incluem o financiamento de veículos elétricos e híbridos, o apoio à instalação de painéis solares através da solução “Solar Caixa”, e a linha de crédito para a Descarbonização e Economia Circular, que visa acelerar a transição para uma economia circular e atingir as metas definidas no Plano Nacional Energia-Clima 2030.

Também a oferta do Crédito Agrícola visa impulsionar as empresas na jornada da sustentabilidade. No âmbito do seu Plano Net Zero, criou recentemente um programa de proximidade com o objetivo de apoiar, facilitar e acelerar a transição climática dos seus clientes, enquanto complemento aos incentivos financeiros também planeados pelo banco à luz da estratégia de oferta ESG. “Desenhado com base numa abordagem de relação próxima, construtiva e pedagógica com os clientes, este programa inclui a implementação de inúmeras iniciativas de capacitação orientadas a colmatar as necessidades específicas e mais prementes de micro e PME na sua jornada da sustentabilidade, tanto na frente regulamentar como estratégica”, detalha Filipa Saldanha. A título de exemplo, a parceria de impacto entre o Crédito Agrícola e a Climate Farmers foi consubstanciada num programa de formação que visa apoiar clientes, nomeadamente produtores agrícolas, na transição para práticas de agricultura regenerativa, com o objetivo de aumentar a resiliência ecológica e rentabilidade financeira de diversas culturas agrícolas.

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