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O setor da aviação garante estar empenhado em contribuir para a redução de emissões de carbono, numa altura em que a Comissão Europeia apresentou um pacote legislativo que procura concretizar uma redução das emissões de gases com efeito de estufa no Velho Continente em 55% até 2030, face aos níveis de 1990. A ambição das metas aparece como consensual. Contudo, no caminho para lá chegar, o setor defende que são precisos apoios e também atenção para não minar a competitividade.
Tanto a Easyjet como o grupo Air France-KLM afirmam que “é bem-vinda a ambição do pacote Fit for 55”, usando a mesma expressão que o Conselho de Aeroportos Internacional (ACI, na sigla em inglês), que representa os aeroportos a nível global. A Airlines for Europe (A4E), uma associação que junta as maiores companhias aéreas da Europa – incluindo as já referidas – afirma mesmo que “as companhias aéreas estão completamente comprometidas em descarbonizar o transporte aéreo”. O setor da aviação lançou o próprio roteiro para a descarbonização, o Destinantion 2050.
Apesar de o Fit for 55 abranger vários setores, a aviação está em foco pelo elevado impacte ambiental: é responsável por um quarto do total de emissões europeias e estas estão ainda em trajetória ascendente. Em paralelo, “o setor da aviação foi arduamente afetado pela pandemia e a recuperação do tráfego aéreo é lenta”, afirma Christoph Berger, o responsável pela equipa alemã de mercados acionistas da AllianzGI, para depois acrescentar que “isso não deve ser uma desculpa” para que a aviação não contribua para o Fit for 55.
“O setor não será capaz de atingir esse objetivo [da neutralidade carbónica em 2050] apenas por si próprio. É necessário um enquadramento regulatório e financeiro que apoie”, defende a ACI. A A4E reforça: “Para colmatar a diferença de preços face à utilização de combustíveis fósseis, são necessárias medidas financeiras”, apontando os subsídios como uma das opções.
Medidas pesam no orçamento
Apesar de os vários atores reconhecerem que não se consegue fazer, ainda, uma previsão concreta acerca dos custos totais do pacote europeu para a aviação, dada a fase muito inicial em que se encontra a legislação, há alguns números que se podem adiantar.
Entre a regulação proposta pela Comissão europeia está o “RefuelEU”, que promove a transição de combustíveis fósseis para combustíveis sustentáveis na aviação, ou SAF, na sigla em inglês. Estes SAF têm, hoje em dia, uma utilização de apenas 0,05% dentro da União Europeia, diz a Comissão, que agora pretende chegar aos 5% em 2030 e 32% em 2040. Atualmente, dependendo do SAF, o custo de produção pode ser entre 1,5 a seis vezes maior que o de um combustível fóssil, pelo que a Bruxelas calcula que seja necessário aumentar a capacidade de produção dos combustíveis sustentáveis. Este esforço deverá requerer um investimento de 10,5 mil milhões até 2050.
A A4E afirma que “as companhias aéreas têm ficado desapontadas com os apoios dados para os SAF dentro dos planos de recuperação”, ao mesmo tempo que considera estes combustíveis “um dos meios mais eficazes e realistas para reduzir as emissões na aviação nas próximas décadas”. A Allianz aponta que os custos com os SAF deverão impactar sobretudo o investimento nas operações (OPEX) das companhias aéreas, dado que a maior parte das aeronaves já consegue misturar até 50% de SAF com o combustível fóssil. Assim, “precisam de passar os custos mais altos para os consumidores” pelo que “estas propostas também se vão refletir nos preços dos bilhetes de avião”.
Outra medida que a Allianz vê a pesar nos bolsos dos consumidores, sobretudo a partir de 2026, é o “aperto” no mercado de licenças de carbono. Entre 2019 e 2030, os custos dos operadores aéreos com o mercado de licenças de carbono podem ser multiplicados por cinco, atingindo os 5 mil milhões em 2030, estima a A4E. Isto, uma vez que o pacote legislativo prevê a diminuição gradual (em 4,2%) do número de licenças de carbono atribuídas gratuitamente às companhias até 2026, ano em que deixam de ser atribuídas.
Do lado dos aeroportos, a ACI calcula que a descarbonização total dos 50 maiores aeroportos europeus requeira um investimento de 26 mil milhões de euros. A este grupo, a medida que afeta mais diretamente é a passagem da Diretiva da Infraestrutura para Combustíveis Alternativos a regulação. Esta inclui, por exemplo, metas para o fornecimento de eletricidade para aeronaves nos aeroportos.
Por fim, o ponto que parece mais controverso é a possibilidade de a Comissão Europeia avançar com um imposto sobre a querosene, combustível usado pelos aviões. A hipótese, que pode resultar da revisão da Diretiva Fiscal da Energia, é considerada “ecologicamente e economicamente contraprodutiva” pela A4E, que considera uma punição em duplicado ter de pagar pelo uso deste combustível tanto através de um imposto como no âmbito do mercado de licenças de carbono. Para a associação, um imposto pode levar a distorções na competitividade interna e a nível global e levar às “fugas de carbono”, isto é, à deslocação das empresas para evitar custos. A Air France-KLM aponta que esta medida pode levar a que voos optem por rotas mais longas de forma a evitar a taxação, aumentando as emissões.
Há ajudas na calha
A Comissão Europeia afirma esperar que “as necessidades de investimento sejam cobertas em grande parte pelo setor privado”, mas poderão também ser apoiadas pelos governos e por instrumentos de financiamento europeu. Disto são exemplo o mercado de emissões europeu, o Fundo de Inovação, o Horizonte Europa, entre outros.
“Cerca de um terço do NextGenerationEU e o orçamento europeu irão apoiar projetos verdes e sustentáveis por toda a Europa. Isto são mais de 500 mil milhões de euros apenas a nível europeu. Depois, têm de se adicionar as provisões dos orçamentos nacionais”, afirmou a presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, num discurso sobre executar o Pacto Ecológico Europeu, a 14 de julho, a data da apresentação do Fit for 55.
Uma aliança industrial para os combustíveis renováveis, que está a ser preparada ao nível da Comissão, poderá ainda dar asas a que seja usado o estatuto de IPCEI, ou seja, de projeto importante de interesse comum europeu, o qual permite que as regras de ajudas de Estado sejam ajustadas de forma a que os governos possam investir numa área de particular interesse.
Responsável da Allianz GI