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Portugal precisa de investimento privado e público, de projetos empresariais que cativem, sobretudo os mais jovens, e de simplificação administrativa. Estas são as três medidas que o presidente da CIP considera essenciais para aumentar a produtividade, a via para o crescimento e o aumento dos salários. E deixa um desejo para 2025, que a Europa e Portugal tomem consciência que "precisamos de agir já". Convidado das "Conversas com CEO", integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, numa entrevista de mais de meia hora aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Armindo Monteiro alerta que a UE tem de conseguir conciliar a competitividade com a transição energética. Sobre a imigração, espera que o Governo isente de tributação as casas que as empresas possam dar.
Como é que tem tempo para tanta coisa? Para o associativismo e para um grupo empresarial que está um pouco por todo o mundo?
Juntamos paixões às vocações. A minha vocação é ser empresário. Sou dirigente associativo por gosto, por acreditar na eficiência coletiva e também no que os americanos chamam o ‘giving back’.
E porque é importante o associativismo?
O associativismo é fundamental porque nós, verdadeiramente, estamos sozinhos. Ainda que estejamos rodeados por equipas, a decisão é solitária. E é bom que tenhamos a humildade de a discutir com os pares, de perceber o que é que outros fariam naquela posição.
Tinha a ideia que o associativismo servia como um grupo de pressão, de lobby.
Essa é outra dimensão. Somos tão pequenos que nem temos capacidade lobby. Temos é alguma capacidade para nos fazermos ouvir para termos um enquadramento que seja mais favorável à vida empresarial. Em Portugal combatemos o capitalismo, as grandes empresas. Toleramos as pequenas, mas combatemos as grandes.
Mas não é uma minoria?
Não é um discurso de minoria. Veja-se, por exemplo, que para descermos um ponto no IRC houve uma ameaça de queda do Governo. Quando chegamos a um ponto em que um Governo que quer descer a taxa de IRC – que, todos sabemos, é a mais alta da Europa – é ameaçado de ser destituído se insistir em baixar 2 pontos e só consegue um ponto… Ninguém acredita nisto lá fora, é impensável.
E porque é que os salários não sobem?
Os salários estão a subir. Com este acordo que fizemos, vamos ultrapassar os 1.000 euros, o que era impensável em 10 anos. E estão a subir mais do que a economia, o drama é esse. A principal razão é a qualidade dos fatores de produção, com o investimento que determina tudo isto. E o investimento não acontece porque o país não é atrativo para o realizar. Com as taxas de IRC que temos, com o investimento público que não acontece – só ocorre à custa do PRR –, não há investimento em Portugal. Tem de haver investimento público. Estamos num extremo da Europa e não temos alta velocidade, não temos um conjunto logístico. E os nossos produtos ficam mais caros.
Quais seriam as 3 medidas que podiam fazer mexer o ponteiro na produtividade, o segredo para salários mais altos e mais crescimento?
Desde logo o investimento, público e privado. Precisamos de uma política clara de promoção do investimento. Um euro investido tinha de ter uma vantagem fiscal em relação a um euro usado em proveito próprio.
Mas os lucros reinvestidos também não começam a ter, pelo menos parcialmente, um tratamento especial?
Sim. Mas é como as majorações em que são tantas as condições que a sua intersecção dá um conjunto vazio, que não torna atrativo coisa nenhuma. Precisamos muito, muito, muito de investimento.
Portanto, primeira medida...
Investimento. A segunda é a qualificação. Precisamos de projetos empresariais que cativem, sobretudo os mais jovens, para viverem em Portugal. É importante que os empresários consigam oferecer não apenas postos de trabalho, mas projetos de carreira. A nossa economia ainda não fez essa alteração que permite oferecer empregos em que as pessoas se sintam realizadas.
Mas isso não é bem uma medida. É um sonho…
Mas há soluções, como ligar as universidades às empresas e vice-versa. As boas empresas e as boas universidades já conseguiram quebrar essas barreiras, mas ainda não são a globalidade. Ainda continua a haver [essa barreira], sobretudo nas empresas de reduzida dimensão, sem capacidade de inovação. São estas que nós temos de motivar e conseguir que invistam no seu "core business," em vez de estarem a olhar para a carga burocrática.
A terceira medida é simplificação?
Simplificação administrativa. Há muitas empresas que hoje – mesmo as pequenas, de duas ou três pessoas, em que uma já só quase se dedica a coisas administrativas, como juntar faturas para enviar para o contabilista, registar não sei quê na Segurança Social... Vai a uma empresa e, tipicamente, tem áreas administrativas enormes, porque todos os dias surgem mais obrigações.
Mas está a ver esta vontade de mudança no atual Governo?
Noto uma vontade de mudança genuína. Mas noto também, e é preciso dizê-lo, algum taticismo para ver se a reação da oposição permite fazer essas transformações.
Ou seja, o Governo está muito condicionado por ser minoritário?
O facto de não ter maioria, no próprio acordo que negociou com os parceiros sociais, foi notório. Teve de recuar em algumas coisas. É naturalmente uma fragilidade, estarmos a lidar com um governo minoritário.
Mas há matérias que não é preciso ir ao Parlamento, como a simplificação administrativa.
É por isso que temos a expectativa que, este ano, haja um conjunto de medidas de simplificação administrativa, fáceis de legislar. Façam o escrutínio que é necessário. Apenas simplifiquem-no. Por vezes são regras que não acrescentam nada. Por exemplo, algumas empresas tiveram uma dificuldade enorme para provarem que são PME porque era preciso um certificado. Na Europa ninguém pede certificados PME. A empresa ou é PME ou não é. E quem é que emite certificado de PME? O Estado, que, se não for rápido, a empresa não tem certificado PME, apesar de o ser. Isto é um absurdo.
As empresas precisam de imigração, mas os locais começam a rejeitá-la. Que soluções podem os empresários ter?
Nas confederações empresariais, e na CIP em particular, estamos disponíveis para encontrar soluções, nomeadamente no alojamento. O que estamos a tentar evitar é que o Estado, à custa de benefícios aos outros, queira também o seu próprio. Por exemplo, quando promove o aumento dos salários, o Estado é o principal beneficiário. Vai buscar 23,75% para a Segurança Social por parte da entidade patronal, mais 11% do trabalhador, que dá logo 34,75%. Com uma taxa de IRS média de 20%, já estamos em 54,75%. Mais de metade do que é disponibilizado ao trabalhador vai direitinho ao Estado. E a disponibilização de uma habitação para um trabalhador, se for entendida como uma remuneração em géneros, tem tributação.
A vossa proposta é garantir alojamento para os imigrantes se esse pagamento em espécie não for tributado?
Naturalmente. Não seja tributado e seja permitido construir habitações. E esta lei dos solos vai no sentido correto. Porque aumenta a disponibilidade de construção. A nossa proposta é que tudo seja feito de forma muito mais transparente. Tem de haver informação sobre as pessoas que estão disponíveis para vir para Portugal e, se possível, fazer a seleção, o recrutamento e a própria formação nos locais de origem.
Uma das políticas de Donald Trump que poderá ter maior impacto é a aplicação de tarifas. Que efeito pode ter em Portugal?
Subindo as tarifas alfandegárias fará com que os produtos europeus cheguem mais caros. Vai haver inflação. As nossas empresas que consigam incorporar esse acréscimo de preço por aumento das taxa, vão conseguir à mesma vender lá, sejam as portuguesas ou europeias. Se não, vamos ter aqui uma dificuldade. Mas nós não podemos ficar à espera que os outros resolvam os nossos problemas. Não podemos ficar nesta ideia, que se instalou em Portugal e até um pouco na Europa, de que temos sempre as nossas razões seguras e sustentadas. Não percebemos que estamos a perder competitividade todos os dias.
Mas como é que a Europa devia reagir?
Tal como está no relatório Mario Draghi. Temos défice de competitividade e inovação e temos excesso de legislação. Não podemos estar sempre a legislar. Os Estados Unidos inovam, produzem e depois legislam. Nós legislamos e depois vamos ver o que é que conseguimos produzir, dentro daquelas baias todas que nos autoimpusemos, como se fossemos o único "player" do mundo. É preciso uma transição energética, não podemos ser negacionistas. Mas não nos podemos esquecer que continuamos a ter de ser um "player" económico.
Devíamos ser menos ambiciosos em matéria de transição energética?
Temos de conseguir adequar a nossa capacidade de ser economicamente competitivos à necessidade de fazer a transição. O que não podemos é colocar o foco completo na transição energética e a competitividade, se ficar pelas ruas da amargura, paciência. Não, isso não. Isso é uma loucura. O que está na ordem do dia da Europa é sermos os líderes do mundo despoluído, descarbonizado. E muito bem. Mas, se isso for feito à custa da perda de competitividade e se passarmos a ser um continente pobre, em comparação com as outras realidades geográficas, se calhar ninguém quer. É importante alertar que isto tem custos.
Qual é um dos desafios mais importantes do ano de 2025?
Para Portugal e para a Europa é termos a noção que a eleição de Trump não foi uma anomalia. Há quem tenha a ideia que os americanos naquele dia não estavam a pensar bem, elegeram de forma errada, mas vão corrigir. Não.
O mundo está a mudar?
O mundo está a mudar. Outra ideia que existe é que sendo o segundo mandato, já não se pode recandidatar. Outro erro. Outro ‘Trump’ virá. O mundo está a mudar e cada bloco económico, antes de mais, está a pensar em si próprio – como, de resto, a China já o faz. Na Europa achávamos que esta interdependência entre todos os blocos nos dava tranquilidade e paz. Foi um violento despertar que tivemos. Devemos aproveitar este violento despertar para sermos concretos, realistas e pensarmos no que podemos fazer, na Europa e nós em Portugal. Temos de ter a capacidade de agir e rápido. Não podemos ficar à espera das próximas eleições. Se não agirmos hoje, vamos perder e afastar-nos desta sofisticação económica que está a acontecer um pouco por todo o mundo. Se pudesse pedir um desejo para 2025 seria a tomada de consciência de que não temos tempo. Precisamos de agir já. E depende de nós.